São Paulo, domingo, 22 de julho de 2001

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A opressão invisível


Políticas de identidade, debates raciais e reivindicações feministas buscados nos anos 70 levam os novos frankfurtianos a redescobrir os ataques de Adorno e Horkheimer a todas as formas perniciosas de abstração


por Joel Anderson

A teoria social crítica na Alemanha está hoje em fase de transição. A tradição de 75 anos da Escola de Frankfurt, liderada primeiramente por Max Horkheimer e Theodor Adorno e depois por Jürgen Habermas, está passando para as mãos de uma nova geração. Embora Habermas e outros membros da "segunda geração" permaneçam ativos, a aposentadoria dele em 1994 marcou o fim de uma era e o surgimento de uma nova geração na teoria social crítica, liderada por Axel Honneth. Embora os critérios para uma geração não sejam menos problemáticos que os de uma "escola" -há questões espinhosas, como quem estaria dentro ou estaria fora, ou se os membros da nova geração "traíram" a tradição e deixaram de pertencer a ela-, essa troca de guarda permite uma perspectiva histórica sobre momentos-chave na teoria social crítica na Alemanha. Este ensaio pretende caracterizar essa nova geração de críticos sociais alemães, tanto em suas diferenças quanto em sua continuidade com a tradição da Escola de Frankfurt de modo geral. A primeira geração da Escola de Frankfurt é relativamente fácil de identificar, já que quase todos os seus membros trabalharam em nome do Instituto de Pesquisa Social ("Institut für Sozialforschung"), em Frankfurt. Depois de um período inicial sob Carl Grünberg (1923-28), o instituto adquiriu seu caráter reconhecível sob a diretoria de Max Horkheimer e incluiu Theodor Adorno, Walter Benjamin, Erich Fromm, Otto Kirchheimer, Leo Löwenthal, Herbert Marcuse, Franz Neumann e Friedrich Pollock. A peculiar abordagem da investigação social pela Escola de Frankfurt pretendia gerar a emancipação das viseiras ideológicas, trazendo à consciência as condições de nosso conhecimento do mundo, tema herdado de Georg Lukács. Na formulação elaborada por Horkheimer, a tese é que o mundo social pode ser entendido como um mundo social. O mundo social carece do caráter "dado" do mundo natural e deve ser visto como nossa construção. A própria implicação política disso é que o mundo social poderia ser diferente. Isso é algo que a ciência social tradicional "burguesa" tende a ocultar, perpetuando desse modo o status quo sob o capitalismo. Executar esse projeto envolve uma forma de ciência social reflexiva, capaz de fornecer uma consideração de suas próprias origens. E a melhor maneira de fazer isso, na opinião deles, era fundamentar a reflexão teórica na simples autocompreensão dos participantes do mundo social, especialmente no campo do trabalho. Foi essa a convicção metodológica que orientou o primeiro grupo nos projetos interdisciplinares que empreendeu, trabalhando numa equipe estreitamente coordenada. Esse enfoque central foi complementado por trabalhos relacionados com a estética da experiência (Benjamin e Adorno) e trabalhos em teoria e economia política (Neumann e Kirchheimer). Mas o interesse que conduziu a Escola de Frankfurt original foi a emancipação por meio da ciência social reflexiva, focada particularmente na experiência da classe trabalhadora. Depois que o instituto foi fechado pelos nazistas, em 1933, o círculo exilado permaneceu relativamente intacto, sobretudo durante o período inicial em Nova York, onde se abrigou na Universidade Columbia (e não, como se costuma pensar, na Nova Escola de Pesquisa Social). Horkheimer, Adorno e os outros prosseguiram nos temas definidores da primeira geração -análises marxistas-freudianas das raízes do totalitarismo na cultura de massa-, temas que se tornaram a base para trabalhos realizados em Frankfurt depois que o Instituto de Pesquisa Social foi restabelecido sob a diretoria de Horkheimer (mais tarde reitor da Universidade de Frankfurt). Durante essa segunda fase áurea do instituto (1950-70), a expressão "Escola de Frankfurt" passou a significar uma abordagem teórico-social que empregasse métodos de ciência social qualitativa para expor a ideologia responsável por diversas patologias sociais.

A segunda geração
Foi no Instituto de Pesquisa Social que Jürgen Habermas conseguiu seu primeiro emprego em pesquisa, depois de alguns anos de pós-doutorado trabalhando como autor de artigos para jornais. Dos membros dessa segunda geração que eram associados ao instituto -entre eles, Ralf Dahrendorf, Gerhard Brandt, Ludwig von Friedeburg, Oskar Negt e Alfred Schmidt-, nenhum se compara em estatura e influência a Habermas. Mas isso não aconteceu desde o início. Depois de vários anos de trabalho empírico no instituto, Habermas encontrou resistência de Horkheimer. Em particular, Horkheimer se recusou a aprovar como uma "Habilitationschrift" a monografia de Habermas de 1962, "Mudança Estrutural da Esfera Pública" (lançado no Brasil pela editora Tempo Brasileiro), o que, grosso modo, significava negar-lhe um cargo, fato que tensionou seriamente as relações de Horkheimer tanto com Habermas quanto com Adorno, o orientador do projeto. Foi somente por meio da intervenção de Wolfgang Abendroth, o único professor marxista de filosofia na Alemanha Ocidental na época, que Habermas conseguiu se habilitar em Marburg, aceitando posteriormente um cargo em Heidelberg. Habermas voltou a Frankfurt após dois anos (em 1964) como professor de sociologia e filosofia. Pelos trabalhos que publicou na década de 60, é visível como se afastou de seus mentores no instituto. O que começou a surgir como abordagem diferenciada de Habermas à teoria crítica foi o interesse em especificar as condições sob as quais as interações humanas estariam livres de dominação. Enquanto a primeira geração havia examinado diversas formas de "crises" econômicas, políticas ou psicanalíticas como locais de impulsos emancipadores, Habermas examinou o ideal de interação interpessoal livre como era encontrado na vida comum e, especificamente, na comunicação linguística, para servir de fonte principal de impulsos emancipadores. O ponto-chave da mudança e o final da era da primeira geração surgiu por volta de 1970, com as mortes de Adorno (1969) e Pollock (1970) e as partidas de Von Friedeburg (para ser ministro da Educação de Hesse em 1970 e assistir à polêmica democratização progressiva do sistema educacional alemão), Horkheimer (que se aposentou na Suíça) e Habermas (que partiu para Starnberg em 1971). Além disso, depois da fundação do departamento de ciências sociais em 1971, o instituto deixou de oferecer cursos de sociologia e se tornou dependente de verbas privadas. Desde então o Instituto de Pesquisa Social deixou de ser o lar institucional da teoria social crítica na Alemanha, embora continue funcionando até hoje.

Mudança para Starnberg
Em termos de desenvolvimentos teóricos, os anos definitivos para a segunda geração foram de 1971 a 1981 em Starnberg (perto de Munique), onde Habermas foi diretor do Instituto Max Planck de Pesquisa sobre Condições de Vida no Mundo Técnico-Científico. Nesse centro de pensamento, Habermas reuniu a equipe de pesquisadores que deu nova direção à teoria social crítica. O trabalho em Starnberg era extensamente empírico, e Habermas e seus colegas produziram teses sobre a identidade do ego, competência comunicativa, desenvolvimento moral, patologias sociais, processos de racionalização, evolução jurídica e assim por diante. Mas esse também foi o período em que Habermas intensificou seu estudo da filosofia analítica da linguagem como parte do desenvolvimento de sua pragmática universal da comunicação.
Esse trabalho em Starnberg culminou no trabalho que orientou a segunda geração da Escola de Frankfurt: a "Teoria da Ação Comunicativa", de Habermas, com 1.300 páginas, publicado pela primeira vez em 1981.
Para Habermas e sua geração, o programa dos fundadores da Escola de Frankfurt perdeu a plausibilidade ao não conseguir solucionar o problema das bases normativas. Inspirando-se na síntese radicalizadora de Lukács do conceito de alienação de Marx e na tese de Weber sobre a "gaiola de ferro" dos processos de racionalização ocidentais, Adorno, Horkheimer, Marcuse, Fromm, Benjamin e outros se opuseram à "reificação" do espírito humano pelas forças capitalistas e burocráticas.
Na medida em que eles pensavam que seus padrões críticos necessitavam de análise, ofereceram uma defesa quase metafísica, em vez de uma justificação normativa. Além disso, apesar de sua aspiração a fornecer uma fundamentação de sua crítica em uma forma auto-reflexiva de ciência social, Horkheimer e os outros não conseguiam explicar como pretendiam ocupar um ponto de vista privilegiado do qual poderiam expor a ideologia. Em outras palavras, eles deixaram de aplicar seu padrão de reflexividade crítica a sua própria teoria.
A própria obra de Habermas "Conhecimento e Interesses Humanos" (originalmente publicada em 1968) compartilhava algumas dessas fraquezas -o que depois ele admitiu em seu "Posfácio" autocrítico.

Habermas é um intelectual muito engajado, intervindo em debates sobre o movimento estudantil, a relutância dos alemães em assumir seu passado nazista, o malogro do pacifismo diante das violações de direitos humanos e as deficiências normativas da teoria pós-moderna


Tornou-se assim tarefa da Teoria da Ação Comunicativa definir um novo rumo, capaz de fornecer um esteio adequado para a análise da reprodução social, de patologias sociais e diretrizes para a transformação emancipadora. Nas palavras do próprio Habermas, seu objetivo era desenvolver "uma teoria social preocupada em validar seu próprio padrão crítico". Portanto, Habermas estava interessado na "crítica" em dois sentidos: no sentido esquerdista de apontar injustiças e no sentido kantiano de um exame das condições para a possibilidade de alguma coisa, nesse caso, das bases para a crítica no primeiro sentido.
Para Habermas, as bases normativas da teoria social crítica se encontram na compreensão adequada da ação comunicativa, em particular das "pressuposições idealizadoras" que devem ser efetuadas por uma pessoa que tenta chegar ao entendimento sobre algo com alguém. Essa abordagem combina uma teoria de bases normativas, de como é possível a ação social coordenada, com uma "teoria do discurso", de como as afirmações são justificadas. Segundo a teoria do discurso de Habermas, todo ato comunicativo carrega em si afirmações de validade (verdade, correção e sinceridade), em que a validade reivindicada é capaz de suportar críticas sob "condições de discurso", ou seja, um contexto de justificação que os participantes consideram irrepreensível.
Essa "teoria do discurso" está no centro de seu trabalho sobre teoria moral, teoria democrática, racionalidade e verdade. Segundo a consideração "teorética da comunicação" de Habermas sobre a ação social, o que torna possível a ação coordenada (assim solucionado o que Talcott Parsons chamou de "o problema da ordem social") é nossa capacidade de chegar a um entendimento mútuo sobre alguma coisa, sendo essa questão novamente ligada a processos abertos de justificação discursiva. De fato, é nossa necessidade de coordenação social, segundo o pragmatismo social de Habermas, que gera pressões internas para que se atinja um acordo, assim liberando "o potencial racional da ação comunicativa".
Além de fornecer uma consideração "teorética do discurso" das bases normativas, a análise de Habermas dos processos de comunicação em si mesma é uma contribuição direta à teoria social crítica, particularmente em sua análise da dominação em termos de "comunicação sistematicamente distorcida". Esse tema é recorrente em uma ampla variedade de contextos, desde seus ataques a políticas tecnocráticas até sua defesa da democracia radical e sua reinterpretação da reificação em termos de "colonização do mundo da vida". A idéia-chave é que o que há de mais pernicioso nas sociedades altamente industrializadas -como se manifesta na burocratização, no militarismo, tecnocracia, economia "laissez-faire", privatização, midiatização, abordagens ideologicamente orientadas da imigração e política social e assim por diante- é que interesses entrincheirados são capazes de neutralizar o tipo de debate político público que revelaria as injustiças do status quo.
O enfoque de Habermas para alcançar o entendimento mútuo e para os processos de aprendizado progressivo está bem dentro da tradição da Escola de Frankfurt de explicar as transformações sociais por uma perspectiva crítica e normativa. Mas, em contraste com o interesse da primeira geração pelas estruturas de consciência e as crises de acumulação capitalista, Habermas se concentra nas características universais e gerais da ação comunicativa, afirmando que estas fornecem uma base mais defensável para a crítica social. De fato, foi em parte o interesse de Habermas pela universalidade e a unidade da razão que levou os pós-modernistas a buscar, não nele, mas em Adorno, Benjamin e outros membros da primeira geração, aliados para o desenvolvimento de suas análises críticas.
O impulso modernista tão central na obra de Habermas é refletido pelos outros membros da segunda geração, embora em graus diferentes. Albrecht Wellmer, por exemplo, tentou desenvolver uma versão da modernidade que mantivesse a aspiração à verdade enquanto acomoda a visão estética e pós-moderna de que a transparência do significado, a completude da compreensão e a certeza do conhecimento estariam obrigatoriamente além de nosso alcance. Em relação à "teoria do discurso", Karl-Otto Apel lançou a idéia antes que fosse adotada por Habermas, e ele tem sido a força propulsora por trás da tentativa de colocar a teoria do discurso em bases mais transcendentais. Para Negt, Von Friedeburg, o cientista político Claus Offe e outros, o foco é tentar entender como, nas sociedades complexas, os imperativos impessoais da economia e da política podem ser domados e impedidos de dominar mais dimensões da integração social do que o necessário.
Nenhum desses desenvolvimentos teóricos ocorreu no vácuo, é claro. Habermas em particular é um intelectual muito engajado, intervindo em debates sobre o movimento estudantil e a reforma universitária, a relutância dos alemães (Heidegger em particular) em assumir seu passado nazista, o malogro do pacifismo diante das violações de direitos humanos, as deficiências normativas da teoria pós-moderna, o sequestro da unificação alemã por parte do fervor nacionalista e da ambição corporativa, além da nova identidade pós-nacional da Alemanha como um país de imigrantes. Mas em todos esses casos o interesse motivador foi o mesmo: restaurar, proteger e radicalizar os imperativos universalistas da democracia liberal, da racionalidade processual e da cultura modernista.
Esse enfoque universalista tem sido muito atacado, mas é motivado pela profunda desconfiança da tradição alemã, derivada da experiência definidora do amadurecimento dessa geração. Habermas disse que aos 16 anos, ao saber da amplidão das atrocidades cometidas pelos alemães durante a guerra, "soube que, apesar de tudo, continuaríamos vivendo na ansiedade da regressão e teríamos de carregar essa ansiedade. Desde então tenho buscado, ora aqui, ora ali, vestígios de uma razão que una sem apagar a separação, que ligue sem negar as diferenças, que indique o comum e o compartilhado entre estranhos, sem privar o outro da condição de outro". Para a geração de Habermas, a confiança no senso comum predominante no pensamento progressista anglo-americano simplesmente não é uma opção.
A "ansiedade com relação à regressão" da segunda geração e o sentimento da necessidade de um bastião contra as tradições autoritária e xenófoba profundamente enraizadas na Alemanha tiveram três efeitos principais. Primeiro, claramente contribuíram para a forte ênfase da segunda geração nos princípios constitucionais, nos direitos humanos e na lei, especialmente a partir de meados dos anos 80. Segundo, esquentaram muito os confrontos de Habermas nos anos 80 com o pós-modernismo, que ele tendeu a ver não simplesmente como enganoso, mas como perigoso pelo fato de atacar o recurso básico que nos impede de recair na barbárie: a razão comunicativa.
Terceiro, e mais significativamente, a preocupação da segunda geração com a insanidade por trás do Terceiro Reich encorajou seus membros a olhar além da tradição filosófica alemã. Em particular, a convicção de Habermas em relação à filosofia anglo-americana parece, pelo menos em parte, ter sido motivada pelo desejo de entrelaçar as culturas intelectuais alemã e americana intimamente, a ponto de tornar absurda a idéia de um "Sonderweg" puro alemão (o "caminho diferencial" entre bolchevismo e americanismo que foi defendido pelos intelectuais nazistas). Nesse sentido, Habermas teve notável sucesso. Com Karl-Otto Apel (e o sociólogo da terceira geração Hans Joas), ele tornou filosoficamente respeitável o pragmatismo de Dewey, Peirce e especialmente Mead. E, com Ernst Tugendhat, colaborador em Starnberg, e o editor Suhrkamp, ele ajudou a abrir os departamentos de filosofia alemães à filosofia analítica.
No final da década de 80, na verdade, os principais pontos de referência para os alunos de graduação de Habermas e seus associados eram mais provavelmente Donald Davidson, Michael Dummett ou John Rawls do que Adorno, Lukács ou Marx -mudança que gerou certa confusão em alguns acadêmicos estrangeiros que foram a Frankfurt em busca da filosofia continental. Essa mudança para a filosofia analítica talvez represente o mais claro afastamento da primeira geração e da teoria crítica -e não apenas dos preconceitos de Horkheimer e Adorno- contra a banalidade de tudo o que seja americano. A insistência de Habermas em padrões muito elevados de justificação o atraiu para debates sobre verdade, racionalidade, normatividade e conhecimento, altamente desenvolvidos na filosofia anglo-americana. E seus esforços para vender sua intuição de que se podem encontrar "vestígios de razão" na estrutura profunda das situações cotidianas, nas quais as pessoas "chegam a um entendimento sobre alguma coisa do mundo", o levaram ao centro de questões muito técnicas da filosofia da linguagem. Inicialmente pode ter parecido uma peculiaridade da abordagem pessoal de Habermas e um total afastamento da tradição da Escola de Frankfurt, mas hoje isso parece ter mudado. Certo grau de familiaridade com a filosofia analítica se tornou um pré-requisito para a maioria dos teóricos da crítica social. Quando certas exigências de argumentação rigorosa são internalizadas e quando certas questões teóricas técnicas não podem mais ser desprezadas, os teóricos sociais críticos não têm alternativa senão abordar essas questões. Com efeito, a apropriação por Habermas da filosofia analítica elevou o nível e obrigou os teóricos críticos da sociedade a enfrentar mais desafios do que nunca. Eles devem se apropriar do corpus cada vez maior da tradição da Escola de Frankfurt (com suas raízes em Kant, Hegel e Marx), se manter informados e conectados à pesquisa empírica em ciências sociais e agora também reagir aos desafios dos filósofos analíticos (que gastam todo o seu tempo nessas questões). A pergunta, então, é se alguém pode dominar todo o escopo da teoria social crítica, já que esse escopo foi ampliado, e as exigências foram muito elevadas. Como os sociólogos rapidamente indicam, a reação típica ao aumento de complexidade é a especialização, e é o que vemos ocorrer na terceira geração. Talvez isso seja bom. Mas existe o perigo de que o campo se torne tão compartimentalizado que torne implausível a idéia da existência de uma teoria social crítica. Em que sentido é possível dizer que as discussões de estética de Adorno, os debates sobre o conceitual dos direitos constitucionais à liberdade de expressão religiosa e discussões sobre a exata natureza das reivindicações de validade são discussões internas à teoria social crítica? Esse é um problema com o qual a terceira geração terá de lutar.

A emergência da terceira geração
Na terceira geração da Escola de Frankfurt, há na verdade apenas uma figura que chega perto de sustentar o projeto da teoria social crítica em todo o escopo habermasiano, que é Axel Honneth. Professor de filosofia social na Universidade de Frankfurt, Honneth se tornou diretor do Instituto de Pesquisa Social em maio de 2001. Certo debate de sua obra será útil como prelúdio para discutir o que há de diferente na terceira geração como um todo.
Embora não tenha sido aluno de Habermas, Honneth foi contratado por ele em 1984 para um período de seis anos como professor-assistente. Durante esse tempo eles trabalharam intimamente, com frequência dando seminários juntos. Depois de uma rápida sequência de atuações no Instituto de Estudos Avançados ("Wissenschaftskolleg"), em Berlim, na Universidade de Konstanz e no Instituto Otto Suhr da Universidade Livre de Berlim, Honneth trabalhou duro para ancorar a infra-estrutura da teoria crítica em Frankfurt, especialmente como co-fundador do bissemanário "Humanwissenschaften" (Ciências Humanas), como força motriz por trás de várias séries de livros de teoria crítica da sociedade, como anfitrião de diversos visitantes influentes no departamento de filosofia de Frankfurt e como membro do conselho consultivo do Instituto de Pesquisa Social. Apesar de sua centralidade, Honneth ainda não teve a oportunidade que Horkheimer e Habermas tiveram de reunir uma equipe de pesquisadores sob sua direção, sem o que talvez seja impossível integrar a complexa gama de projetos que formam a teoria social crítica atual.
Três temas na obra de Honneth se destacam como centrais em sua abordagem, temas típicos da terceira geração: 1) uma concepção de história e sociedade baseada na luta dos grupos sociais por reconhecimento; 2) a contextualização das bases normativas nas estruturas profundas da experiência subjetiva; e 3) maior atenção para o "Outro da razão". Esses três temas também indicam importantes pontos de contraste com Habermas e a segunda geração. É importante não superestimar esses contrastes, pois Habermas e Honneth compartilham a convicção fundamental de que as instituições sociais que salvaguardam as formas não-distorcidas de inter-subjetividade devem se basear, pelo menos em parte, em princípios universalistas. Ao mesmo tempo, esses contrastes ajudam a definir a diferença entre a segunda e a terceira gerações.
1) A consideração de Honneth dos enfoques "sociais" no papel central do conflito entre grupos sociais, mais que entre indivíduos (como assumido pelos hobbesianos e os teóricos da opção racional) ou entre entidades estruturais (como assumem os teóricos de sistemas, os estruturalistas e até os pós-estruturalistas). Essa reinterpretação do social foi o foco da bem recebida dissertação de Honneth, publicada como "Crítica do Poder -Estágios de Reflexão de uma Teoria Social Crítica".
Ele argumenta que, à sua própria maneira, Horkheimer, Adorno, Foucault e Habermas, todos terminam marginalizando a dimensão genuinamente social da teoria crítica. O que é necessário, em vez disso, é uma consideração do social que enfatize que a sociedade se reproduz por meio da interação muitas vezes conflituosa dos grupos sociais reais, que são eles mesmos produtos de atividades em curso de interpretação e luta, por parte dos participantes.
Na visão de Honneth -desenvolvida em sua obra mais significativa até hoje, "A Luta pelo Reconhecimento - A Gramática Moral do Conflito Social"-, os grupos sociais representam forças motrizes do desenvolvimento histórico e também (como veremos a seguir) recursos para o florescimento humano. Em relação à primeira afirmativa, Honneth desafia as correntes marxista e weberiana da teoria social crítica que se concentraram na dinâmica estrutural profunda -seja o enfoque da primeira geração na dominação da natureza pela "razão instrumental" ou a análise de Habermas do conflito entre "sistema" e "mundo da vida" ou o tratamento por Foucault dos regimes disciplinares.

A possibilidade de sentir, interpretar e perceber as próprias necessidades e desejos, em suma, a própria possibilidade de ser alguém depende crucialmente do desenvolvimento de autoconfiança, auto-respeito e auto-estima


Contra essas filosofias da história "hipostasiantes" e inspirado tanto em suas leituras do jovem Hegel quanto no envolvimento de sua geração com os novos movimentos sociais, Honneth vê o desenvolvimento histórico como uma questão da emergência e das lutas de grupos sociais. Embora ele seja um pouco mais otimista que muitos de seus contemporâneos sobre o grau em que essas lutas sociais fazem parte de um processo desenvolvimentista progressivo, o constante enfoque de Honneth na natureza dinâmica, "agônica", do mundo social é típica de uma geração muito mais afinada com a heterogeneidade e a incerteza do que a de Habermas.
2) Esse mesmo ceticismo em relação às categorias universalistas e ao processualismo formal é encontrado nas abordagens da terceira geração às bases normativas. Aqui os temas recorrentes são a importância da atenção ao outro concreto, a inevitabilidade dos pressupostos éticos substantivos, o caráter pluralista da razão e a natureza contextual da aplicação de padrões. O desafio, é claro, é dar a essas preocupações a devida atenção, ao mesmo tempo acomodando a tese de Habermas de que os padrões normativos em que deve confiar a teoria social crítica devem sua validade a um processo em curso que transcende qualquer contexto dado.
A solução proposta por Honneth é localizar a percepção crítica da injustiça de maneira mais geral dentro das experiências negativas dos indivíduos de ter violadas suas amplas expectativas "morais". Nas experiências vividas de difamação e desrespeito, ele afirma, podemos ver claramente o que significa negar às pessoas o que elas merecem. No entanto, de forma importante, isso não pode ser deduzido do lado de fora. Sobretudo, a sensação de ser enganado surge no interior da experiência subjetiva dos indivíduos e encontra sua expressão, como afirmação moral, nas lutas sociais.
Segundo Honneth, embora algumas lutas sociais sejam conduzidas por conflitos de interesse pessoais sobre recursos, quando a ideologia da razão instrumentalista é minada, podemos ver essas lutas também dando expressão a reivindicações morais que podem servir de padrões normativos. De muitas maneiras, a abordagem de Honneth é portanto mais próxima da primeira geração do que as opiniões de Habermas, no sentido de que ele examina a experiência de ser submetido à dominação (especialmente no contexto do trabalho) para encontrar o núcleo normativo da crítica social.
É dessa história de lutas sociais que Honneth reconstrói os padrões normativos para a crítica social. A possibilidade de sentir, interpretar e perceber as próprias necessidades e desejos, em suma, a própria possibilidade de ser alguém depende crucialmente do desenvolvimento de autoconfiança, auto-respeito e auto-estima.
Esses três modos de se relacionar praticamente consigo mesmo podem ser adquiridos e mantidos apenas inter-subjetivamente, por meio de relacionamentos de reconhecimento mútuo. Esses relacionamentos não são dados aistoricamente, mas devem ser estabelecidos e expandidos por meio das lutas sociais. A "gramática" dessas lutas vem a ser "moral", no sentido de que os sentimentos de ultraje e indignação gerados pela rejeição de reivindicações ao reconhecimento implicam julgamentos normativos sobre a legitimidade dos arranjos sociais. Assim, no lugar do enfoque de Habermas nas relações não-distorcidas da comunicação revelando um padrão de justificação, Honneth se concentra na progressiva superação de barreiras para o pleno reconhecimento interpessoal, barreiras como a exclusão legal e a difamação cultural assim como o estupro e a tortura. Dessa forma, o ideal normativo de uma sociedade justa -o que Honneth, numa frase destinada a sintetizar o liberalismo e o comunitarismo, chama de "concepção formal da vida ética"- é empiricamente confirmado pelas lutas históricas por reconhecimento.
Os grupos sociais, portanto, não são apenas agentes de transformação social; eles também fornecem as condições necessárias para o florescimento humano. De certa maneira, essa afirmativa representa um ponto de continuidade com as gerações anteriores da Escola de Frankfurt, como o trabalho sobre experiências comunitárias de trabalhadores, as origens familiares da personalidade autoritária e a vida associativa central para uma esfera pública pujante.
Mas a crítica comunitária esquerdista de Honneth à fragmentação social toca um acorde que distingue essa geração, que viveu o período de declínio das fontes tradicionais de solidariedade e do "capital social". Baseando-se em temas encontrados nos primeiros textos de Hegel, Marx e Lukács, Honneth pretende manter vivo um sentido de "anticapitalismo romântico" contra o antipopulismo dominante do liberalismo de mercado -pelo menos no sentido de que a teoria crítica deve promover uma sensibilização ao devastador sofrimento pessoal causado pelas forças de mercado.
3) A idéia de promover uma certa "sensibilidade" já indica a importância das emoções na obra de Honneth, e isso chamou a atenção para o lugar do inconsciente e do extra-racional na vida humana.
Para Honneth, assim como para muitos de sua geração, essa atitude mais apreciativa para com o Outro da razão acompanha um engajamento mais apreciativo (embora ainda crítico) com filósofos franceses como Merleau-Ponty, Sartre, Foucault, Lyotard, Derrida e Levinas, mais apreciativos, particularmente, que Habermas. A atenção realçada em relação ao Outro também inclui um retorno à ênfase da primeira geração na psicanálise, nesse caso na obra de teóricos das relações dos objetos tais como Donald Winnicott e Daniel Stern.
Em seu trabalho desde "A Luta pelo Reconhecimento", Honneth estendeu sua visão normativa para captar de modo mais abrangente a dimensão estética da subjetividade e a base emocional da sensibilidade moral. Contra o enfoque mais exclusivo de Habermas na capacidade de autodeterminação do ego individual, Honneth enfatizou o poder criativo do inconsciente. Ecoando temas de Castoriadis e do conceito do não-idêntico de Adorno, assim como da "mudança ética" do pós-modernismo, Honneth tentou abrir espaço em sua teoria crítica da sociedade para vozes que foram silenciadas e marginalizadas, como o "Outro" da razão, ao mesmo tempo mantendo seu compromisso com a herança iluminista da razão emancipadora.
Olhando de maneira mais ampla para a terceira geração da Escola de Frankfurt, notamos em primeiro lugar que a consciência política dessa geração foi moldada por uma constelação de eventos diferentes dos que influenciaram as gerações anteriores. A geração original da Escola de Frankfurt amadureceu na luta para compreender a consciência não-revolucionária da maioria dos trabalhadores alemães (apesar de sua situação "objetivamente revolucionária") e, depois, como teóricos maduros, enfrentaram a descoberta dos crimes do nacional-socialismo contra a humanidade.
A segunda geração amadureceu diante das revelações das atrocidades nazistas e experimentou as transformações por volta de 1968 na condição de teóricos maduros. A terceira geração nasceu de 1968 e dos novos movimentos sociais da década de 70 e enfrentou na maturidade teórica a queda do Muro de Berlim, a ascensão da política da etnicidade e a aceleração da globalização.
Tomando Honneth como centro gravitacional dessa geração (pelo menos na Alemanha) e tendo em mente as advertências habituais, eu arriscaria a seguinte lista de membros da terceira geração da Escola de Frankfurt: Lutz Wingert, Josef Früchtl, Martin Löw-Beer e Rainer Forst (embora Forst provavelmente seja a principal figura da nascente quarta geração), alunos de Habermas; Hauke Brunkhorst, Micha Brumlik, Matthias Lutz-Bachmann e Gunzelin Schmid Nöerr, alunos de Alfred Schmidt; Christoph Menke e Martin Seel, alunos de Wellmer; Matthias Kettner e Wolfgang Kuhlmann, alunos de Apel; assim como Ulrich Beck, Helmut Dubiel, Günter Frankenberg, Klaus Günther, Hans Joas, Gertrud Koch, Ingeborg Maus, Herta Nagl-Docekal, Bernhard Peters e o já morto Hinrich Fink-Eiltel. Suas áreas de interesse de pesquisa podem ser consideradas desmembramentos nas mesmas linhas dos três temas identificados na discussão da obra de Honneth: (1) Com relação à análise do conflito social, a terceira geração enfocou questões envolvendo o desenvolvimento de novas formas de integração social, a sociedade civil, a solidariedade social e o pluralismo cosmopolita como contrapesos (ou "contrapúblicos") para as pressões desintegradoras das políticas neoliberais e a onda crescente do nacionalismo. Especialmente desde o final dos anos 80, essa geração tem sido bastante lida na teoria política americana (por exemplo, John Rawls e Ronald Dworkin), mas sua recepção dos atuais debates entre liberalismo e comunitarismo conduziu em direções diferentes, distintamente alemãs. A apropriação do liberalismo foi radicalizada como uma discussão de justiça internacional, em termos de direitos humanos, lei internacional e críticas à globalização capitalista. O comunitarismo teve maior aceitação entre os teóricos políticos progressistas dessa geração do que entre os teóricos críticos de língua inglesa, em parte devido à duradoura influência de Hegel, Simmel, Tönnies e do jovem Marx. A maior consciência dos temas da integração, identidade cultural e nacionalismo pode ter algo a ver com o fato de que, assim como a geração original da Escola de Frankfurt, mas diferentemente da segunda geração, vários membros da terceira geração são judeus. 2) Os membros dessa geração que enfocam questões de justificação normativa assumiram a tarefa de desenvolver a ética do discurso desenvolvida pelos teóricos da segunda geração e tipicamente se concentraram nas dimensões "mais confusas" de aplicação, justificação contextual, o papel das emoções, o debate sobre desenvolvimento moral e gênero, afirmações avaliativas sobre a boa vida e ética aplicada. O enfoque em direitos humanos e teoria democrática representa um novo desenvolvimento, que dá à lei um papel muito mais proeminente no desenvolvimento de bases normativas do que lhe concedia Habermas, pelo menos em suas obras escritas antes do aparecimento da terceira geração. 3) Finalmente, houve os que exploraram ainda mais o papel do "Outro" da razão, enfocando o potencial emancipador da experiência estética e inspirando-se amplamente na obra de Hegel e Adorno, mas muitas vezes em combinação com as de Nietzsche, Derrida, Lyotard, Foucault e outros. Além disso, Hans Joas aborda a questão de como acomodar na teoria social o momento criativo e inovador de impulso e iniciativas numa veia mais pragmática, baseando-se, como Honneth e Habermas, no conceito do "eu" e do "mim".


O interesse da terceira geração por questões de exclusão, marginalização, emoções e a condição do outro a levou na direção da filosofia francesa assim como dos estudos culturais e teoria política anglo-americanos


Constelação alemã
Talvez eu tenha divagado aqui ao identificar uma constelação de figuras alemãs -muitas das quais podem ser desconhecidas fora da Alemanha- que seguiram várias correntes da tradição tal como foi expandida pela segunda geração. Alguns têm elos mais estreitos que outros com a linhagem e as doutrinas centrais da primeira ou da segunda geração da Escola de Frankfurt. Mas o que eles compartilham é no mínimo uma abordagem da teoria crítica motivada, pelo menos em parte, pela oposição às formas perniciosas de abstração -incluindo abstrações bem-intencionadas que tornam a opressão invisível.
Motivados por preocupações que surgiram com a política de identidade dos anos 70 e sustentados por um compromisso (ainda limitado) com questões feministas e raciais/étnicas, membros dessa geração se concentram no fracasso do capitalismo liberal, segundo certas correntes da filosofia e ciência social contemporâneas, para acomodar diferenças e particularidades.
Dada a extensa trajetória da Escola de Frankfurt -e o grau a que seu âmbito foi ampliado por Habermas-, é difícil dizer que seus membros tenham compartilhado uma metodologia ou preocupação definidora. De fato, tanto Habermas quanto Honneth tendem a resistir ao rótulo "Escola de Frankfurt", já que ele dá a impressão enganosa de um programa de pesquisa contínuo.
Entretanto, afastando-se um pouco, é possível distinguir perguntas recorrentes que tendem a ser ignoradas fora dessa tradição da teoria social crítica: como devem ser os processos de socialização e integração social para que os indivíduos possam resistir às forças institucionais opressoras? Que forma de cultura de massa é compatível com a justiça social e a capacidade das sociedades de se autogovernarem? E quais são as alternativas -especialmente no campo do trabalho- para eliminar ou pelo menos controlar a dominação da racionalidade instrumental?
Essas são perguntas com as quais a terceira geração da Escola de Frankfurt continua envolvida. Seu interesse por questões de exclusão, marginalização, emoções e a condição do outro a levou na direção da filosofia francesa, assim como dos estudos culturais e teoria política anglo-americanos -da mesma forma que o interesse de Habermas pelas questões fundamentais da justificação normativa e da estrutura profunda da comunicação o levou à filosofia analítica. Sejam quais forem as influências das idéias francesas e anglo-americanas na segunda e terceira gerações da Escola de Frankfurt, e por mais que a teoria social crítica tenha deixado suas raízes germano-judaicas para ser uma tradição transnacional, está claro que a teoria social crítica alemã continua viva e saudável, morando em Frankfurt.

Joel Anderson é professor de filosofia na Universidade de Washington em St. Louis (Missouri, EUA). Este texto foi originalmente publicado na "Intellectual History Newsletter".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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