|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Em entrevista exclusiva, o Nobel de Física Steven Weinberg
fala da divulgação científica como forma de atrair novos talentos e conquistar a opinião pública, essencial para o financiamento da pesquisa
A Física elegante
Alexandra Ozorio de Almeida
Editora-assistente de Ciência
Nos anos 40, quando chegava do colégio secundário no Bronx, bairro de Nova York, Steven Weinberg mergulhava nos livros de divulgação científica de George Gamow e Arthur Eddington. "Eles não eram bem-sucedidos em tornar a ciência mais clara, mas o que era claro era a empolgação com essas descobertas", diz o físico, que, três
décadas depois, dividiria um Nobel com Sheldon Glashow, seu colega de classe no Bronx High School, e com
o físico paquistanês Abdus Salam. Weinberg é ardente
defensor da divulgação científica. "Gosto de pensar que,
em algum lugar do mundo, há um estudante de colegial
pouco atlético que está se perguntando o que fazer com
sua vida e que pode se animar com esse tipo de livro",
explica o autor de "Os Três Primeiros Minutos" (1977),
sobre a origem do Universo, traduzido em 22 línguas.
Weinberg, que trabalhou em universidades como Columbia e Harvard, desenvolveu pesquisas em várias
áreas, como partículas elementares (os microcomponentes que formam o Universo), teoria quântica de
campos e cosmologia. O Nobel veio em reconhecimento pelo trabalho de unificação de forças do Universo.
Até o momento se conhecem quatro tipos de força: a
gravidade, a eletromagnética e as forças nucleares fraca
(presente no decaimento de núcleos de átomos, que então expelem elétrons) e forte (que mantém unido o núcleo do átomo). De acordo com o Modelo Padrão, cientistas defendem que, em um determinado estágio do
Universo, essas forças eram uma só. Weinberg, Glashow e Salam deram um passo em direção à GUT (Grande Teoria da Unificação, na sigla em inglês), provando
que, em uma dada temperatura (correspondente a um
estágio "jovem" de desenvolvimento do Universo), as
forças eletromagnética e nuclear fraca são equivalentes.
Desde 1982, Weinberg, que é casado e tem uma filha,
trabalha na Universidade do Texas em Austin, de onde
concedeu, por telefone, a entrevista a seguir.
Na introdução de alguns de seus textos, como a do livro
"Os Três Primeiros Minutos", o sr. fala de conversas que
teve com alunos ou de palestras que deu. Isso é uma fonte de inspiração para o seu trabalho não-técnico?
Sim, eu frequentemente começo com uma palestra,
pego a transcrição e a edito, transformando o texto
em um artigo. Foi o caso desse artigo que vocês estão
reproduzindo. Com "Os Três Primeiros Minutos", o
livro tem muito mais do que uma simples conversa
de 40 minutos, mas foi a conversa que instigou o livro. Até mesmo outro livro meu, "Sonhos de uma
Teoria Final" [Editora Rocco, 1994, R$ 36,50, único
livro de Weinberg editado no Brasil", nasceu parcialmente de outras palestras e de testemunho que dei
no Congresso dos EUA. Quando eu simplesmente
sento e escrevo, em geral são textos técnicos, como
meus livros sobre teoria quântica ou os meus artigos
científicos. Essas coisas não nascem de conversas e
são minha profissão principal. As outras coisas que
escrevo são menos importantes para mim.
Apesar de não serem sua principal ocupação, seus livros
de divulgação científica são famosos. Como o sr. vê esse
papel de divulgador e como avalia os novos escritores
desse ramo, como Brian Greene, de "O Universo Elegante"?
Esse é um livro excelente. Acredito que os melhores
livros de divulgação científica estão se tornando cada vez melhores. Mas acho que ainda há alguns que
só têm a intenção de fazer um estardalhaço e ter o
máximo de leitores possível. Mas os melhores desses
livros, como "O Universo Elegante", ou como livros
de Edward O. Wilson ou Stephen Jay Gould, são excelentes. Muitos deles levantam questões muito sérias que são controversas mesmo dentro das ciências. Permitem que o público geral participe do tipo
de discussão em que os cientistas estão envolvidos.
Sou fortemente a favor desse tipo de livro por duas
razões. A primeira é que o trabalho da ciência depende muito do apoio do público. Há muito tempo
passamos do ponto em que experimentos científicos
podiam ser financiados por alguns cientistas ricos.
Nós dependemos muito do apoio do governo. Isso
só pode vir se as pessoas estiverem convencidas da
qualidade instigante da pesquisa. Se o público não se
animar com o nosso trabalho, não vai apoiá-lo. Isso
é especialmente verdadeiro com um tipo de ciência
mais primordial, que não tem nenhum tipo de aplicação prática, como cosmologia, física de partículas.
O público apóia pesquisa biomédica, acompanhando-a ou não, porque sabe que é a fonte de cura para
doenças. Mas não vai apoiar pesquisas sobre a descoberta das leis da natureza, a não ser que seja algo
pelo qual passe a se interessar. Nós vimos isso durante os debates no Congresso sobre o supercolisor
[Weinberg defendeu publicamente a construção do
SSC (Supercondutor Supercolisor, na sigla em inglês), no Texas, que teria sido o maior acelerador de
partículas do mundo, com 85 km de extensão e orçamento estimado em US$ 40 bilhões. O projeto foi
suspenso". Alguns congressistas eram a favor porque percebiam o interesse econômico, especialmente se parte do trabalho fosse feita nos seus Estados.
Outros eram contra porque não queriam gastar dinheiro naquilo. Mas havia outras pessoas, tanto no
Senado quanto na Câmara, que estavam sinceramente interessadas na ciência do projeto, que eram
defensores entusiastas porque haviam lido a respeito
do trabalho e queriam vê-lo continuar.
O segundo motivo é porque em parte me tornei físico por causa de uma geração anterior de livros que
eu li, escritos nas décadas de 1930 e 1940, como os de
George Gamow, James Jeans e sir Arthur Eddington.
Eles apresentavam as descobertas da física como
sendo tremendamente emocionantes. Eu certamente tenho em alta conta esse tipo de literatura. Gosto
de pensar que, em algum lugar do mundo, há um estudante de colegial pouco atlético que está se perguntando o que fazer com sua vida e que pode se animar com esse tipo de livro.
Seu livro "Sonhos de uma Teoria Final" foi feito para convencer o público americano da importância do projeto do
SSC, não?
Eu estava tentando defender todo o programa de
aprendizado sobre as leis da natureza, sobre os fundamentos da física. O supercolisor era o que jornalistas chamam de "gancho", isto é, algo que havia aparecido recentemente no noticiário e que abria uma
oportunidade para discutir outras questões correlatas. A maior parte das coisas que eu discuto no livro
não tem diretamente a ver com o supercolisor.
O projeto acabou não sendo aprovado pelo Congresso.
E temos visto a verba rareando para aceleradores de partículas como Cern e Fermilab. Há uma tendência de queda de interesse e de investimento na física, especificamente na física de partículas?
Eu acredito que sim. Na proposta de orçamento que
acaba de ser apresentada pelo governo dos EUA,
apesar de conter um aumento nos gastos com pesquisas médicas, a Fundação Nacional de Ciência e o
Departamento de Energia sofreram um corte considerável. E esse é um momento em que temos um saldo positivo no orçamento federal, que vai ser devolvido ao público na forma de redução de impostos.
Infelizmente, como os nossos experimentos se tornam cada vez mais caros -pois precisamos alcançar níveis de energia cada vez mais altos-, a disposição para financiá-los está diminuindo. Certamente
uma parte disso se deve ao fim da Guerra Fria. Na
verdade, esse tipo de pesquisa científica nunca teve
nada a ver com defesa nacional, mas havia uma impressão geral de que a América tinha de estar no
mesmo pé que a Rússia na física básica, assim como
em outras coisas, como mandar o homem à Lua
-que também não tinha nada a ver com defesa nacional. Essa motivação acabou. E sem ela fica mais
difícil convencer o Congresso da importância desse
tipo de pesquisa. Mas a gente tenta. É maravilhoso
que, apesar da redução nos gastos, muitos cientistas
jovens e energéticos continuem vindo trabalhar no
nosso campo. Não sofremos de falta de talento.
Em seus textos, o sr. é incisivo ao opor ciência e religião.
Mas a ciência aparenta ter adquirido um papel um pouco
religioso, dogmático, no sentido de sua inquestionabilidade. Se alguém afirma que a ciência provou algo, as
pessoas acreditam, mesmo sem entender como isso se
deu. O sr. concorda?
Acredito que seja uma questão prática. Todo mundo
depende imensamente de aceitar a autoridade intelectual, de modos bastante variados. Se eu for ao médico e ele me disser que um remédio reduzirá a minha pressão sanguínea, eu o tomarei. Se eu olhar para uma tabela de dados numéricos, aceito que quem
a produziu provavelmente acertou os números. Se
eu consultar uma enciclopédia para ver o dia em que
o Brasil se tornou independente de Portugal, vou
acreditar na data lá escrita. Não é uma questão de fé,
mas sim de experiência, a de que existem certas fontes de informação nas quais você pode confiar. E
parte dos motivos pelos quais acredita-se nelas é que
as pessoas têm alguma compreensão sobre como essa informação é obtida. E acho que um dos motivos
pelos quais as pessoas confiam no que aprendem de
cientistas é que elas sabem que a ciência é um empreendimento que se autocorrige. De tempos em
tempos, cientistas percebem estar errados e eles
mesmos tentam corrigir esses erros que fizeram, de
uma forma que não vemos entre teólogos, por exemplo. Cientistas corrigem seus erros e, com muita alegria, corrigem erros de outros cientistas. Portanto,
não é um negócio dominado por autoridades estabelecidas. Cientistas jovens podem fazer contribuições tremendas que são reconhecidas instantaneamente como sendo muito importantes. Por exemplo, a descoberta da estrutura de dupla hélice do
DNA por Crick e Watson. O nome de Crick já era um
pouco conhecido, ninguém havia ouvido falar em
Watson, mas o trabalho deles foi imediatamente visto como algo tremendamente interessante. Não operamos de acordo com um sistema de hierarquia e
autoridade onde apenas o mestre mais sênior é
quem pode decidir o que é importante. A ciência é
algo incrivelmente aberto e autocorretivo. Acho que
esses são bons motivos para confiar nela quando
cientistas lhe disserem coisas que você quer saber. É
sempre preciso ouvir com cuidado para ver até onde
eles têm certeza do que estão dizendo, se o que eles
estão dizendo é um consenso bem estabelecido ou
apenas a especulação mais recente. Não há alternativa a aceitar informação das autoridades, não dá para
duvidar de tudo.
Texto Anterior: + 5 livros Sobre o diabo Próximo Texto: Steven Weinberg: Os limites da explicação científica (1) Índice
|