São Paulo, domingo, 22 de julho de 2001 |
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Escola de Frankfurt A nova geração
José Galisi Filho especial para a Folha , de Frankfurt
Instituição quase mítica para o pensamento de esquerda nos anos 60, o Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt tem
desde maio um novo diretor. Uma das
metas do filósofo Axel Honneth é dar novo
vigor intelectual ao instituto, que viu seu
prestígio e influência declinarem desde os
anos 70, com a morte de Theodor Adorno,
Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Erich
Fromm -que constituíram, entre outros, a
chamada Escola de Frankfurt.
Mas essa impregnação de fontes e perspectivas quase religiosas não atinge em nada o núcleo potente de verdade da teoria crítica e de sua análise aguda da modernização capitalista em Adorno, Marcuse, Horkheimer e, até mesmo, em Walter Benjamin. No centro dessa crítica reside uma percepção substantiva dos elementos centrais dos antagonismos, da dilaceração e de ambivalências da modernização capitalista que se referem a processos reais. Se a experiência do nacional-socialismo foi determinante para a dominância do conceito de razão instrumental na constituição desse núcleo teórico nos anos 30 e 40, os prognósticos da análise social continuavam válidos e defensáveis até o final dos anos 60. O papel do marxismo vulgar dos anos 60 tinha muitos traços de uma recusa da realidade social na ênfase do proletariado como "sujeito revolucionário". Havia muitos traços de recusa do real. Numa análise minimamente sóbria, o proletariado já era nos anos 20, mas sobretudo nos anos 50 e 60, fortemente aburguesado, e daquela virtualidade de um sujeito revolucionário não havia mais nenhum vestígio. Nesse sentido, a teoria crítica era uma aproximação sóbria e um corretivo desse marxismo vulgar. Acredito que Habermas tenha desempenhado um papel decisivo nessa tarefa corretiva e na análise dos ilusionismos do marxismo dos anos 60. Minha orientação da análise de Habermas decorre sobretudo desse realismo sóbrio de sua teoria social diante desse marxismo. A Terceira Via começa a sofrer críticas severas na própria Inglaterra, mas também no Brasil, onde o próprio presidente, um sociólogo de prestígio, assume as afinidades com as idéias de Anthony Giddens e o projeto de Tony Blair. Por que o estatuto de tábua de salvação atribuído à Terceira Via declinou tão rapidamente? A Terceira Via deveria ser uma tentativa de regulamentação dos aspectos negativos do mercado com uma restrição e disciplinamento de suas patologias -nas palavras de Habermas. Estou inteiramente convencido de que seja possível conciliar o mercado e sua expansão, ou seja, equalizar justiça social e vínculos solidários, num balanço entre formas comunitárias, solidárias e societárias. Isso não depende só de programas de governo. "O Todo é o não-verdadeiro". Como essa sentença de Adorno deveria ser lida hoje? Sem as mesmas condições políticas e sociais nas quais Adorno a formulou, isto é, no quadro de uma formação histórica muito específica, de uma lógica do declínio na convergência entre o nacional-socialismo e o stalinismo, essa afirmação não seja mais sustentável nas condições de nosso presente. O que seria possível fazer com as "ruínas" dessa estética, nas palavras de Albrecht Wellmer, e sua sentenciosidade que tende ao enrijecimento? Essa estética também não sobrevive além desse quadro de negatividade mencionado. Ela foi a tentativa tardia de restabelecer uma estética sob o signo da negatividade. Mas essas "ruínas" são o próprio conjunto da obra de Adorno. Ela foi pensada para ser decodificada em seus fragmentos e nesse movimento de desmoronamento. Não é possível reconstruí-la numa unidade, mas devemos antes reconhecer em cada fragmento desse conjunto, em seus movimentos parciais, o potencial de conhecimento e a beleza que ela irradia nessa descontinuidade. Acho que a idéia de Adorno de um conceito aporético de liberdade sobrevive a esse desmoronamento, como na "Minima Moralia" (lançado no Brasil pela editora Ática). Não podemos nos aproximar dessas ruínas como de um sistema homogêneo, mas sim buscar em cada uma de suas partes as relações produtivas de sentido de seu conjunto. Em "A Luta pelo Reconhecimento" (1992) o sr. ressalta a importância do conflito real entre os diversos grupos sociais como dínamo do desenvolvimento histórico. De que forma isso constitui uma crítica ao domínio da "razão instrumental" pregada por Adorno e Horkheimer e, por extensão, uma crítica à própria teoria crítica? Tenho em vista a continuação de uma teoria social dos potenciais de conflito originária de Marx e Sorel até o presente. Contudo, se existe nessa tradição uma certa tendência de considerar a "luta" como um conflito de interesses já dados, procuro formular essa luta essencialmente como um conflito simbólico dos atores sociais em busca do reconhecimento moral, ou seja, na busca simbólica de identidades morais individuais e coletivas. E qual seria seu conceito de moderno a partir dessa "identidade moral". Esse "moderno é o nosso moderno", como se pergunta Luhmann? Essa é uma questão difícil. Naturalmente há várias conceitualizações do que seja uma sociedade moderna. Pertenço a uma tradição européia anterior, que não partilha esse conceito sistêmico de Luhmann. O conceito de Luhmann caracteriza-se por princípios normativos e instâncias auto-regulatórias da integração social. Luhmann está convencido de que a integração social se processa de forma sistêmica, uma integração sistêmica por meio dos vários subsistemas independentes em sua auto-reprodução, enquanto a perspectiva da integração social, sob o ponto de vista da integração moral dos sujeitos dentro da sociedade, não desempenha para ele um papel central, como na minha variante. Nesse aspecto, diferencio-me estritamente de Luhmann e me alinho com a vertente habermasiana, ou seja, com a idéia da dominância da integração social sobre a dominação sistêmica. Quais seriam as perspectivas da "constelação pós-nacional" para a Alemanha no início deste século? Não estou convencido, como Habermas, de que as tendências atuais levem a uma superação da jurisdição do Estado nacional. Até pelo contrário, acredito que nos próximos decênios o papel regulador do Estado nacional nessas questões étnicas somente deverá aumentar na Europa unificada, pois estaremos cada vez mais envolvidos no remodelamento de nossos sistemas legais dentro dessa complexa estrutura federativa, e isso implicará uma engenharia legal que não pode prescindir do Estado nacional. A questão da definição da língua nacional dentro de uma esfera de jurisdição nacional será cada vez mais marcante também nesse novo contexto. E trata-se também de criar um novo espaço democrático transnacional e da integração social nos vários níveis políticos em que essa unidade será estabelecida, de modo que tenhamos uma interpenetração das esferas locais, regionais e supranacionais. Todos nós teremos de aprender a viver nessa comunidade política multicultural, uma palavra pela qual tenho grande simpatia. Não chamaria essa nova forma de identidade de "personalidade cosmopolita", mas sim de "personalidade multicultural", pois seremos atores integrantes de diversas comunidades políticas simultâneas. Para onde estão rumando as ciências sociais? Elas apontam para várias direções. Por um lado, observa-se uma profissionalização cada vez maior, bem como uma enorme variedade de perspectivas empíricas, como nunca houve antes, baseada numa poderosa estatística que nos oferece a possibilidade de fazer prognósticos muito precisos. Mas, nesse sentido, as chances de uma unidade teórica entre filosofia e pesquisa, como se pensou no passado, é cada vez menor. Com a exceção dos trabalhos de Habermas, Pierre Bourdieu e Alain Touraine, poucas reflexões contemporâneas oferecem essa amplitude e busca de unidade entre teoria e práxis. Pessoalmente acredito que por meio das pressões do presente possamos estabelecer pretensões morais e emancipatórias para os atores sociais. É nisso que venho me empenhando. José Galisi Filho é doutorando em germanística na Universidade de Hanover (Alemanha). Texto Anterior: + 5 livors: Filosofia da ciência Próximo Texto: Saiba + Índice |
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