São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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Técnicas de masturbação entre Batman e Robin

Leia abaixo trechos do livro de Efraim Medina Reyes

"Tinha pouco contato com aquela gente, na verdade ninguém me dirigia a palavra (tampouco os via falar entre eles). Para mim era estranho (em Cidade Imóvel a única coisa que se mexe são as línguas), mas propício. Não queria complicações com fofocas de inquilinos. As cartas de Marianne continuavam chegando, cada vez a entendia menos. (... Voltei para o piano, talvez dê um concerto com Melão e outros músicos pós-modernistas. Você pode conseguir alguma coisa grande só se destruir o Deus Arte-Amor). Pensei em escrever de volta e depois decidi que ela, o açougueiro e suas presunções de artistas podiam ir para o inferno.
Estava maltratado, mas escrevia com vontade (isso sempre foi um bom augúrio), a onda de crimes continuava de vento em popa, na rua todos se olhavam com receio. Ao voltar do trabalho e da escola, as famílias se cumprimentavam: voltar vivo para casa tinha virado uma façanha.
Na verdade, não estava certo de que aqueles trechos vagamente relacionados fossem um romance, mas pelo menos não cabiam no modelo clássico do anti-romance. Meu desejo era fazer uma história fragmentada em mil pedaços (um quebra-cabeça minimalista de idéias, histórias, diálogos de supermercado, publicidade etc.): uma desordem medida e eficaz. Debrucei-me na janela: a última bomba tinha estourado havia menos de uma hora, a casa estremeceu e os vidros de todas as janelas saltaram em cacos. A menina de 15 anos suicida e sua mãe correram rua abaixo, seguidas de perto pela cadeira de rodas. Agora tudo parecia calmo."
 
"Nem sempre uma ejaculação (dormindo ou acordado) tem origem sexual. Eu, por exemplo, fico excitado com a letra A e tive sonhos úmidos por causa dela: me vejo penetrando-a, a luxúria a transforma num V, suas longas extremidades me apertam. Digo para ela ficar de barriga para baixo e já é um ardente W e então a imagem se dissolve e sobra o A numa placa de rua (será que isso é um pecado horrível?). A fobia de Deus pelas secreções é evidente: nos fez de um impessoal monte de barro, fez a mulher de um osso e para engendrar seu único filho optou por um asséptico e frio sopro espiritual. De qualquer modo, opino que levantar às 3h16 da madrugada para lavar um lençol já é castigo suficiente, não precisa ainda por cima jogar-lhe um conflito teológico."
 
"Depois de tantas carícias o que fica é uma cova, um grito encerrado para sempre. O sexo borbulha como um copo cheio de ácido. O final de uma aventura traz desolação, de boca em boca você se perdeu, meu coração, e agora tem um anseio, e agora você é tão abstrato que ninguém saberá o que fazer com você, e, diabos!, isso dói (desculpe falar comigo mesmo na sua presença e que acabe sobrando um pouco para você). Como raios cheguei aqui, no fundo desta noite equinocial? Doem meus olhos de tanto procurar sua imagem no vazio para bater uma punheta. Não é patético?"
 
"Modelo de divertimento:
Menon - Você acha que tem que bater em toda mulher?
Sócrates - É claro que sim.
Menon - Então como eu faço para diferenciá-las?
Sócrates - Simples, Menon, bata em algumas com a mão aberta."
 
"O assunto de meu pai virara uma obsessão para Flog. Minha mãe lhe contara sua versão da história, mas ela queria saber a minha.
- Eu tinha quatro anos, Flog.
- Alguma coisa você deve lembrar...
Fecho os olhos e caio por um túnel que termina num pátio vizinho ao mar, num canto do pátio tem um homem fazendo a barba. Minha voz chega do fundo do túnel e não a reconheço: tinha um desses antigos aparelhos de barbear Gillette, as lâminas eram grandes e de formato muito bonito. Depois que enfiava a lâmina tinha que aparafusar o aparelho, suas mãos eram compridas e escuras por causa dos pêlos, que tinha nos dedos também. Pensando bem, eram muito bonitas. Usava uma mão para jogar a espuma e a outra para o aparelho. Era um trabalho minucioso e apaixonante porque o mínimo erro custava sangue. Abro os olhos e vejo as lágrimas de Flog através das minhas e ela me abraça e nossas lágrimas se confundem.
- Sente muita falta dele?
Sinto a dor dentro de mim, uma dor gorda que pesa dentro e queria deixá-la sair, mas não cabe pelo vão de minha alma e fica ali entalada e o ar começa a me faltar. Peço a Flog que me ajude, mas não ouço minha voz... Do jeito que posso, chego até o banheiro e ajoelho em frente à privada para vomitar. Flog se agacha ao meu lado e bate nas minhas costas. Vomito até cuspir sangue e então abaixo a tampa e o rodamoinho de água engole toda a imundície e a dor fica menor, mas sei que ainda continua dentro."


Tradução de Luís Reyes Gil.


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