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Um jantar com Darwin
NUM DIÁLOGO FANTASIOSO, UM GENETICISTA, UM BIÓLOGO, UM HISTORIADOR DA CIÊNCIA E UM JORNALISTA TIRAM DÚVIDAS COM O NATURALISTA INGLÊS SOBRE EVOLUÇÃO, FÉ E CRIACIONISMO
Darwin acreditava que uma inteligência criadora
poderia ter estabelecido as leis da natureza
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CASPAR MELVILLE
Para o 200º aniversário de nascimento de
Darwin e o 150º aniversário de publicação de "A Origem das
Espécies", a revista "New Humanist" perguntou a quatro comentaristas o que gostariam de
conversar com o naturalista inglês em um jantar.
PERGUNTA - O que os senhores diriam a Darwin?
STEVE JONES - Contaria que
aquilo que o derrotou durante
toda a vida, o mecanismo da hereditariedade, foi resolvido e
não destruiu sua teoria. Pelo
contrário: deu-lhe sustentação.
Darwin era um artigo raro: um
cientista honesto.
Quando escreveu "A Origem
das Espécies", recebeu de um
engenheiro escocês chamado
Fleeming Jenkin uma carta
contendo o que Darwin imaginava que pudesse ser uma
questão absolutamente fatal.
Ele pensava que a hereditariedade funcionasse por meio
da mistura de uma média dos
sangues dos pais.
Nesse caso, questionou Jenkin, se houvesse no sangue um
traço vantajoso de caráter, como é que ele seria transmitido?
Não terminaria completamente diluído?
Darwin percebeu imediatamente que essa objeção era fatal para sua teoria.
Mas estava trabalhando com
a substância errada -o sangue.
A hereditariedade não se baseia
em líquidos, como ele imaginava, mas em partículas: os genes.
A genética dá razão a Darwin.
É claro que a descoberta cabe
a Mendel [1822-84], em trabalho que foi enviado a Darwin,
mas que este nunca leu.
JOHN VON WYHE - Eu teria de lhe
contar sobre a maneira como a
história de sua vida evoluiu ao
longo dos anos.
Inicialmente era o grande
santo científico que baniu a religião do reino da ciência; depois, se tornou um títere freudiano reagindo a um pai supostamente tirânico (e assim, com
sua teoria da evolução, "matando Deus" como uma forma de
patricídio).
Posteriormente, se tornaria
o cientista que descobriu a evolução nas ilhas Galápagos em
um momento de brilhantismo
intuitivo ao observar os bicos
dos tentilhões.
Ainda mais tarde, teria supostamente postergado a publicação da teoria por 20 anos,
porque tinha medo das consequências de divulgá-la.
JERRY COYNE - Contaria sobre os
espantosos fósseis que foram
descobertos desde que "A Origem" foi publicado: formas
transicionais que conectam
grandes grupos como os répteis
aos mamíferos, animais terrestres a baleias, peixes a anfíbios.
Esses fósseis oferecem ainda
mais sustentação ao conceito
de evolução, provas de que Darwin jamais dispôs, ainda que
previsse que fósseis transicionais existissem.
Seu maior interesse talvez
fosse o grupo de fósseis hominídeos encontrados na África,
com datação de 6 milhões de
anos.
Eles claramente demonstram que descendemos dos macacos e confirmam de forma integral a contida previsão que
Darwin fez em 1871, afirmando
que "parece ligeiramente mais
provável que nossos primeiros
ancestrais tenham vivido no
continente africano".
JAMES RANDERSON - O professor
Jones dirá a Darwin tudo sobre
os genes; eu iria um passo além
e lhe contaria sobre o DNA.
O mais interessante para ele,
creio, seria a universalidade
(com algumas pequenas exceções) do DNA em todos os reinos da vida -das bactérias aos
elefantes. Essa importante prova sustenta o conceito da origem comum para toda a vida,
que ele defendia.
É notável que Darwin tenha
obtido sucesso com sua teoria
ainda que não compreendesse
plenamente o mecanismo da
herança genética.
PERGUNTA - O que os senhores lhe
perguntariam?
JONES - Perguntaria que doença ele supunha ter. Há discussões infinitas sobre isso. Ele jamais tratou disso, ainda que fale sem parar sobre os sintomas.
A alegação padrão é a de que
sofria da doença de Chagas,
transmitida por insetos sugadores de sangue mortíferos na
América do Sul.
Mas, se considerarmos os
sintomas -inchaço, vômito
etc.-, eles não se enquadram. E
a doença surgiu de modo muito
repentino, antes que embarcasse no Beagle. Com isso
emergiu essa ideia muito idiota
de que se tratava de um conflito
psicológico, o que parece altamente improvável.
Minha teoria é a de que talvez
estivesse sofrendo de uma úlcera. A medicina não seria capaz de diagnosticá-la então.
VON WYHE - Perguntaria sobre a
maneira como ele começou a
aceitar a evolução. Essa é realmente a grande pergunta que
falta responder, e há pouco em
que nos possamos basear.
Apenas um correspondente
parece lhe ter perguntado se ele
já acreditava em evolução durante a viagem do Beagle.
Darwin respondeu que, até
onde se lembrava, ainda acreditava que as espécies fossem fixas, mas que vagas dúvidas lhe
surgiam à mente ocasionalmente.
COYNE - Faria uma pergunta
que preocupa os estudiosos de
Darwin há décadas.
É sabido que Darwin e Alfred
Russell Wallace apresentaram
a teoria da evolução por seleção
natural mais ou menos ao mesmo tempo. Darwin descobriu
suas ideias paralelas quando
Wallace lhe enviou uma carta e
um ensaio, da Indonésia, pedindo-lhe a opinião.
O material incomodou Darwin, que queria se comportar
como cavalheiro diante de uma
descoberta simultânea, mas
também queria o crédito por
uma teoria que estava gestando
havia 20 anos.
Suas teorias foram lidas juntas, perante a Sociedade Lineana de Londres, em 1º de julho
de 1858, e publicadas uma em
sucessão à outra na revista da
organização.
Darwin escreveu ao amigo
Charles Lyell, em 18 de junho
de 1858, dizendo ter recebido a
carta e o ensaio de Wallace naquele dia. Os documentos de
Wallace, no entanto, desapareceram da correspondência de
Darwin.
Os estudiosos que pesquisaram os cronogramas das viagens dos navios postais da época sugeriram, com bons fundamentos, que Darwin, na verdade, recebeu os escritos de Wallace em maio -e não em meados de junho- de 1858.
Isso significa que Darwin pode ter tido um mês todo para
considerar a coincidência e
descobrir como agir a respeito.
Alguns historiadores sugeriram que Darwin empregou esse tempo para roubar as ideias
de Wallace e que "A Origem das
Espécies", publicado em 1859,
não é de todo original.
Isso é quase certamente bobagem, mas a questão da datação ainda não foi resolvida.
RANDERSON - Perguntaria sobre
sua fé, ou falta de fé, pessoal.
Talvez surpreendentemente
para um homem cujas grandes
obras fizeram mais do que
quaisquer outros trabalhos
científicos para desafiar a religião, é difícil depreender, com
base em suas cartas e escritos, o
que ele realmente pensava sobre Deus.
As pessoas costumavam escrever sempre perguntando
que efeito sua teoria teria sobre
a fé que elas defendiam.
Ele sempre respondia de forma sucinta e cortês, sem se estender muito a respeito da
questão. Uma dessas respostas,
em 1866, estipulava que "minha opinião não vale mais do
que a de qualquer outro homem que tenha refletido sobre
o assunto".
Sua mulher, Emma, era profundamente religiosa e escreveu sobre um "vazio penoso"
que poderia surgir entre eles
devido às dúvidas de Darwin
quanto à religião.
Em 1879, escreveu a seu amigo John Fordyce dizendo que
"em minhas mais extremas flutuações, nunca fui ateu no sentido de negar a existência de
um Deus".
"Creio que em termos gerais,
e cada vez mais à medida que
envelheço, a palavra "agnóstico"
seria a mais correta descrição
do meu estado mental."
PERGUNTA - Que livro lhe dariam?
JONES - "Middlemarch" [ed.
Record]. George Eliot [1819-80] dramatiza a tensão entre os
novos cientistas céticos e os
crentes, exatamente o mundo
de que proveio Darwin.
VON WYHE - "Armas, Germes e
Aço", de Jared Diamond [ed.
Record]. Ele ficaria fascinado
pela reconstrução do passado
humano de forma tão detalhada, realizada por meio de uma
síntese das descobertas de tantos campos de estudo, ao longo
de tantos anos.
COYNE - Não quero fazer autopromoção, mas lhe daria uma
cópia de "Speciation" [Especiação], um resumo sobre a origem das espécies que fiz com
Allen Orr.
Escreveria, na dedicatória,
"com respeito e afeto. Espero
que aprecie este livro que escrevi sobre a origem das espécies. Não vendeu tão bem quanto o seu".
RANDERSON - "Narrow Roads of
Gene Land" [Estradas Estreitas
da Terra dos Genes], de William Hamilton. É o grande biólogo evolutivo do século 20, por
seu elegante trabalho para explicar como o egoísmo em nível
genético pode resultar em cooperação nos níveis individual e
de grupo.
PERGUNTA - Que filmes exibiriam
para ele?
JONES - "Life on Earth" [A Vida
na Terra, série documental], de
David Attenborough.
VON WYHE - O mesmo filme.
Por isso, o sr. Darwin ficaria
com duas cópias.
COYNE - "O Dorminhoco", de
Woody Allen. Além de ajudar
Darwin a enfrentar a situação
(como diria Kurt Vonnegut) de
estar "descolado do tempo", o
filme mostra muitas situações
vitais, como a guerra nuclear, a
clonagem e o humor judaico.
RANDERSON - "Guerra nas Estrelas". Talvez o cérebro do
grande homem precisasse de
algum tempo para repouso.
PERGUNTA - O que ele acharia do
fato de que suas ideias continuam
sendo atacadas, por adeptos do criacionismo e do design inteligente?
JONES - Provavelmente não se
interessaria por isso. À época,
suas teorias foram amplamente aceitas, mesmo pela igreja.
VON WYHE - Teria considerado
que as pessoas que não são trabalhadores da ciência não merecem atenção quanto a questões referentes à natureza e à
maneira como ela funciona.
Mas, em um sentido bastante
limitado, Darwin acreditava na
teoria do design. Acreditava
que uma inteligência criadora
poderia ter estabelecido as leis
da natureza, as quais a ciência é
capaz de descobrir.
COYNE - Talvez ficasse um pouco frustrado por, depois de 150
anos de provas acumuladas em
confirmação do darwinismo,
algumas pessoas religiosas ainda se recusarem a aceitar suas
ideias.
Quanto ao argumento do design inteligente, a posição de
Darwin é famosa: "A ignorância
gera confiança mais do que conhecimento; são aqueles que
pouco sabem, e não os que sabem muito, que asseveram com
tamanha certeza que tal ou
qual problema jamais será resolvido pela ciência".
RANDERSON - Não seria grande
surpresa. Darwin compreendia
a dificuldade que suas ideias
apresentavam para alguém que
acreditasse em um Deus em
forma de pessoa, que criou o
universo.
Contudo provavelmente se
admiraria por tanta gente, no
país tecnologicamente mais
avançado e mais informado em
termos científicos do planeta,
os EUA, rejeitar com tamanha
veemência sua teoria.
A íntegra deste texto saiu na "New Humanist".
Tradução de Paulo Migliacci.
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