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Livros
A era da reavaliação
Saem edições de Ruy Fausto, com uma reavaliação da esquerda, e do italiano Luciano Canfora, com crítica à democracia
FÁBIO WANDERLEY REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA
A leitura conjunta de "A
Esquerda Difícil" e do
livro de Luciano Canfora não favorece o primeiro. A
aproximação é natural: aparecem ao mesmo tempo e trata-se, em ambos os casos, de trabalhos marcados por um ânimo
crítico. Os textos reunidos no
volume de Ruy Fausto redundam no ajuste de contas algo
azedo de um homem de esquerda, que continua a perceber-se
como tal, com os heróis e vilões
e os temas e desvios de um marxismo já gasto.
O diálogo se trava principalmente com os comunistas de
princípios do século 20, além
de Marx e Engels, e não há lugar no livro nem sequer para
um nome da importância do de
[Jürgen] Habermas, que dirá
para os esforços recentes de autores norte-americanos e europeus ligados ao chamado "marxismo analítico" ou ao reexame
do "socialismo de mercado".
Por sua vez, a crítica de Canfora
à democracia é com certeza
atraente, embora desalentadora, para quem quer que pretenda inspirar-se numa tradição
de esquerda.
Isso não impede que, substantivamente, Ruy Fausto tenha ampla razão no que nos
trata de dizer, nem que haja
muito a aproveitar dos registros factuais e das minúcias da
reavaliação intelectual e política da experiência comunista e
social-democrata do século
passado. Destaco alguns aspectos: a afirmação inequívoca do
valor da democracia em suas
dimensões civil e política e o
empenho em atribuir a responsabilidade por seu comprometimento no "socialismo real"
não só a Stálin ou Lênin, mas à
apologia da violência nas próprias idéias originais de Marx e
Engels; a reiteração dos perigos
relativos ao componente autocrático dos movimentos de
massas, ilustrados de modo
exemplar pelos eventos de
1968, não obstante a inspiração
libertária; e a valorização da social-democracia de estilo escandinavo como combinação
da democracia política com a
capacidade de controlar o poder dos capitalistas e produzir
sociedades igualitárias -embora o autor não chegue a enfrentar com clareza a questão
de até que ponto a preservação
do mercado (com suas relações
conceituais complicadas com o
capitalismo como tal), ao permitir a autonomia dos agentes
na crucial esfera econômica,
seria condição decisiva, ao lado
do elemento de convergência
trazido pelo poder estatal, para
o que permite festejar a social-democracia.
Já a crítica de Canfora mobiliza recursos intelectuais mais
diversificados e é certamente
também de maior alcance.
Sua motivação imediata é a
patente convivência atual da
retórica democrática e da participação eleitoral universal com
o fato de que as decisões realmente importantes se concentram nas mãos dos economicamente privilegiados (ou, cada
vez mais, diretamente nas
grandes corporações ou nos organismos técnicos do poder financeiro).
Na óptica geral do autor, a
atuação da Corte Suprema dos
EUA na eleição de 2000, por
exemplo, não foi mais que um
golpe de Estado. Ocorre, porém, que (não obstante o "interessante e inédito" acesso popular à classe política européia,
com os partidos políticos "de
classe", no século e meio que
termina com o fim da União Soviética), o caráter de "regime
misto" aristotélico "com supremacia oligárquica" marca toda
a história da democracia, de
Atenas ao "consenso" obtido
na... "democracia sovietista".
A oligarquia é fatal, como
sustentava Gaetano Mosca
(1858-1941), e, contra o sonho
dos reformadores e revolucionários, a revolução na verdade
é impossível: a mudança é molecular e invisível.
E no pós-União Soviética temos possivelmente um novo
Congresso de Viena, uma "nova
e armadíssima Restauração",
de duração indefinida.
Não é de todo clara a razão da
nota final, ao cabo, otimista: a
"impureza" da história uniria
"a reta e o círculo numa espiral
jamais tautológica".
FÁBIO WANDERLEY REIS, cientista político, é
professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais.
A ESQUERDA DIFÍCIL
Autor: Ruy Fausto
Editora: Perspectiva (tel. 0/xx/11/
3885-8388)
Quanto: R$ 55 (272 págs.)
CRÍTICA DA RETÓRICA
DEMOCRÁTICA
Autor: Luciano Canfora
Tradução: Valéria Silva
Editora: Estação Liberdade (tel. 0/xx/
11/ 3661-2881)
Quanto: R$ 27 (120 págs.) +
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