São Paulo, domingo, 24 de junho de 2001

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Em entrevista exclusiva, o Nobel de Física Steven Weinberg fala da divulgação científica como forma de atrair novos talentos e conquistar a opinião pública, essencial para o financiamento da pesquisa

A Física elegante

Alexandra Ozorio de Almeida
Editora-assistente de Ciência

Nos anos 40, quando chegava do colégio secundário no Bronx, bairro de Nova York, Steven Weinberg mergulhava nos livros de divulgação científica de George Gamow e Arthur Eddington. "Eles não eram bem-sucedidos em tornar a ciência mais clara, mas o que era claro era a empolgação com essas descobertas", diz o físico, que, três décadas depois, dividiria um Nobel com Sheldon Glashow, seu colega de classe no Bronx High School, e com o físico paquistanês Abdus Salam. Weinberg é ardente defensor da divulgação científica. "Gosto de pensar que, em algum lugar do mundo, há um estudante de colegial pouco atlético que está se perguntando o que fazer com sua vida e que pode se animar com esse tipo de livro", explica o autor de "Os Três Primeiros Minutos" (1977), sobre a origem do Universo, traduzido em 22 línguas.
Weinberg, que trabalhou em universidades como Columbia e Harvard, desenvolveu pesquisas em várias áreas, como partículas elementares (os microcomponentes que formam o Universo), teoria quântica de campos e cosmologia. O Nobel veio em reconhecimento pelo trabalho de unificação de forças do Universo. Até o momento se conhecem quatro tipos de força: a gravidade, a eletromagnética e as forças nucleares fraca (presente no decaimento de núcleos de átomos, que então expelem elétrons) e forte (que mantém unido o núcleo do átomo). De acordo com o Modelo Padrão, cientistas defendem que, em um determinado estágio do Universo, essas forças eram uma só. Weinberg, Glashow e Salam deram um passo em direção à GUT (Grande Teoria da Unificação, na sigla em inglês), provando que, em uma dada temperatura (correspondente a um estágio "jovem" de desenvolvimento do Universo), as forças eletromagnética e nuclear fraca são equivalentes.
Desde 1982, Weinberg, que é casado e tem uma filha, trabalha na Universidade do Texas em Austin, de onde concedeu, por telefone, a entrevista a seguir.

Na introdução de alguns de seus textos, como a do livro "Os Três Primeiros Minutos", o sr. fala de conversas que teve com alunos ou de palestras que deu. Isso é uma fonte de inspiração para o seu trabalho não-técnico?
Sim, eu frequentemente começo com uma palestra, pego a transcrição e a edito, transformando o texto em um artigo. Foi o caso desse artigo que vocês estão reproduzindo. Com "Os Três Primeiros Minutos", o livro tem muito mais do que uma simples conversa de 40 minutos, mas foi a conversa que instigou o livro. Até mesmo outro livro meu, "Sonhos de uma Teoria Final" [Editora Rocco, 1994, R$ 36,50, único livro de Weinberg editado no Brasil", nasceu parcialmente de outras palestras e de testemunho que dei no Congresso dos EUA. Quando eu simplesmente sento e escrevo, em geral são textos técnicos, como meus livros sobre teoria quântica ou os meus artigos científicos. Essas coisas não nascem de conversas e são minha profissão principal. As outras coisas que escrevo são menos importantes para mim.
Apesar de não serem sua principal ocupação, seus livros de divulgação científica são famosos. Como o sr. vê esse papel de divulgador e como avalia os novos escritores desse ramo, como Brian Greene, de "O Universo Elegante"?
Esse é um livro excelente. Acredito que os melhores livros de divulgação científica estão se tornando cada vez melhores. Mas acho que ainda há alguns que só têm a intenção de fazer um estardalhaço e ter o máximo de leitores possível. Mas os melhores desses livros, como "O Universo Elegante", ou como livros de Edward O. Wilson ou Stephen Jay Gould, são excelentes. Muitos deles levantam questões muito sérias que são controversas mesmo dentro das ciências. Permitem que o público geral participe do tipo de discussão em que os cientistas estão envolvidos.
Sou fortemente a favor desse tipo de livro por duas razões. A primeira é que o trabalho da ciência depende muito do apoio do público. Há muito tempo passamos do ponto em que experimentos científicos podiam ser financiados por alguns cientistas ricos. Nós dependemos muito do apoio do governo. Isso só pode vir se as pessoas estiverem convencidas da qualidade instigante da pesquisa. Se o público não se animar com o nosso trabalho, não vai apoiá-lo. Isso é especialmente verdadeiro com um tipo de ciência mais primordial, que não tem nenhum tipo de aplicação prática, como cosmologia, física de partículas. O público apóia pesquisa biomédica, acompanhando-a ou não, porque sabe que é a fonte de cura para doenças. Mas não vai apoiar pesquisas sobre a descoberta das leis da natureza, a não ser que seja algo pelo qual passe a se interessar. Nós vimos isso durante os debates no Congresso sobre o supercolisor [Weinberg defendeu publicamente a construção do SSC (Supercondutor Supercolisor, na sigla em inglês), no Texas, que teria sido o maior acelerador de partículas do mundo, com 85 km de extensão e orçamento estimado em US$ 40 bilhões. O projeto foi suspenso". Alguns congressistas eram a favor porque percebiam o interesse econômico, especialmente se parte do trabalho fosse feita nos seus Estados. Outros eram contra porque não queriam gastar dinheiro naquilo. Mas havia outras pessoas, tanto no Senado quanto na Câmara, que estavam sinceramente interessadas na ciência do projeto, que eram defensores entusiastas porque haviam lido a respeito do trabalho e queriam vê-lo continuar.
O segundo motivo é porque em parte me tornei físico por causa de uma geração anterior de livros que eu li, escritos nas décadas de 1930 e 1940, como os de George Gamow, James Jeans e sir Arthur Eddington. Eles apresentavam as descobertas da física como sendo tremendamente emocionantes. Eu certamente tenho em alta conta esse tipo de literatura. Gosto de pensar que, em algum lugar do mundo, há um estudante de colegial pouco atlético que está se perguntando o que fazer com sua vida e que pode se animar com esse tipo de livro.
Seu livro "Sonhos de uma Teoria Final" foi feito para convencer o público americano da importância do projeto do SSC, não?
Eu estava tentando defender todo o programa de aprendizado sobre as leis da natureza, sobre os fundamentos da física. O supercolisor era o que jornalistas chamam de "gancho", isto é, algo que havia aparecido recentemente no noticiário e que abria uma oportunidade para discutir outras questões correlatas. A maior parte das coisas que eu discuto no livro não tem diretamente a ver com o supercolisor.
O projeto acabou não sendo aprovado pelo Congresso. E temos visto a verba rareando para aceleradores de partículas como Cern e Fermilab. Há uma tendência de queda de interesse e de investimento na física, especificamente na física de partículas?
Eu acredito que sim. Na proposta de orçamento que acaba de ser apresentada pelo governo dos EUA, apesar de conter um aumento nos gastos com pesquisas médicas, a Fundação Nacional de Ciência e o Departamento de Energia sofreram um corte considerável. E esse é um momento em que temos um saldo positivo no orçamento federal, que vai ser devolvido ao público na forma de redução de impostos.
Infelizmente, como os nossos experimentos se tornam cada vez mais caros -pois precisamos alcançar níveis de energia cada vez mais altos-, a disposição para financiá-los está diminuindo. Certamente uma parte disso se deve ao fim da Guerra Fria. Na verdade, esse tipo de pesquisa científica nunca teve nada a ver com defesa nacional, mas havia uma impressão geral de que a América tinha de estar no mesmo pé que a Rússia na física básica, assim como em outras coisas, como mandar o homem à Lua -que também não tinha nada a ver com defesa nacional. Essa motivação acabou. E sem ela fica mais difícil convencer o Congresso da importância desse tipo de pesquisa. Mas a gente tenta. É maravilhoso que, apesar da redução nos gastos, muitos cientistas jovens e energéticos continuem vindo trabalhar no nosso campo. Não sofremos de falta de talento.
Em seus textos, o sr. é incisivo ao opor ciência e religião. Mas a ciência aparenta ter adquirido um papel um pouco religioso, dogmático, no sentido de sua inquestionabilidade. Se alguém afirma que a ciência provou algo, as pessoas acreditam, mesmo sem entender como isso se deu. O sr. concorda?
Acredito que seja uma questão prática. Todo mundo depende imensamente de aceitar a autoridade intelectual, de modos bastante variados. Se eu for ao médico e ele me disser que um remédio reduzirá a minha pressão sanguínea, eu o tomarei. Se eu olhar para uma tabela de dados numéricos, aceito que quem a produziu provavelmente acertou os números. Se eu consultar uma enciclopédia para ver o dia em que o Brasil se tornou independente de Portugal, vou acreditar na data lá escrita. Não é uma questão de fé, mas sim de experiência, a de que existem certas fontes de informação nas quais você pode confiar. E parte dos motivos pelos quais acredita-se nelas é que as pessoas têm alguma compreensão sobre como essa informação é obtida. E acho que um dos motivos pelos quais as pessoas confiam no que aprendem de cientistas é que elas sabem que a ciência é um empreendimento que se autocorrige. De tempos em tempos, cientistas percebem estar errados e eles mesmos tentam corrigir esses erros que fizeram, de uma forma que não vemos entre teólogos, por exemplo. Cientistas corrigem seus erros e, com muita alegria, corrigem erros de outros cientistas. Portanto, não é um negócio dominado por autoridades estabelecidas. Cientistas jovens podem fazer contribuições tremendas que são reconhecidas instantaneamente como sendo muito importantes. Por exemplo, a descoberta da estrutura de dupla hélice do DNA por Crick e Watson. O nome de Crick já era um pouco conhecido, ninguém havia ouvido falar em Watson, mas o trabalho deles foi imediatamente visto como algo tremendamente interessante. Não operamos de acordo com um sistema de hierarquia e autoridade onde apenas o mestre mais sênior é quem pode decidir o que é importante. A ciência é algo incrivelmente aberto e autocorretivo. Acho que esses são bons motivos para confiar nela quando cientistas lhe disserem coisas que você quer saber. É sempre preciso ouvir com cuidado para ver até onde eles têm certeza do que estão dizendo, se o que eles estão dizendo é um consenso bem estabelecido ou apenas a especulação mais recente. Não há alternativa a aceitar informação das autoridades, não dá para duvidar de tudo.


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