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+ teatro
O dramaturgo Edward Albee testa os limites da tolerância com a peça "A Cabra", que está em cartaz em Paris
Tragédia das pequenas coisas
CORINE LESNES
O norte-americano Edward
Albee é o autor mundialmente famoso de "Quem
Tem Medo de Virginia
Woolf?". Aos 77 anos, ele mora num
loft no bairro de Tribeca, em Nova
York, a um quarteirão do rio Hudson. Seu interior é repleto de obras
de arte: Kandinsky, Chagall, estátuas
africanas... Pela janela, ele mostra
um vazio no céu. Era o lugar do
World Trade Center. Em 11 de setembro de 2001, ele subiu no telhado
e assistiu à queda das torres. Depois
recebeu telefonemas. Queriam que
escrevesse sobre os atentados.
Como
os maridos reagiriam se descobrissem que estavam apaixonados por uma cabra?
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Albee escreveu 28 peças em 44
anos. Começou com poesia, aos 8.
Para ele, escrever é "tão natural
quanto respirar", sabendo que "em
alguns momentos é mais fácil respirar do que em outros". Mas não faz
nada sob encomenda. Nunca escreveu sobre o 11 de Setembro. "Eu escreveria se viesse através de mim."
O dramaturgo está em cartaz em
Paris com "A Cabra ou Quem É Sílvia?", interpretada por Nicole Garcia
e André Dussollier. Ele não os conhece. Na entrevista abaixo, Albee
fala sobre essa peça improvável, em
que um pai de família se apaixona
por uma cabra.
Pergunta - Por que o sr. escreveu "A
Cabra..."?
Edward Albee - Por quê? Era minha
próxima peça! Foi a que me veio ao
espírito. É esse o motivo pelo qual
escrevo. As peças surgem na minha
cabeça. Eu as escrevo, elas saem da
minha cabeça. Não sou didático.
Não consigo planejar. Tenho certeza
de que há motivos pelos quais escrevo essas peças, mas não lhes dou a
menor atenção.
Pergunta - O senhor pode falar sobre ela?
Albee - O que posso lhe dizer é como eu gostaria que o público a recebesse. Gostaria que fosse vê-la sem
ficar distanciado, que as pessoas não
olhem para os personagens do alto,
mas se imaginem no lugar deles. Como os maridos, no teatro, reagiriam
se descobrissem que estavam apaixonados por uma cabra e como suas
mulheres reagiriam?
E também quero que as pessoas
compreendam que a cabra não é
uma metáfora. É uma cabra de verdade. Ela não está lá para representar alguma outra coisa. A peça examina os limites de nossa tolerância.
Pergunta - Os limites de tolerância
recuaram?
Albee - Sim, mas não o suficiente.
Em Nova York, as pessoas pareceram ficar chocadas ao verem o pai e
o filho se beijarem.
Foi aí que elas saíram do teatro.
Não por causa da revelação da bestialidade ou da sugestão de que Jesus
Cristo foi um suicida, o que não pareceu perturbá-las. Mas a homossexualidade, sim. Achei isso absurdo.
Pergunta - A peça também é chocante.
Albee - Ela é engraçada, exceto
quando deixa de sê-lo. Como a
maioria das minhas peças. Elas são
engraçadas e não-engraçadas. Não
gosto da ausência de humor. É por
isso que prefiro Tchekhov a Ibsen.
Ibsen não tem nenhum humor.
Pergunta - Quando o senhor fala,
não ouvimos nada de trágico ou de
cruel.
Albee - Eu sou eu. E esse é meu trabalho [ele mostra uma mesa baixa
de madeira]. Um escritor deve tentar ser objetivo. Nunca escrevi sobre
mim. Nunca. Escrevo sobre as pessoas, o que eu vejo e o que penso do
mundo e da civilização ao meu redor.
A escrita passa através de mim,
mas os personagens não são eu. Eu
os invento, torno-os reais. Existe
uma tragédia por trás da maior parte
das coisas. Eu a observo. Mas não é
minha tragédia, é a delas.
Pergunta - O senhor não gosta da
expressão "teatro do absurdo"...
Albee - Ela é mal compreendida
nos Estados Unidos. É um conceito
filosófico pós-existencialista, concordo, mas que afogou as diferenças
estilísticas. Toda peça que não é naturalista tem de ser teatralmente absurda. É uma simplificação ridícula.
Mas nos Estados Unidos gostamos
muito das simplificações ridículas.
Pergunta - Exatamente. Na Europa,
nos perguntamos: o que é que não vai
bem nos Estados Unidos?
Albee - Fico contente que as pessoas se perguntem. Seriam loucas se
não o fizessem. O que não vai bem?
Nossa sociedade tornou-se muito
preguiçosa. Somos suficientes e intelectualmente preguiçosos. Preferimos o conforto à aventura.
Pergunta - O senhor boicota a Casa
Branca.
Albee - Sou convidado a ir lá todos
os anos. Fui nos dois primeiros anos
de mandato do atual presidente. Depois houve a invasão do Iraque, as
mentiras. Desde então não fui mais.
Não gosto de presidentes messiânicos. É o presidente mais destrutivo
que já tivemos.
Pergunta - O senhor descobriu aos
cinco anos que era filho adotivo.
Albee - Sim, e fiquei muito feliz. Eu
não gostava de minha família adotiva. Eu sabia que era infeliz já aos cinco anos. Mais tarde compreendi o
porquê. Eles eram terrivelmente reacionários, sectários. Quanto mais eu
crescia, mais detestava seus valores.
Pergunta - Sua mãe o abandonou. O
senhor não tentou encontrá-la?
Albee - Legalmente era impossível.
Há um nome na certidão de nascimento, embora provavelmente seja
um nome falso. E para mim isso não
faz diferença.
Pergunta - Fazia 20 anos que suas
peças não eram produzidas na Broadway. "A Cabra..." marcou seu retorno.
Albee - A Broadway é muito comercial, e minhas peças não dão dinheiro. "A Cabra..." ainda não recuperou seu investimento, mas vai
chegar lá, creio. A Broadway prefere
o teatro tranqüilizador e comercial.
Então, de vez em quando, pode haver uma peça que não seja nada disso.
Este texto foi publicado no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
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