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MEMÓRIA
A política de Octavio Paz
JOÃO ALMINO
especial para a Folha
Na duração longa da história, algumas questões permearam toda a
investigação política do poeta e
Nobel de Literatura Octavio Paz
(que morreu em 19 de abril): o México, as características de seu povo, as mazelas do seu sistema político, a democracia e a modernidade. No "Labirinto da Solidão", de
1950, numa "démarche" que às
vezes lembra o Sérgio Buarque de
Holanda das "Raízes do Brasil",
surgem as imagens dos mexicanos
como seres insondáveis, herméticos, indecifráveis, corteses, reservados e cheios de pudor.
Na "prolongação crítica e autocrítica" daquele livro, ou seja, em
"Posdata", de 1970, Paz dirá que
o mexicano não é uma essência,
mas uma história, nem ontologia,
nem psicologia e explicará que o
que lhe intriga não é tanto o caráter nacional, mas o que ele oculta,
ou seja, o que está por trás da máscara. Lembrando que somos inseparáveis de nossas ficções, afirmava que estamos condenados a inventar-nos uma máscara e, depois, a descobrir que essa máscara
é nosso verdadeiro rosto.
Como mostrará em "O Ogro Filantrópico", de 1979, a imagem
do México se reflete na dos Estados Unidos. Este país aparece historicamente como um ideal político e social e, ao mesmo tempo, como um poder intruso, um agressor. Esta dupla imagem, diz ele, é
real, pois os Estados Unidos são
uma democracia e um império.
Em "Tempo Nublado", de
1983, Paz retoma este tema, referindo-se aos Estados Unidos como
uma "democracia imperial". Ao
contrário do que julgavam alguns
de seus críticos então, era explícito
o discurso antiimperialista deste
pensador de esquerda que mantinha um diálogo com a tradição
marxista desde os anos 30, deste
ex-embaixador do México na Índia, que renunciou a seu cargo em
protesto contra o massacre de estudantes em Tlatelolco e que responsabilizava, naquele livro, o imperialismo norte-americano pela
precipitação da desintegração e
pelo fortalecimento das tiranias na
América Latina. Mas, para ele, a
relação de dominação do império
norte-americano permitia uma
certa liberdade de negociação e
uma margem de ação, que contrastavam com o que ocorria no
Leste Europeu, cujo totalitarismo
e sistema de dominação deviam
ser objeto de uma crítica ainda
mais implacável. Essa crítica não
poupou Cuba nem -o que parte
da esquerda considerou imperdoável- os processos revolucionários centro-americanos.
Naquele mesmo livro, Paz observou e previu, com clarividência, que a "vingança histórica dos
particularismos" -particularidades étnicas, religiosas, culturais,
linguísticas, sexuais- seria o tema dominante do "tempo nublado" do presente e anos vindouros.
Nós, latino-americanos, disse
Paz em "Posdata", somos os intrusos que chegaram à função da
modernidade quando as luzes estão a ponto de se apagar. Embora
os acontecimentos que inauguraram a modernidade tenham sido
iniciados com os descobrimentos
dos portugueses e espanhóis, os
latino-americanos são herdeiros
do fechamento que ocorreu, pouco tempo depois, por parte da Espanha e Portugal e de sua negação
(cuja expressão mais completa foi
a Contra-Reforma) à nascente
modernidade. Apesar disso, Paz
foi otimista quanto ao futuro democrático do hemisfério.
Como pensador, Octavio Paz
não foi um politicólogo, um cientista político, nem um sociólogo.
Ele chegou mesmo a denunciar a
crença positivista na possibilidade
de uma ciência da sociedade, distinta da etnografia e da história. Se
o objetivo de sua reflexão foi a história, não viu, contudo, o homem
como fruto da história nem a história como resultado somente da
vontade humana. Para ele, o homem não estava na história. Era
história. Mas, mesmo que Paz tenha resgatado o sentido do verdadeiro historiador, não se colocou
tampouco neste papel. Sua paixão
foi a poesia e o que elaborou não
foi teoria, mas testemunho. O que
nos lega com sua morte, é o testemunho político de um poeta.
Paz enfrentou com coragem as
questões de seu tempo, indicou
caminhos e nadou, a cada livro,
contra a correnteza, com emoção,
independência e honestidade intelectual. Com rara elegância de estilo, teceu um pensamento político
que tem a dimensão da poesia.
João Almino é escritor e diplomata, autor dos
romances "Idéias para Onde Passar o Fim do
Mundo" e "Samba-Enredo".
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