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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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PONTO DE FUGA

O grande músico

Marcio Fernandes - 28.mai.2002/Folha Imagem
O pianista Pablo Rossi, 13, durante ensaio na Sala São Paulo


A leitura, hoje, de dois artigos que Mário de Andrade escreveu sobre Henrique Oswald deixa uma sensação um pouco dolorida. Um data de 1928, outro, de 1931, período quando o autor de "Macunaíma" formulava, da maneira mais plena e militante, um projeto nacional para o Brasil. Mário de Andrade escreveu, com todas as letras, que Henrique Oswald era um inimigo. Reconhecia no músico seu gênio e um saber sem falhas. Mas Henrique Oswald não quis, ou não pôde, dissolver-se na idéia de Brasil que Mário de Andrade imaginava histórica, necessária e verdadeira.
Por um lado, é aflitivo perceber, nesses textos, o quanto Mário de Andrade admira Henrique Oswald, pelas análises fascinadas que fez de suas obras, e o sacrifício que se impõe ao recusá-las em nome de um projeto intransigente e fictício. Por outro, é triste constatar o quanto Oswald foi ocultado e esquecido em nome de um nacionalismo musical, e o quanto ele era grande. Não faz muito tempo que intérpretes e musicólogos o redescobrem.
Um CD recente, editado pela revista "Concerto", pela USP e pelo selo belga De Rode Pomp, confirma essa grandeza, com obras que deveriam ser presença constante nas salas de concertos brasileiras e que, se divulgadas, seduziriam intérpretes e platéias internacionais. O disco é um esplendor. Nele, o Quarteto Rubio e o pianista José Eduardo Martins inebriam com suas belezas sonoras. Pena que não esteja no comércio. Mas a revista "Concerto" dá informações a respeito no telefone 0/xx/ 11/5535-5518.

Bíblia - "Oneguér Oneguér", diziam os críticos franceses (e alguns o dizem ainda), fazendo um trocadilho com o nome do compositor franco-suíço Honegger. Dita em voz alta, a frase "On n'est guère Honegger" parece repetir duas vezes o nome do compositor, e significa, mais ou menos, "não gostamos muito de Honegger".
Depois de grande sucesso na primeira metade do século 20, sua música passou a ser um pouco desdenhada, porque não parecia bastante moderna nem muito "profunda".
A interpretação de seu oratório "Le Roi David", que abriu a temporada da Osesp, em São Paulo, varreu para longe qualquer dúvida possível sobre a qualidade de sua invenção musical. Nessa composição, onde se misturam a palavra falada de um narrador e de uma feiticeira, o canto de duas vozes femininas e de um tenor, massas corais e instrumentais, Honegger traçou a epopéia heróica e espiritual do povo judeu, de David a Salomão, num afresco de estrutura rigorosa, mas de cores intensas. Os solistas deram, todos, a mais justa e bela interpretação de suas partes; as duas cantoras, Chistine Buffle e Brigitte Balleys, ambas suíças, faziam arrepiar a pele com seus solos e duetos; orquestra e coro, impecáveis, entregaram-se a uma exaltação contagiante.

Precoce - O menino Pablo Rossi, de Santa Catarina, é pianista. Hoje está com 13 anos. Aos 11, já havia gravado um CD. É um regalo ouvir sua interpretação da sonata em ré maior de Haydn ou das "Cenas Infantis", de Schumann. Seu domínio da técnica no piano é impecável, o que já faria dele um prodígio.
Possui, além disso, som muito rico e intuição musical que lhe permite um sentido poético sincero e afasta qualquer efeito hábil e fácil.

Velhos sons - A palavra sacabuxa não deve dizer grande coisa a muita gente, nem os nomes de Scheidt, Falconiero ou Tarquinio Merula. Sacabuxa é um antigo instrumento de sopro, do qual o trombone deriva. Em francês, é "sacqueboute", e dele vem o nome de um grupo notável, "Les Sacqueboutiers de Toulouse", que toca a música dos séculos 16 e 17, descobrindo ou pondo em evidência compositores raros e magistrais. Seus vários discos já obtiveram muitos prêmios. Agora, com o solista Michel Bequet, reuniu, num CD patrocinado pela prefeitura de Toulouse (França), algumas peças. Elas são surpreendentes pela invenção, pela virtuosidade exigente, cuja vida depende da beleza fora do comum, poderosa e suave, própria aos timbres daqueles instrumentos antigos.

Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br



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