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PONTO DE FUGA
Berg e Chéreau
JORGE COLI
especial para a Folha, em Paris
Em 1925, na sua estréia, "Wozzeck", de Alban Berg, "foi um dos
maiores sucessos que uma ópera já
conheceu", como testemunhou
Schoenberg. De fato, naqueles
anos de 1920, somente "Turandot",
de Puccini, obteve um triunfo tão
estrondoso. Isto sempre embaraçou Adorno, descrente de que um
público mais vasto pudesse reconhecer, de imediato, uma obra
realmente elevada. Mas é que a genialidade de "Wozzeck" não é feita
apenas de música "pura": ela é
substancialmente teatral e age sobre os espectadores como uma armadilha inevitável. Em Paris, no
teatro do Chatelet, Patrice Chéreau concebe uma montagem de
"Wozzeck" e concentra-se na direção dos atores, obtendo o milagre
de tornar cantores de ópera ágeis,
com domínio pleno do corpo e dos
gestos. Ele os faz correrem e agitarem-se diante dos cenários poéticos e simplificados de Richard Peduzzi. A filiação de "Wozzeck" a
Strindberg sobressai por meio da
despojada dramaturgia que sublinha, como nunca, o conflito dos
personagens: a possível dimensão
simbólica ou emblemática atenua-se e cresce a espessura humana. Os matizes da Staatkapelle de
Berlim, sob a direção de Baremboim, criam sonoridades coerentes
com a humanização do drama. Estupendo espetáculo: mais uma vez,
"Wozzeck" deixa o público em delírio.
SEXO - "Lulu", a outra ópera de
Berg, é também apresentada em
Paris em nova produção da Ópera
da Bastilha: montagem bastante
neutra, mas música que flui, cristalina. A protagonista dos episódios complicadíssimos inventados
por Wedekind adquiriu, no cinema, o rosto definitivo de Louise
Brooks, dirigida por Pabst. A "Lulu" de Berg é, talvez, menos carnal,
numa obra concebida como uma
espécie de "divertissement" que se
metamorfoseia em tensão e drama, sem nunca perder a leveza. A
heroína não possui sentimentos e
arma tramóias, mas a música de
Berg se preocupa em acentuar a
força de um erotismo involuntário
que a ultrapassa e que é, ele, o
agente dos males. "Lulu" afirma
um desejo que se exacerba diante
do prazer contrariado por horrores morais ou físicos, culminando,
no fim, com o gesto assassino de
Jack, o estripador, em que a moral
doentia encontra seu justiceiro ao
mesmo tempo em que permite o
gozo.
DIAFRAGMA - "A fotografia
não é arte." Esta frase é de Man
Ray, a quem o Centro Georges
Pompidou consagra exaustiva
mostra em Paris, trazendo tiragens originais, contatos anotados e
estudos preparatórios. Man Ray
não buscava nunca o instantâneo
do efêmero. Construía poses e objetos, manipulando negativos e
imagens. Com ele, o surrealismo
visual chegou a um apogeu. Mesmo suas obras ditas "comerciais"
flutuam em mistério e se abrem
para o infinito.
LA BELLA MANIERA - Francesco Salviati é um esquecido artista florentino do Renascimento
tardio, que o Museu do Louvre revela em exposição. Pintura preciosa e secreta, em que Cristo pode
desnudar-se em pose de bailarino:
arte maneirista, mas contida, tentando atenuar perversões latentes
que afloram de qualquer jeito.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli@correionet.com.br
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