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Contos femininos e cruéis
Esperança e desespero marcam as narrativas de "A Fêmea da Espécie", de Carol Oates
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Uma menina quer
impressionar a
mãe e os seus convidados e resolve
levar no colo o seu
irmãozinho, um bebê, até uma
torre, para que, lá do alto, todos
possam vê-la e se admirar. Sobe cada vez mais e é cada vez
mais difícil lidar com o peso e
com o desequilíbrio provocado
por ele e pelos locais que precisa atravessar. Ninguém a viu
ainda...
Uma outra garota, dessa vez
com um irmão mais velho, se
assusta com os barulhos estranhos de sua casa e sente falta
do pai que desapareceu.
Logo ficamos sabendo que,
na verdade, ele foi assassinado,
de modo muito violento. E a
mãe, que se livrara do marido
horrível, está cada vez mais parecida com ele...
Joyce Carol Oates ficou muito tempo esquecida pelas editoras brasileiras. Nos últimos
anos, contudo, alguns de seus
livros têm sido traduzidos por
aqui. "Blonde", um "romance
biográfico" (se tal categoria é
possível) a respeito de Marilyn
Monroe, publicado em 2003
pela ed. Globo, foi o que provocou maior repercussão.
Agora, acaba de ser lançado
"A Fêmea da Espécie", volume
que reúne nove contos em que
se misturam, com cargas variáveis, presenças femininas marcantes, crueldade, desespero e
alguma esperança.
Sempre lembrada como ganhadora possível do Prêmio
Nobel, Oates se vale de uma
imaginação forte para conceber as narrativas, mas peca por
passagens exageradamente
afetadas, que se repetem com
insistência sem aparentes ganhos estilísticos, como no seguinte trecho extraído de "Anjo
da Piedade" -de resto uma das
peças mais fortes do conjunto.
"Deuses traidores"
Ela trata dos atos, em dois
momentos no tempo, de duas
enfermeiras do mesmo hospital decididas a ajudar, de formas não-tradicionais, seus pacientes: "Na Cidade dos Condenados, reinam os deuses Derrame & Tumor. São deuses traidores. Muitos pacientes são incontinentes (R- se pergunta: o
contrário de incontinente é
continente? O que significam
palavras assim!)".
No final das contas, ao contrário do que se poderia imaginar, talvez uma das forças do livro seja enfatizar não o primeiro termo do seu título, a "fêmea", mas sim o segundo, a "espécie", ao qual ele está, de modo não tão óbvio assim, indissociavelmente ligado.
É aí, longe de qualquer feminismo (ou machismo) -e mais
longe ainda de qualquer enobrecimento da ordem que se
queira pensar-, que todos e todas se encontram nestes textos.
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades
(EACH) da USP.
A FÊMEA DA ESPÉCIE
Autora: Joyce Carol Oates
Editora: Record (tel. 0/xx/21/ 2585-2000)
Quanto: R$ 30 (256 págs.)
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