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+ Sociedade
Fascínio do eleitorado pobre por políticos de direita se deve a razões culturais, diz analista
Gente como a gente
JEAN BIRNBAUM
Por toda parte no Ocidente, a esquerda está perplexa. "Sou a
herdeira do movimento operário, encarno a luta pela emancipação
social, mas o povo me abandonou", ela se lamenta.
A esquerda expressa angústia em suas próprias palavras,
sob a forma de um questionamento amargo: por que diabos
os pobres apóiam a direita
-em outras palavras, o partido
dos dominantes? Como explicar que os condenados da terra
dêem seu voto àqueles que,
"objetivamente", defendem a
causa dos senhores do mundo?
A pergunta não data de ontem. Mas, ultimamente, vem
ganhando atualidade renovada.
Para responder a ela, poderíamos optar pela via teórica:
dissecar os bons autores e retomar o estudo daquilo que, no
passado, era descrito como
"servidão voluntária" ou "alienação". Thomas Frank, em
"What's the Matter with Kansas?" [Qual É o Problema com
o Kansas?] escolheu outro caminho: o da reportagem política, a meia distância entre a pesquisa de campo e um passeio irônico por seu tema.
Esquerda arrogante
Seu campo de pesquisa já estava pronto: o jornalista passou
sua infância no Estado do Kansas, onde no passado nasceram
muitas revoltas e onde, hoje, o
presidente George W. Bush é
ídolo dos mais pobres.
A ira de Frank é voltada não
contra as elites econômicas,
mas contra a esquerda "liberal", forçosamente "cosmopolita" e "arrogante".
Assim, diz, vejam esses "democratas" que odeiam a América profunda, vejam esses sindicalistas parasitários, que não
deixam passar uma única ocasião de trair o país, vejam esses
universitários sabichões, incapazes de usar uma arma ou fazer uma instalação elétrica em
suas casas, mas especialistas
em feminismo chique e em
queijo "frenchie".
Frank insiste no golpe de gênio dado pelos conservadores:
de um lado, eles se reapropriaram de um tema em grande
medida deixado de lado pelos
democratas, o do furor justo
das "massas" contra as elites;
de outro, substituíram a luta de
classes pela "guerra cultural".
Os valores em primeiro lugar! "O que divide os americanos seria a autenticidade, e não
algo tão complexo e repugnante quanto a economia", precisa
o jornalista.
É nesse ponto que a pesquisa
chega a seu limite. Pois, ao falar
de "mau funcionamento" ou de
"masoquismo" popular, o autor
se revela prisioneiro de uma
grade de leitura que o cega,
mais que lhe esclarece os fatos.
Ou, pelo menos, é o que afirma a especialista em ciência
política Wendy Brown.
Falsa consciência
"Embora Frank explique de
maneira convincente que os ricos e poderosos exploraram o
desespero e a frustração das
classes média e operária americanas, sua análise segue um
modelo de "interesses objetivos", de um lado, e de manipulação ideológica, de outro."
"Assim, por meio da imagem
batida da "falsa consciência", ela
ressuscita uma certa esperança
política e evita a perspectiva
mais inquietante de uma orientação subjetiva antiigualitária,
escravizadora e abjeta presente
numa parte importante da população americana", ela escreve em "Les Habits Neufs de la
Politique Mondiale" (Os Novos
Hábitos da Política Mondial,
ed. Les Prairies Ordinaires).
Brown descreve com precisão as zonas de divergência,
mas também de convergência,
entre os "valores" do neoconservadorismo, de um lado, e os
"interesses" defendidos pelo
neoliberalismo, de outro.
Para ela, não se trata mais de
deplorar as "ilusões" populares
nessas áreas, mas de compreender que essa aliança entre
retórica moral e doutrina econômica assinala a chegada de
um cidadão não-democrático:
"Ele não ama a liberdade ou a
igualdade, nem mesmo sob
uma forma liberal. Ele não espera nem verdade, nem responsabilidade do governo", ela
observa.
A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain .
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