São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2006

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Desafio secular

Para o teólogo inglês John Milbank, islamismo olha a modernidade "com horror"

LUIZ FELIPE PONDÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA

John Milbank é um dos teólogos mais importantes da atualidade. De difícil enquadramento político, seu grupo de elite, "Radical Orthodoxy" [Ortodoxia Radical], reuniu-se em Granada, na Espanha, entre 15 e 18 deste mês, discutindo pós-modernidade e teologia.
Anglo-católico, Milbank tem criticado duramente a submissão da teologia às ciências sociais. Para ele, a sociologia permanece uma "religião civil", na medida em que acredita na sociedade como organismo de sentido e no Estado moderno como instância reguladora.
Não avançamos muito de Comte a Durkheim, só fingimos que não adoramos mais o "social em si". Afirmar que o "social" seja um dado é puro a priori ideológico.

 

FOLHA - O que o senhor pensa do fundamentalismo islâmico?
JOHN MILBANK
- Os EUA são um problema tão grande quanto o fundamentalismo islâmico. O islamismo tem uma tendência a interpretações literais dos textos sagrados. Eles têm sérias dificuldades com leituras alegóricas e críticas com relação "à" palavra de Deus do Alcorão. Olham a modernidade com horror. Suspeitam da política secular. São críticos duros do secularismo. Está aí um desafio para a teologia da libertação.

FOLHA - Mas o secularismo é um problema?
MILBANK
- Sim. Nele só sobra o "poder", o utilitarismo. O modo de se relacionar com o tempo é mediado pelo "ganhar dinheiro" e pelo consumo frenético. A vida se torna banal e desesperada.

FOLHA - Qual é o papel da teologia além da luta social ou da auto-ajuda? E o do papa?
MILBANK
- Restabelecer uma eclesiologia séria. A igreja é o único espaço de redenção social possível. O marxismo não soube o que fazer com a igualdade que buscou. É necessário definir o conteúdo da igualdade em jogo. Igualdade de escolhas não basta. Quanto ao papa, ele tem a "mão dura", mas é muito melhor teólogo do que todos os seus críticos. A encíclica "Deus É Amor" discute problemas além dos limites comuns.
Por exemplo, toca a dimensão teológica do sexo. Bento 16 percebe muito bem que não há essa fronteira evidente entre razão e revelação.

FOLHA - E quanto ao amor entre homossexuais e o papel da mulher na Igreja?
MILBANK
- Acho que a Igreja Católica erra negando o sacerdócio às mulheres. A mulher tem uma vocação profunda para a disciplina teológica. Quanto ao homossexualismo, a questão é infinitamente mais complicada. Não acho que se deva abrir mão da heterossexualidade como norma, pois o homossexualismo é essencialmente narcisista, e isso é um problema. Um "mundo homossexual" aumentaria a rivalidade entre homens e mulheres. Seria catastrófico. Acho necessário criticarmos as obviedades liberais em sexualidade. Sou contra o casamento entre homossexuais e a adoção de crianças. Provavelmente teriam problemas psicológicos graves. A heterossexualidade como normatividade da vida guarda muito mais o valor da diferença. Amar quem você não entende é uma experiência muito maior.
Mas isso não me impede de pensar que, teologicamente, há que se encontrar um lugar para o homossexualismo que não seja identificado com o mal puro e simples.


LUIZ FELIPE PONDÉ é professor no programa de pós-graduação em ciências da religião e do departamento de teologia da Pontifícia Universidade Católica-SP e da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado. A íntegra desta entrevista será publicada no nš 4 (ainda inédito) da revista "Agnes", do Núcleo de Estudos em Mística e Santidade da PUC-SP.


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