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Ponto de Fuga
Sobre camarões e astronautas
No filme "Distrito 9", o diretor Neill Blomkamp desarranja as regras: os alienígenas não trazem nenhuma lição de sabedoria para a humanidade nem projetos agressivos
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
O encontro com discos
voadores ou seres de
outros planetas sempre
se faz em lugares solitários,
místicos e propícios às grandes
comunhões. "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", de
Steven Spielberg, termina-se
com o ritual no deserto, noturno e misterioso. Ali, a comunicação se espiritualiza nas notas
musicais.
No filme "Distrito 9", o diretor Neill Blomkamp vira tudo
pelo avesso e desarranja as regras. Uma astronave se imobiliza sobre Johannesburgo, na
África do Sul. Dentro, alienígenas. Não trazem nenhuma lição de sabedoria para a humanidade nem projetos agressivos, destinados a conquistar o
planeta.
São pobres camarões mais
ou menos da altura de um homem, morrendo de fome e esgotamento. Serão confinados
num distrito que vira uma favela imunda.
O diretor mostra, ao invés da
cerimônia solene, a banalização. Uma grande ideia, que toma corpo com a escolha do estilo documentário, "cinéma vérité". O tom é a trivialidade do
jornalismo. Por aí se insinuam
ironia e humor, o que não destrói a dramática condição dos
imigrantes vindos do espaço.
Todas as referências, inúmeras, que pipocam na cabeça do
espectador (de "A Mosca" a
"Vampiros de Almas" ou "A
Guerra das Salamandras", de
"O Dia em Que a Terra Parou"
ou "A Guerra dos Mundos" a...
"Cidade de Deus") vão sendo,
uma por uma, desmontadas:
"Distrito 9" serve-se dos lugares-comuns como trampolins
para o inesperado.
No finalzinho, inocula uma
pequena dose de sentimentalismo, bastante apenas para
que paire uma cumplicidade
simpática e divertida.
A seriedade do propósito
afirma-se pelo paralelismo
com as circunstâncias reais em
que os imigrantes pobres são
tratados hoje pelos países ricos, pelas diversas segregações,
como as que existem na própria África do Sul. "Distrito 9" é
um conto filosófico, uma fábula moral.
Zorro
Limber Vilorio, artista de
Santo Domingo (República Dominicana), tem espírito criador
irrequieto, perpassado por associações fulgurantes. Sua imaginação ultrapassa as intenções
críticas que ele possui.
Vilorio veste carrinhos de
brinquedo com uma pele de silicone, cheia de pontas, como as
desses brinquedinhos para gatos e cachorros. Recobre uma
carroceria de BMW com 210
mil cápsulas de balas. Faz isso
também com capacetes e
pneus.
Metamorfoseia bonecos de
metal, que as oficinas mecânicas especializadas em escapamentos expõem como chamariz. Chama-os de "hombres-muffler", homens-silenciosos
(silencioso dos escapamentos,
entende-se).
Veste-os, põe neles pinças de
lagosta ou recobre-os de escamas; diverte-se com todas as
variações possíveis.
É um fino desenhista. Ele
traça sobre o papel astronautas
com olhar ausente, sobre os
quais dispõe uma placa de vidro. Com silicone, aqui e ali,
cria aspectos de água ou fixa
objetos diversos.
Pode também quebrar essas
placas, criando ramificações
como as provocadas pelo impacto de bala num para-brisa.
Elas recobrem os rostos como
uma teia de aranha ou como o
esquema de um mapa urbano.
Formam a série dos "Afogados", tão melancólicos.
Feijoada
No cinema de um shopping
de Santo Domingo, "Estômago", de Marcos Jorge, é projetado há semanas. Sala cheia. O filme, brilhante, é digno desse sucesso.
Devoração
Pode ser, deve ser, a mais pura coincidência. A cena antropofágica de "Estômago" é bem
parecida com o primeiro episódio de "O Toque da Morte"
("Quando Alice Ruppe lo Specchio", Lucio Fulci, 1988). Caso
não seja, Marcos Jorge soube
escolher um grande mestre.
jorgecoli@uol.com.br
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