São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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Filhos não reconhecem os pais

Cerca de 40% dos trabalhadores na colheita de cana-de-açúcar em SP são migrantes provisórios

DOS ENVIADOS AO INTERIOR DE SP

H ouve um dia em que Raimundo Francisco foi contar a história da sua vida aos seis companheiros com quem divide uma casa no interior de São Paulo. Nenhum ficou até o fim. "Para não chorar", diz. Todos são do Maranhão. Seis vieram de Codó, um de Timbiras, municípios cujos índices sociais fazem dos bairros pobres de SP o melhor lugar do mundo.
Reginaldo trabalhava na roça própria. Fora da época da colheita, "o pior do dia era chegar em casa e não ter o que comer". No fim do ano, ele reencontrava os amigos que desde abril estavam para os lados do sul colhendo cana. Apareciam com "uma motinho, um som". "Eu queria ter também."
Como os outros maranhenses que se apertam em dois cômodos. O mais novo tem 22 anos. O mais velho, 46. São casados, com quatro filhos na média. Dois são alfabetizados.
Dizem ganhar de R$ 700 a R$ 900 mensais brutos, mantêm contratos de safristas com usinas -em novembro rumam para o Maranhão. Sustentam-se longe de suas terras, mandam ajuda e persistem no sonho de não retornar de mãos vazias. Falam dos filhos que não os reconhecem na volta. Dois garotos de Raimundo choraram e fugiram ao vê-lo.
A União da Indústria da Cana-de-Açúcar estima que pelo menos 54 mil cortadores de cana do Estado (40% da mão-de-obra) sejam migrantes provisórios. Deve haver mais, porque muitos já são inscritos com seus endereços paulistas. Milhares desembarcam em ônibus alugados por eles ou por "gatos", os intermediários da contratação para o corte.
Na leseira da folga semanal, os colegas inventariam estragos. Edizon cortou um dedo amolando o facão. Com dor na coluna, Manoel não comparece à lavoura há dois dias.
Pedem que não se diga em que cidade moram, mas permitem a gravação da entrevista. Sabem de quem arruma outra família, "local". E de conhecidos que voltaram oito meses depois e deram com a mulher recém-barriguda. As moças paulistas da vizinhança não estão nem aí para os cortadores. Amigos lastimam que, no prostíbulo, a rameira menos cotada cobre o equivalente a um dia e meio de salário do trabalhador.


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