São Paulo, domingo, 23 de julho de 2006

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6 questões sobre a atual crise no Oriente Médio

KEN SILVERSTEIN

Augustus Richard Norton é professor de antropologia e de relações internacionais na Universidade de Boston. Antes de entrar para o corpo docente da universidade, Norton foi oficial de carreira do Exército, na infantaria: seu serviço incluiu dez anos como professor na academia de West Point.
Antes disso, dois anos de combate no Vietnã (1968-71), a maior parte deles em unidades aerotransportadas, e 14 meses como observador militar no sul do Líbano (1980-81).
Aposentou-se em 1993 como coronel e professor de ciência política na Academia Militar dos EUA. Escreveu sobre o Líbano por 25 anos, e grande parte de sua obra se concentra nos movimentos políticos xiitas, incluindo o Hizbollah.

 

PERGUNTA - Por que o Hizbollah capturou os soldados israelenses?
AUGUSTUS RICHARD NORTON -
Foi uma operação bem planejada, que exigiu meses de preparativos. Uma operação semelhante fracassou no início deste ano. O Hizbollah foi taticamente muito inteligente, mas estrategicamente foi um verdadeiro jogo de azar. O objetivo era obter a libertação de [três] prisioneiros libaneses e, provavelmente, reforçar a imagem do Hizbollah e aproveitar a preocupação de Israel com Gaza. Acredito que o Hizbollah tenha agido de maneira autônoma. Não foi uma decisão do Irã, para desviar a atenção de seu programa nuclear. O Irã e o Hizbollah são organicamente ligados e compartilham a mesma visão de mundo, mas o secretário-geral do Hizbollah, Hassan Nasrallah, se convenceu de que tinha uma estrutura dissuasiva que evitaria uma tal reação israelense. Foi um erro monumental.

PERGUNTA - Por que Israel reagiu ao incidente dessa forma?
NORTON -
Não acredito na idéia de que o primeiro-ministro Ehud Olmert esteja tentando melhorar seu currículo, de que ele se sentiria inseguro à sombra de Ariel Sharon. Isso faz parte de uma profunda estratégia da defesa israelense para atingir indiretamente o Irã e facilitar um ataque de Israel ao programa nuclear do país mais tarde, caso o decida. O Hizbollah e seu arsenal de foguetes eram um obstáculo para isso.

PERGUNTA - A reação de Israel foi excessiva?
NORTON -
Parece-me que Israel poderia ter adotado uma postura mais elevada, trabalhando por meio da ONU e empreendendo uma ação militar limitada. O que está acontecendo agora é absurdamente excessivo. Começou há pouco e o número de mortos no Líbano já ultrapassa as três centenas [até quinta passada], na maioria civis, e o governo libanês estima em pelo menos US$ 2 bilhões [R$ 4,4 bilhões] os danos à infra-estrutura. Estão atacando o que é necessário para o dia-a-dia no Líbano. Tenho conversado com pessoas que moram no Líbano, e parece que Israel estabeleceu uma "caixa de morte" no sul do país, o que os EUA chamavam de "zona de tiro livre" no Vietnã. Você define uma zona, que é dominada pelo ar, e obriga os civis a saírem -já há centenas de milhares de libaneses deslocados. Então supõe-se que qualquer coisa que ainda se mova ali seja inimiga. É uma receita para a morte de muitos civis desafortunados, como aconteceu dias atrás, quando 16 moradores de aldeias no sul do Líbano foram mortos em automóveis, enquanto cumpriam a ordem de Israel para que abandonassem suas casas.

PERGUNTA - Qual é o provável resultado disso tudo?
NORTON -
A questão principal é o tempo. Israel indicou que quer uma semana, ou talvez duas, para operar. Os EUA e a comunidade internacional lhes darão o tempo desejado? Nesse caso, o Hizbollah sairá significativamente prejudicado, mas não desaparecerá. Desarmar totalmente o Hizbollah é uma tarefa de tolos. É fácil demais esconder armas, e há incentivos demais para mantê-las. O Hizbollah está enfrentando um dilema interessante. Quanto mais usar os foguetes, mais razões dará para que o período de tempo continue aberto. No Líbano haverá um rearranjo político. O Hizbollah vai perder estatura, não conseguirá manter sua posição privilegiada depois do que aconteceu.

PERGUNTA - Qual é a provável conseqüência para Israel?
NORTON -
Israel cometeu um grande erro. Pode ter comprado tempo em termos da ameaça à sua fronteira norte, mas a história mostrou que suas tentativas arrogantes de consolidar a hegemonia sobre seus vizinhos geralmente provocam o surgimento de adversários ainda mais ferozes. No Oriente Médio, enfrentará ódio e rejeição ainda maiores do que já sofre.

PERGUNTA - O que explica a passividade do governo Bush em relação aos atos de Israel?
NORTON -
Estudo a política externa americana para o Oriente Médio há 34 anos e não consigo me lembrar de um presidente que subordinasse tanto os interesses americanos aos interesses israelenses quanto esse. O governo está sendo ingênuo sobre como isso vai repercutir em outros lugares, como o Iraque.
Israel está basicamente visando os muçulmanos xiitas, e isso vai intensificar o sectarismo que alimenta a guerra civil no Iraque. Há outras coisas com que deveríamos nos preocupar -mas George W. Bush aparentemente acha que os interesses americanos e os interesses israelenses coincidem.
É por isso que os EUA têm uma política externa omissa.


Esta entrevista foi publicada na "Harper's".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.


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