São Paulo, domingo, 24 de maio de 1998

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Feminismo em prosa

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

Esta coletânea de contos da norte-americana Alice Walker foi lançada em 1967 -a autora começava a adotar, em literatura, o que chamaria mais tarde de "womanismo" ("mulherismo", ou ação positiva, ou atitude politicamente correta, ou lesbianismo "light", digamos assim) em termos de militância feminista.
Alice Walker, 54, mais conhecida pelo romance "A Cor Púrpura", pelo qual ganhou o prêmio Pulitzer, elegeu como tema central de seus livros a vida da mulher negra no sul dos Estados Unidos, a mais racista das regiões do país, e onde a própria escritora nasceu (na Geórgia).
Em "De Amor e Desespero", Walker apresenta 13 histórias de mulheres, 13 Celies, para mencionar a heroína sofredora e massacrada pela maioria branca (e masculina, aos olhos de seus narradores e personagens) de "A Cor Púrpura".
Na primeira história, "Roselily", uma dona de casa, mãe de quatro filhos com diferentes homens, experimenta pela primeira vez uma cerimônia de casamento -com um novo homem que pode lhe trazer a dignidade que nunca teve.
A narrativa é construída a partir de fragmentos do monólogo interior de Roselily, pequenos trechos intitulados cada um a partir de um pedaço do texto original da cerimônia. Como se, ao desmontar a estrutura das frases que compõem o texto tradicional ("Se alguém aqui presente souber de um motivo pelo qual os dois não devam se unir etc"), estivesse representado o casamento partido, não-tradicional da protagonista.
No segundo conto, "E o Crime Não Compensa Mesmo?", uma escritora insatisfeita tanto com o marido quanto com o amante, que não a compreendem, prepara uma vingança sangrenta contra seus "opressores".
A partir de fragmentos desordenados do diário da escritora, desfia-se seu rosário de queixas contra os homens: "Ele se casou comigo porque, apesar de eu ter a pele escura, ele acha que eu pareço francesa". Ou: "Todas as vezes que ele me diz como eu sou estranha por querer escrever histórias, ele aborda o tema de ter filhos ou de ir fazer compras, como se fosse tudo a mesma coisa".
Outras histórias, como "O Diário de uma Freira Africana", parecem tese de antropologia étnica e passam longe da ficção: uma freira negra de uma missão em Uganda tenta manter sua fé inabalada a despeito da sedução e da tentação do Ocidente e seus machos franceses, americanos, alemães, italianos.
O texto de Alice Walker está mais para panfleto do que para literatura, tem mais de engajamento -contra o racismo, em prol do feminismo e da vingança feminina, contra a "condição" da mulher negra- do que de lirismo. É uma ficção entediante, difícil de engolir, sem qualquer fundamento mais profundo ou original que justifique -em termos literários- suas teses anti-racistas e anti-homem.
Nos últimos tempos, Walker tem se dedicado à militância feminista que defende o fim da mutilação genital em alguns países muçulmanos e em certas tribos africanas. Seu livro "Possessing the Secret of Joy" (Possuir o Segredo do Prazer) trata disso.

A OBRA

De Amor e Desespero - Alice Walker.Tradução de Waldéa Barcellos. Ed. Rocco (r. Rodrigo Silva, 26, 5º andar, CEP 20011-040, RJ, tel. 021/507-2000). 136 págs. R$ 16,50.



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