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Ponto de fuga
A raposa azul
Jorge Coli
especial para a Folha
Perceber o expressionismo dentro de
uma dimensão "clássica" pode parecer
um absurdo. A própria palavra expressão, que traz consigo princípios de força e subjetividade, a própria história do
movimento, situada num momento de
crises sociais e políticas muito graves,
feita de escândalos e de perseguições
políticas, negam qualquer idéia de
equilíbrio, de prazer sereno, que classicismo contém forçosamente.
Alguns exemplos célebres: "O Grito",
de Munch (1863-1944), toda a obra de
Ensor (1860-1949), de Otto Dix (1891-1969), de George Grosz (1893-1959) são
explosões de angústia exacerbada e violenta. O expressionismo emerge como
um desenvolvimento extremo das tempestades espirituais inauguradas na
época romântica.
Entretanto ele não é apenas isso. A
grande e bela mostra "O Expressionismo Alemão", trazendo obras significativas do museu Van der Heydt, de
Wuppertal, faz prova do contrário. Demonstra que o expressionismo possui
uma face serena, proporcionada, luminosa, se entregando ao prazer intenso
de cores lindas e vivas, bem dispostas
em equilíbrio. Força e energia estão
quase sempre presentes, mas contidas
no jogo estrito das composições. As estruturas podem ser tensas, mas não se
rompem nunca e, por isso mesmo,
constroem. O quadro "A Raposa Negro-Azulada", de Franz Marc (1880-1916), obra-prima absoluta, é um esplendor, no seu acorde harmônico de
tons e de formas, na captação elegante
da pose. Ele manda às favas os termos
classificatórios e dá o tom para a grande
maioria das outras obras, que encontraram, cada qual à sua maneira, uma
felicidade apolínea.
Paredes - A mostra do museu Van
der Heydt esteve no Rio, nas salas do
Paço Imperial. Ela vem agora para São
Paulo, no Museu de Arte Moderna
(MAM), e apresenta, além dessa parte
mais importante, um apêndice exclusivo no Museu Lasar Segall. A curadoria
é alemã, completada por um setor brasileiro, com obras de Segall (1891-1957),
Oswaldo Goeldi (1895-1961) e Lívio
Abramo (1903-1992). São exposições
cuidadas, mas individuais, uma para
cada artista: perdeu-se a oportunidade
de um jogo comparativo que seria muito fecundo e que poderia dialogar também com os mestres vindos de fora.
Espírito - As obras do grupo Support(s)-Surface(s), expostas primeiro
no MAM-SP, seguiram para o Centro
Cultural Banco do Brasil, no Rio. Em
São Paulo, elas se beneficiaram da neutralidade dos espaços daquele museu,
de uma iluminação homogênea, que
reduzia as obras à sua substância: matérias, texturas, marcas de gestos, comportamentos cromáticos reduzidos. No
Rio, tiveram um tratamento suntuoso
de "obras de arte". Penumbras, holofotes (às vezes coloridos, para combinar
com os tons dos objetos). Tudo chique.
Mas perdeu-se, pela eloquência da encenação, a experiência imediata, a singularidade simples, artesanal, que confere sentido àquelas obras.
Tela - O Festival de Cinema do Rio de
Janeiro é uma bem-aventurança. A
vontade é de estar lá, de tudo ver, e fica
uma ponta de despeito quando isso
não é possível. Bastaria a retrospectiva
John Waters para fazer cócegas de ir, de
não sair das salas. Há os grandes nomes: Clint Eastwood, Peter Greenaway
e outros. E há as descobertas, os filmes
mais discretos, pequenas vibrações que
permanecem na memória.
É assim o "Estranhas Vozes", do britânico Simon Cellan Jones, que tem o
sentido "antropológico" dos ambientes
e da mistura entre drama e humor, explorando os limites da loucura no cotidiano. "Fast Food, Fast Women", fita
americana de Amos Kollek, embaça a
fronteira entre real e imaginário para
contar, de maneira comovida, histórias
de desejo e de amor, fazendo cruzar
meios sociais e incorporando, em sua
órbita, a fragilidade da velhice. Há ainda, eufórico, suntuoso, o inglês "Topsy-Turvy", de Mike Leigh. Ele põe em cena, com entusiasmo, Gilbert e Sullivan,
os dois inenarráveis autores de operetas gozadíssimas. Um maravilhoso filme "de época", como poucos o são.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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