São Paulo, domingo, 23 de dezembro de 2007 |
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+ Livros Filosofia em guerra "As Paixões Intelectuais" retrata a batalha dos pensadores por glória, dignidade e poder na França do século 18
RENATO JANINE RIBEIRO
E
lisabeth Badinter, em
que pese sua grande
riqueza pessoal (é a
segunda maior acionista do grupo Publicis) e sua condição social (seu
marido foi o ministro da Justiça que, no governo Mitterrand,
1981-95, aboliu a pena de morte
na França), é uma historiadora
de mérito, ao mesmo tempo
que boa divulgadora dos assuntos que estuda.
O desenho da sociedade culta que Badinter traça é rico, matizado. Os filósofos têm vícios "humanos, demasiado humanos". Mas, ao mesmo tempo, nesses 27 anos que ela examina [1735-62], vai nascendo a figura do intelectual, um personagem que vai marcar profundamente a França e que é, por definição, uma figura pública. Aliás, a palavra no século 18 é outra: "Philosophe". Redigir e publicar a "Enciclopédia", magistral empreendimento coletivo, "filosófico", leva o conhecimento a todos os que possam lê-la. Até então, o pensador podia viver em certa paz com seus colegas. O áspero conflito entre Maupertuis e Cassini (a Terra tem a forma de limão ou de tangerina?) rompe essa paz, nos anos 1730. "Soou a hora do debate público. Esse inconteste progresso da democracia marca também o início dos desvios demagógicos que se seguirão", diz a autora. As relações entre os acadêmicos se desgastam, mas as academias se abrem para o mundo. Nada mais longe do fenômeno que Antonio Candido detectou em nosso pouco ilustrado século 18, quando os autores eram seus próprios -e únicos- leitores. Os acadêmicos franceses, mesmo os hoje esquecidos, em seu tempo mobilizaram as consciências. O preço disso é que, falando de Maupertuis e Cassini, "o ódio toma conta dos dois campos", diz a autora, "pois cada um deles parece ter em jogo sua própria razão de ser. Para Jacques Cassini, reconhecer seu erro seria como uma sentença de morte". Uma guerra civil racha a academia. Ao terminar, nasce o partido dos intelectuais ou dos filósofos. Se de 1735 a 1751 tivemos o desejo de glória, a década seguinte vive o que Badinter chama de exigência de dignidade. Rousseau, d'Alembert e Diderot "ignoram a corte, suas vantagens e suas obrigações. Querem escrever livremente". Liberdade na pobreza Seu lema é liberdade, verdade e pobreza. Uns valorizam mais a verdade, outros mais a virtude. Critica-se o filósofo cortesão. Mas a liberdade de exprimir-se conhece altos e baixos, e a mesquinharia do mundo filosófico lhe custa pontos junto à opinião que ele tenta influenciar. O que salva esse novo mundo intelectual, num belo e terrível "finale", é o caso Calas. O protestante Jean Calas é executado de maneira atroz, acusado de matar o próprio filho, que se tornou católico. Voltaire luta por sua reabilitação. O intelectual, como o conhecemos, data do caso Dreyfus, outra injustiça, do começo do século 20; mas, com a luta por Calas, Voltaire firma um papel, o do filósofo lutando contra a superstição e a injustiça, o que vai deixar seu nome como o mais forte das Luzes até há poucas décadas, quando Diderot começou a eclipsá-lo. Recomendo, para essa obra, um belo complemento: "Boemia Literária e Revolução" [Companhia das Letras], de Robert Darnton. O historiador norte-americano, 20 anos atrás, mostrava quantos pensadores menores, alguns deles no limite do pornográfico, como Restif de la Bretonne, tiveram papel relevante na luta pela liberdade, mais talvez que os grandes pensadores. Badinter é mais séria, mais política, mais panorâmica. Darnton aprecia mais a infração, o ensaio, o que foge às grandes articulações. A moldura de Badinter ajuda a ler o animado esboço de Darnton. RENATO JANINE RIBEIRO é professor de ética e filosofia política na USP. AS PAIXÕES INTELECTUAIS Autora: Elisabeth Badinter Tradução: Clóvis Marques Editora: Record (tel. 0/xx/21/2585-2000) Quanto: R$ 60 (volume 1, 532 págs.) e R$ 50 (volume 2, 462 págs.) Texto Anterior: + Lançamentos Próximo Texto: + Livros: Cassandra desencantada Índice |
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