São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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Contos femininos e cruéis

Esperança e desespero marcam as narrativas de "A Fêmea da Espécie", de Carol Oates

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma menina quer impressionar a mãe e os seus convidados e resolve levar no colo o seu irmãozinho, um bebê, até uma torre, para que, lá do alto, todos possam vê-la e se admirar. Sobe cada vez mais e é cada vez mais difícil lidar com o peso e com o desequilíbrio provocado por ele e pelos locais que precisa atravessar. Ninguém a viu ainda...
Uma outra garota, dessa vez com um irmão mais velho, se assusta com os barulhos estranhos de sua casa e sente falta do pai que desapareceu. Logo ficamos sabendo que, na verdade, ele foi assassinado, de modo muito violento. E a mãe, que se livrara do marido horrível, está cada vez mais parecida com ele...
Joyce Carol Oates ficou muito tempo esquecida pelas editoras brasileiras. Nos últimos anos, contudo, alguns de seus livros têm sido traduzidos por aqui. "Blonde", um "romance biográfico" (se tal categoria é possível) a respeito de Marilyn Monroe, publicado em 2003 pela ed. Globo, foi o que provocou maior repercussão.
Agora, acaba de ser lançado "A Fêmea da Espécie", volume que reúne nove contos em que se misturam, com cargas variáveis, presenças femininas marcantes, crueldade, desespero e alguma esperança.
Sempre lembrada como ganhadora possível do Prêmio Nobel, Oates se vale de uma imaginação forte para conceber as narrativas, mas peca por passagens exageradamente afetadas, que se repetem com insistência sem aparentes ganhos estilísticos, como no seguinte trecho extraído de "Anjo da Piedade" -de resto uma das peças mais fortes do conjunto.

"Deuses traidores"
Ela trata dos atos, em dois momentos no tempo, de duas enfermeiras do mesmo hospital decididas a ajudar, de formas não-tradicionais, seus pacientes: "Na Cidade dos Condenados, reinam os deuses Derrame & Tumor. São deuses traidores. Muitos pacientes são incontinentes (R- se pergunta: o contrário de incontinente é continente? O que significam palavras assim!)".
No final das contas, ao contrário do que se poderia imaginar, talvez uma das forças do livro seja enfatizar não o primeiro termo do seu título, a "fêmea", mas sim o segundo, a "espécie", ao qual ele está, de modo não tão óbvio assim, indissociavelmente ligado. É aí, longe de qualquer feminismo (ou machismo) -e mais longe ainda de qualquer enobrecimento da ordem que se queira pensar-, que todos e todas se encontram nestes textos.
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.


A FÊMEA DA ESPÉCIE
Autora:
Joyce Carol Oates
Editora: Record (tel. 0/xx/21/ 2585-2000)
Quanto: R$ 30 (256 págs.)



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