São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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A INSTITUIÇÃO EM ABERTO

Juliana Monachesi
free-lance para a Folha

Nós lemos tudo lá", atesta o crítico literário Roberto Schwarz. A Biblioteca Mário de Andrade, que foi palco de discussões e encontros da intelectualidade paulistana nas décadas de 40 a 60, reunindo figuras como o crítico Antonio Candido e a filósofa Marilena Chaui, caiu no esquecimento nas últimas décadas, consequência da omissão de sucessivas gestões municipais. Contudo está em curso um projeto de reforma e ampliação orçado em cerca de R$ 7 milhões que prevê, além da recuperação e adequação das instalações do edifício, a criação de espaços de sociabilidade. Idealizado pelo seu novo diretor, professor de filosofia política da Universidade Estadual Paulista e diretor-presidente da editora Unesp, José Castilho Marques Neto, o projeto pretende devolver o espaço a seus potenciais usuários. "Uma biblioteca ou é um pólo cultural ou é uma coisa informe que não presta serviço", afirma Marques Neto, que tomou posse em junho passado. Um exemplo disso foram as conferências que tiveram início em seu auditório há três meses, reunindo nomes importantes como as críticas Walnice Nogueira Galvão e Flora Süssekind. Denominado Colégio São Paulo, essas conferências devem se constituir em uma espécie de "universidade aberta" -que oferece cursos livres, seminários e debates para um público amplo-, buscando recuperar sua origem de centro formador e difusor cultural. Neste mês está acontecendo o ciclo "Civilização e Barbárie", previsto para terminar na próxima quinta-feira e que já reuniu nomes como o sociólogo Gabriel Cohn e a professora de filosofia da USP Olgária Matos.

Planos frustrados de torres gêmeas
Fundada em 1925, chamava-se originalmente Biblioteca Municipal de São Paulo e se localizava na rua Sete de Abril, no centro da cidade.
Em 1942, transferiu-se para o novo edifício, projetado por Rubens Borba de Moraes (1899-1986), então seu diretor. No ano seguinte tomaria posse à frente da instituição o crítico e artista plástico Sérgio Milliet (1898-1966), que ficaria até 1951. Milliet incrementou o acervo de artes plásticas, além de ter agregado em torno da instituição a jovem e promissora intelectualidade paulistana [leia quadro na pág. 11".
Mas o edifício da rua da Consolação, 94, já nasceu precisando de reformas, pois foi projetado com capacidade para 500 mil volumes. Hoje seu acervo é estimado em 350 mil livros, 11 mil títulos de periódicos e 1 milhão de documentos (entre mapas, manuscritos, cartas, fotos, obras sobre papel etc). Segundo o projeto original, deveria haver não uma, mas duas torres de 22 andares para abrigar a coleção.
Devido às condições precárias de armazenamento e conservação, o acervo da biblioteca foi vítima de sucessivos furtos. Nos anos 70, parte dos volumes foi transferida para o Centro Cultural São Paulo, e outro lote foi para a Biblioteca Circulante, hoje na rua da Consolação. O descaso trouxe também problemas sérios de manutenção, mas, para Marques Neto, a instituição está comprometida hoje não só do ponto de vista das instalações, mas também do acervo e recursos humanos.
Estão programadas obras emergenciais que incluem recuperação das instalações elétricas e hidráulicas, conclusão dos sistemas de ar-condicionado (que regula não apenas a temperatura do ambiente, mas também a umidade, servindo para conservar o acervo e mantê-lo esterilizado) e prevenção contra incêndio. Em seguida, estão previstas a ampliação das instalações e, finalmente, a mudança de estatuto. Segundo seu diretor 12 projetos foram encaminhados à divisão da Secretaria de Cultura, responsável pela instituição, e à Câmara Municipal (projetos que envolvem mudanças estatutárias).
As mudanças legais visam à continuidade da revitalização. "Não teremos condição de terminar a reforma em dois anos e meio de mandato, por isso se faz necessário um planejamento estratégico a longo prazo", afirma Marques Neto. Um dos projetos que tramita na Câmara é o de transformar a biblioteca em uma autarquia municipal (atualmente, está subordinada ao Departamento de Bibliotecas Públicas), para ganhar mais autonomia (como, por exemplo, autogerenciamento) e ficar um pouco mais a salvo de ingerências políticas.


Projeto busca revitalizar acervo e instalações da Biblioteca Mário de Andrade e recuperar o papel de centro difusor que a instituição teve em SP entre os anos 40 e 60


Outra estratégia para garantir a recuperação da mais importante biblioteca pública de São Paulo é a criação de uma "sociedade de amigos", que pretende incluir em seus quadros empresários, reitores, intelectuais, além dos principais jornais e revistas da capital.

Do desempregado ao especialista
Segundo seu diretor, o público que frequenta a biblioteca é amplo, desde o desempregado que vai ler os classificados dos jornais ao especialista que vem da Itália para pesquisar mapas do século 14. A revitalização pretende fazer com que maior número de leitores se reaproprie do espaço "antes que vire um mausoléu esquecido", diz Marques Neto. "Apesar do estado de deterioração em que a biblioteca se encontra, em diversos aspectos ela não perdeu o perfil de coisa pública, nunca deixou de abranger todas as camadas sociais."
Quanto ao acervo, ele "tem que ser melhor configurado, porque o grosso das aquisições foi feito nos anos 60", explica. Embora a pesquisa de títulos na Mário de Andrade ainda seja feita por meio de fichários, a informatização começou há um mês e um inventário da coleção está em curso, já que nem sempre se faziam atualizações das novas aquisições.
Resta saber que tesouros poderão surgir das aquisições artísticas de Sérgio Milliet (que dá nome à Sala de Artes da biblioteca, com cerca de 40 mil títulos de referência sobre o assunto) ou da seção de obras raras, que conta hoje 40 mil obras.


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