São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2008

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AS OBRAS CAPITAIS

As Estruturas Elementares do Parentesco (1949) - Marco fundador da antropologia estrutural, o livro foi escrito durante o exílio nos EUA e sob a direta influência de seus contatos intelectuais e amizade com o lingüista Roman Jakobson.
O conceito que dá título ao livro refere-se aos sistemas de parentesco que prescrevem o casamento com um certo tipo de parentes, ou seja, que classificam os parentes em cônjuges possíveis e proibidos.
A obra é um clássico também por ter substituído, como eixo de análise etnológica, o fato natural da consangüinidade pelo fato cultural da aliança.
Lévi-Strauss, em diálogo com Sigmund Freud, repensa o problema universal da proibição do incesto -fenômeno já não mais interpretado pela óptica da proibição moral, e sim como fator lógico de constituição da sociedade, ao permitir a "transação" de mulheres entre os grupos exogâmicos.

Introdução à obra de Marcel Mauss (1950) - Este ensaio, encomendado pelo sociólogo Georges Gurvitch -mais tarde, bastante hostil às teses de Lévi-Strauss-, vai bem além de sua finalidade imediata, uma apresentação protocolar da coletânea "Sociologia e Antropologia", de Marcel Mauss (ed. Cosac Naify), um dos mais importantes cientistas sociais do século 20.
Lévi-Strauss comenta o vanguardismo de Mauss em aspectos como a correlação entre etnologia e psicanálise, mas também, com ousadia, designa o sobrinho de Durkheim como um Moisés que conduziu o povo à Terra Prometida sem ter tido a oportunidade de entrar nela.
Com essa metáfora bíblica, quis dizer que Mauss, com a teoria da reciprocidade desenvolvida em "O Ensaio sobre a Dádiva" (1925), intuiu descobertas a que a antropologia só pôde chegar mais tarde, com o próprio Lévi-Strauss, graças aos aportes da lingüística estrutural.
Exemplo disso seria o conceito lévi-straussiano de "pensamento simbólico" como lógica inconsciente do espírito humano e matriz universal de possibilidades combinatórias das quais cada sistema cultural faz usos peculiares.

Tristes Trópicos (1955) - Considerada por muitos sua obra-prima, esta autobiografia intelectual relata, entre outros episódios, a vinda de Lévi-Strauss ao Brasil nos anos 1930, juntamente com outros professores franceses, para trabalhar na fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
Ele comenta o sentido de sua vocação de antropólogo, no contexto de suas decepções com a filosofia "metafísica" dominante nos meios universitários franceses da época.
Menciona a geologia, o marxismo e a psicanálise como as "três mestras" inspiradoras de sua obra, pela percepção que compartilham de que "compreender consiste em reduzir um tipo de realidade a outro". E tece observações etnográficas que atestam como seu contato com povos indígenas brasileiros foi decisivo na gestação de sua futura teoria estruturalista.
O livro é marcante também pelas digressões sombrias a respeito das perspectivas da civilização mundial, marcada, segundo ele, pelo inchaço demográfico e pela homogeneização cultural.

Antropologia Estrutural (1958) - Coletânea com alguns dos principais escritos de Lévi-Strauss no período entre 1944 e 1956.
São exemplos o programático "A Análise Estrutural em Lingüística e em Antropologia", além de "O Feiticeiro e Sua Magia" e "A Eficácia Simbólica" -textos nos quais apresenta surpreendentes paralelos estruturais entre as figuras do xamã e do psicanalista.
Muitas vezes acusado pelos marxistas de negar a dimensão histórica, dada sua ênfase tanto na sincronia dos fenômenos sociais quanto nas constantes universais da humanidade, o autor francês irá abordar tal problema em "História e Etnologia".
Já em "A Estrutura dos Mitos", o antropólogo relê o mito de Édipo -mencionando a interpretação freudiana como a mais recente "versão" mítica do relato- e lança as bases teóricas e metodológicas do que, após o parentesco, veio a ser o outro grande campo de aplicação do estruturalismo etnológico: a mitologia.

O Pensamento Selvagem (1962) - Lançado no mesmo ano que "O Totemismo Hoje" -que lhe serve, no dizer do autor, como uma "introdução histórica e crítica", ao analisar uma categoria então fundamental na explicação dos povos ditos primitivos-, é uma espécie de prelúdio às "Mitológicas".
Descartando preconceitos evolucionistas, tais como a noção de "pensamento pré-lógico" (de Lévy-Bruhl), Lévi-Strauss diz ser o pensamento mítico uma "forma intelectual de bricolagem", que recupera num processo contínuo os resíduos de eventos empíricos, e uma "ciência do concreto", tão estruturada, lógica e rigorosa quanto o pensamento científico moderno, e igualmente capaz de formular analogias e generalizações.
Dedicado à memória do filósofo Maurice Merleau-Ponty, se encerra porém com uma célebre ofensiva contra outro expoente do pensamento fenomenológico-existencial: Jean-Paul Sartre.
Na visão dialética da história na obra de Sartre, Lévi-Strauss vê uma outra forma de projeção eurocêntrica e um valioso documento etnográfico acerca da "mitologia de nosso tempo".

Mitológicas (1964-71) - Com base na análise de cerca de 800 mitos ameríndios e inspirado nos moldes da música -que considera semelhantes aos do mito-, essa colossal tetralogia é composta por "O Cru e o Cozido", "Do Mel às Cinzas", "A Origem dos Modos à Mesa" e "O Homem Nu".
Seu objetivo é mostrar "de que modo categorias empíricas, como, por exemplo, as de cru e cozido, de fresco e de podre, de molhado e de queimado etc., definíveis com precisão pela mera observação etnográfica, (...) podem servir como ferramentas conceituais para isolar noções abstratas e encadeá-las em proposições".
Desse modo, seria possível chegar a níveis cada vez mais amplos de generalização e, em última instância, desbravar os fundamentos universais do espírito humano. O meio para isso, segundo o antropólogo, seria o rastreamento das múltiplas recombinações, permutações e oposições -e não, como na teoria simbolista, significados ocultos de símbolos abstraídos do contexto- por meio das quais os "mitos se pensam entre si".

Antropologia Estrutural 2 (1973) - Nesta nova coletânea, tem destaque o clássico "Raça e História" (1952) -libelo, escrito a pedido da Unesco, contra o racismo, no qual o antropólogo sintetiza sua visão da história mundial e sua defesa da diversidade cultural.
Cabe mencionar também "A Gesta de Asdiwal", estudo de um mito indígena da costa canadense do Pacífico; "O Campo da Antropologia", aula inaugural do autor no Collège de France, em 1960; e "Jean-Jacques Rousseau, fundador das Ciências do Homem" (1962).
Neste último, o filósofo genebrino é evocado como precursor da etnologia por ter formulado o preceito de que, se para estudar "os homens" é preciso olhar perto de si, para estudar "o homem" é preciso aprender a dirigir para longe o olhar e descobrir semelhanças depois de observar as diferenças.
Dez anos mais tarde, Lévi-Strauss lançaria um novo conjunto de artigos que, segundo suas próprias palavras, poderia ser considerado o terceiro volume da "Antropologia Estrutural", porém batizado de "O Olhar Distanciado".

A Via das Máscaras (1975) -Tomando como referência a arte dos índios da costa noroeste dos EUA, Lévi-Strauss retoma questões fundamentais da estética e da história da arte.
Ele argumenta que o grafismo, a plástica e a cor podem ser entendidos como instrumentos de que um povo, escola doutrinal ou período se utilizam para se distinguir dos seus vizinhos, rivais ou predecessores.

Minhas Palavras (1984) - Lições ministradas por Claude Lévi-Strauss entre 1959 e 1982 no Collège de France e na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. Foi nesta escola onde, disse, "minhas idéias sobre a mitologia ganharam forma", o que é testemunhado em especial pelo curso, no ano letivo de 1951-52, dedicado à "Visita das Almas", cujo resumo consta desta coletânea.
Por meio das aulas e conferências aqui publicadas -que versam também sobre parentesco e organização social, entre outros temas-, o leitor pode entrar em contato, portanto, com os movimentos da reflexão lévi-straussiana ao longo do tempo e também com a gênese e esboço de algumas das principais obras do autor -como "O Pensamento Selvagem" e "Mitológicas".

A Oleira Ciumenta (1985) -Nesta nova incursão pelo vasto território dos mitos ameríndios, Lévi-Strauss analisa, em suas analogias nos povos mais diversos, a figura da ceramista (oleira) e as relações desse ofício com o sentimento do ciúme.
No capítulo final, ""Totem e Tabu" Versão Jivaro", o antropólogo francês retoma uma vez mais o diálogo do estruturalismo com a psicanálise. Ele combate, em Freud, a suposta afinidade descoberta entre crianças, neuróticos e primitivos, assim como o monopólio dado ao "código sexual" de decifração dos símbolos míticos e oníricos.

De Perto e de Longe (1988) -Esses diálogos com o jornalista Didier Eribon, juntamente com as entrevistas a Georges Charbonnier, em 1961, estão entre as mais acessíveis introduções a toda a complexidade de um dos maiores antropólogos de todos os tempos.
Lévi-Strauss comenta seu percurso, suas idéias e obras, confessa que gostaria de ter sido autor dramático e constrói um auto-retrato muito revelador.
Por exemplo, em passagens como a que se identifica subjetivamente com o "primitivismo" que lhe fornece boa parte de seus objetos de estudo: "Tenho a inteligência neolítica; não sou alguém que capitaliza, que faz frutificar seu conhecimento; sou antes alguém que se desloca a uma fronteira sempre instável".

História de Lince (1991) -Num esforço de "síntese de reflexões dispersas ao longo dos anos", o autor investiga as fontes filosóficas e éticas do dualismo ameríndio.
Estuda como as lendas da América resistem a fazer com que uma situação inicialmente dual seja reduzida a uma identidade perfeita, sustentando, antes, um dualismo dinâmico e em permanente desequilíbrio.
Nisso o antropólogo desvela uma atitude de "abertura ao outro" que pautou os nativos quando dos primeiros contatos com o branco colonizador, e que é uma conduta oposta à de nossa sociedade -voltada a reduzir o diferente a uma imagem especular de si mesma.

Olhar, Escutar, Ler (1993) -Num dos livros em que mais diretamente se dedica a questões relativas à arte -que, não obstante, sempre teve grande importância em suas investigações etnológicas-, Lévi-Strauss evoca, como matéria-prima de análise, algumas de suas grandes experiências estéticas pessoais -do romance de Proust à música de Rameau e Wagner, passando pela pintura de Poussin.
Reflete sobre um soneto de Rimbaud à luz dos modernos estudos de poética de Roman Jakobson, além de investigar as variações e a possível estrutura comum aos três procedimentos estéticos básicos -olhar, escutar, ler.

Saudades do Brasil (1994) -Lévi-Strauss dizia ser o escopo da sua antropologia um "super-racionalismo" capaz de integrar os níveis do sensível e do inteligível.
Neste álbum fotográfico, que remonta às raízes de sua aventura antropológica, ele dá prova da extrema sensibilidade com que vivenciou e registrou as experiências em terras brasileiras durante os anos 1930.
Seja pelas imagens de uma São Paulo a caminho de se converter em metrópole industrial e financeira, seja pelas cenas da vida cotidiana de tribos do Centro-Oeste, o livro é testemunho precioso e elegíaco de uma época (pessoal e coletiva) soterrada pelo tempo e pelo processo histórico hegemônico. Em 1995, o autor lançaria um segundo livro do gênero, "Saudades de São Paulo".
(CAIO LIUDVIK)


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