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Ponto de fuga
Antigos mestres
Como o surrealismo foi bastante cerceado no Brasil pela cultura da identidade nacional, as obras de Tarsila do Amaral continuam, muitas vezes, sendo vistas por uma óptica verde-amarela
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Uma bela mostra no Centro Cultural Fiesp, em
São Paulo, é dedicada a
Lasar Segall [1891-1957]. As
obras, bem-escolhidas, respondem-se, inserindo-se num fluxo comum e contínuo. O partido, conceitual e difícil, é trazido pelo título: "Segall Realista".
"Expressionismo", "realismo", "cubismo"; essas e outras
noções empregadas pela crítica
e pela história são apenas instrumentos para classificação.
Cômodas, permitem agrupar
obras por diversos critérios.
Em suas singularidades complexas, cada criação artística se
encarrega de neutralizar as
simplificações genéricas contidas nesses termos.
De uma perspectiva histórica, no correr dos anos de 1920,
Segall se aproximou de uma
tendência que então ocorria na
pintura alemã, a "nova objetividade" ou "realismo mágico".
Para perceber as efetivas relações entre elas, seria necessária
uma exposição ambiciosa pondo em confronto a produção
germânica com telas precisas
de Segall.
Fora dessa dimensão, é difícil pensar Segall, com seus poderes altamente universais e
sintéticos, submetendo-se à
observação do "real" à sua volta, como faziam os realistas
norte-americanos (Hopper,
Bellows, Grant Wood ou Reginald Marsh, entre tantos).
Muito menos corrigindo e engrandecendo o "real", como o
realismo socialista operava.
A grandeza humana contida
nos quadros de Segall é interior. Vem transfigurada por
aquilo que Guilherme de Almeida [1890-1969] chamou de
"seu equilíbrio exato" ou por
seu "espírito apolíneo", como
dizia Gilda de Mello e Souza
[1919-2005].
Palmeira
Outra esplêndida exposição
modernista: "Tarsila Viajante",
na Pinacoteca do Estado, também em São Paulo. Causa grande impacto ver "A Negra",
"Abaporu", "Antropofagia" na
mesma parede, com suas figuras que irrompem, amplas, nítidas, definidas, poderosas.
Muitos desenhos. O traço é
preciso, tão característico e
econômico, um nada que transforma o vazio do papel em
grandes massas de montanhas,
em infinito do céu e do mar, em
bicho esquisito e gordo, em cidade inteira.
Muitos quadros de Tarsila do
Amaral [1886-1973], sobretudo
aqueles que assimilaram a gramática de Fernand Léger, têm a
aplicação delicada de moça
bordadeira. São luminosos, elegantes, felizes.
Os mais intensos, pintados
no final dos anos de 1920, enveredam por mundos oníricos.
Marcados pelas interpretações
de época que, de Oswald de Andrade a Plínio Salgado, imaginavam construir uma alma brasileira, tais quadros são, na verdade, intensas experiências
surrealistas. Como o surrealismo foi bastante cerceado no
Brasil pela cultura da identidade nacional, elas continuam,
muitas vezes, sendo vistas por
uma óptica verde-amarela.
Está mais do que na hora de
se tomarem distâncias com os
sempre mesmos critérios herdados daqueles tempos, para
perceber tantas outras possíveis ramificações tantos outros
significados.
Clique
Ainda na Pinacoteca, a mostra com cem fotos de Boris Kossoy. Prolonga, de modo curioso
e por coincidência, certa atmosfera de estranheza que se
depreende de Tarsila do Amaral. Mundo irreal e perturbador
desse grande fotógrafo, no qual
mesmo os ensaios sobre o cotidiano se embebem de eloqüência insólita.
Arco-íris
Outra exposição na Pinacoteca, tão notável quanto as precedentes, reúne obras de Gonçalo Ivo. Trata-se de telas com
faixas horizontais e esculturas
feitas de tocos pintados. A geometria está presente, mas uma
certa materialidade sutil e irregular contamina as cores e as
formas.
jorgecoli@uol.com.br
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