São Paulo, domingo, 24 de maio de 1998

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MEMÓRIA
A política de Octavio Paz

JOÃO ALMINO
especial para a Folha

Na duração longa da história, algumas questões permearam toda a investigação política do poeta e Nobel de Literatura Octavio Paz (que morreu em 19 de abril): o México, as características de seu povo, as mazelas do seu sistema político, a democracia e a modernidade. No "Labirinto da Solidão", de 1950, numa "démarche" que às vezes lembra o Sérgio Buarque de Holanda das "Raízes do Brasil", surgem as imagens dos mexicanos como seres insondáveis, herméticos, indecifráveis, corteses, reservados e cheios de pudor.
Na "prolongação crítica e autocrítica" daquele livro, ou seja, em "Posdata", de 1970, Paz dirá que o mexicano não é uma essência, mas uma história, nem ontologia, nem psicologia e explicará que o que lhe intriga não é tanto o caráter nacional, mas o que ele oculta, ou seja, o que está por trás da máscara. Lembrando que somos inseparáveis de nossas ficções, afirmava que estamos condenados a inventar-nos uma máscara e, depois, a descobrir que essa máscara é nosso verdadeiro rosto.
Como mostrará em "O Ogro Filantrópico", de 1979, a imagem do México se reflete na dos Estados Unidos. Este país aparece historicamente como um ideal político e social e, ao mesmo tempo, como um poder intruso, um agressor. Esta dupla imagem, diz ele, é real, pois os Estados Unidos são uma democracia e um império.
Em "Tempo Nublado", de 1983, Paz retoma este tema, referindo-se aos Estados Unidos como uma "democracia imperial". Ao contrário do que julgavam alguns de seus críticos então, era explícito o discurso antiimperialista deste pensador de esquerda que mantinha um diálogo com a tradição marxista desde os anos 30, deste ex-embaixador do México na Índia, que renunciou a seu cargo em protesto contra o massacre de estudantes em Tlatelolco e que responsabilizava, naquele livro, o imperialismo norte-americano pela precipitação da desintegração e pelo fortalecimento das tiranias na América Latina. Mas, para ele, a relação de dominação do império norte-americano permitia uma certa liberdade de negociação e uma margem de ação, que contrastavam com o que ocorria no Leste Europeu, cujo totalitarismo e sistema de dominação deviam ser objeto de uma crítica ainda mais implacável. Essa crítica não poupou Cuba nem -o que parte da esquerda considerou imperdoável- os processos revolucionários centro-americanos.
Naquele mesmo livro, Paz observou e previu, com clarividência, que a "vingança histórica dos particularismos" -particularidades étnicas, religiosas, culturais, linguísticas, sexuais- seria o tema dominante do "tempo nublado" do presente e anos vindouros.
Nós, latino-americanos, disse Paz em "Posdata", somos os intrusos que chegaram à função da modernidade quando as luzes estão a ponto de se apagar. Embora os acontecimentos que inauguraram a modernidade tenham sido iniciados com os descobrimentos dos portugueses e espanhóis, os latino-americanos são herdeiros do fechamento que ocorreu, pouco tempo depois, por parte da Espanha e Portugal e de sua negação (cuja expressão mais completa foi a Contra-Reforma) à nascente modernidade. Apesar disso, Paz foi otimista quanto ao futuro democrático do hemisfério.
Como pensador, Octavio Paz não foi um politicólogo, um cientista político, nem um sociólogo. Ele chegou mesmo a denunciar a crença positivista na possibilidade de uma ciência da sociedade, distinta da etnografia e da história. Se o objetivo de sua reflexão foi a história, não viu, contudo, o homem como fruto da história nem a história como resultado somente da vontade humana. Para ele, o homem não estava na história. Era história. Mas, mesmo que Paz tenha resgatado o sentido do verdadeiro historiador, não se colocou tampouco neste papel. Sua paixão foi a poesia e o que elaborou não foi teoria, mas testemunho. O que nos lega com sua morte, é o testemunho político de um poeta.
Paz enfrentou com coragem as questões de seu tempo, indicou caminhos e nadou, a cada livro, contra a correnteza, com emoção, independência e honestidade intelectual. Com rara elegância de estilo, teceu um pensamento político que tem a dimensão da poesia.


João Almino é escritor e diplomata, autor dos romances "Idéias para Onde Passar o Fim do Mundo" e "Samba-Enredo".



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