São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 1998.



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HISTÓRIA
A visão política de Sérgio Buarque de Holanda



Antonio Candido analisa "Raízes do Brasil" à luz do "radicalismo democrático" do historiador
ANTONIO CANDIDO
especial para a Folha

1
A minha intenção é propor uma leitura relativamente livre, mas acho que não arbitrária, do capítulo final de "Raízes do Brasil". Para isso, é preciso fazer algumas considerações prévias.
Sérgio Buarque de Holanda nunca foi militante político propriamente dito, mas teve desde moço consciência política e posições ideológicas definidas para o lado da esquerda, e como tal sempre foi tido. Em 1928, por exemplo, quando era bem jovem, foi convidado para ser candidato a vereador no Rio de Janeiro pelo Bloco Operário Camponês, agrupamento de frente única orientado pelo Partido Comunista, mas recusou. Em 1929 viajou para a Alemanha e pôde presenciar os primeiros atos de selvageria dos nazistas em Berlim, onde, aliás, eles custaram a se implantar. Essa experiência lhe mostrou ao vivo o que era o fascismo. De volta ao Brasil no fim de 1930 posicionou-se contra a ditadura de Getúlio Vargas, chamada naquela primeira fase Governo Provisório. Tanto assim, que em 1932 ficou ao lado da Revolução Constitucionalista de São Paulo, chegando a ser detido por manifestar-se publicamente.
Mais tarde, em 1942, participou da fundação e a seguir das atividades da Associação Brasileira de Escritores, a famosa ABDE, que visava ostensivamente a defender os interesses profissionais, sobretudo os direitos autorais, mas se dispunha também a lutar na medida do possível, como lutou, pela volta das liberdades democráticas. Os recursos usados pelos intelectuais para fazer oposição ao Estado Novo, instaurado em novembro de 1937, foram muitos. A ABDE foi dos mais eficazes. Em janeiro de 1945 ela realizou em São Paulo o 1º Congresso Brasileiro de Escritores, do qual Sérgio Buarque de Holanda participou como membro da delegação carioca. No fim dos trabalhos o congresso lançou um manifesto pedindo a volta das liberdades que os jornais não puderam publicar devido à forte censura. Foi então lido na sessão de encerramento no Teatro Municipal e distribuído em volantes.
Em agosto de 1945 fundou-se no Rio de Janeiro a Esquerda Democrática, agrupamento que assumiria em 1947 o nome de Partido Socialista Brasileiro. Sérgio foi dos membros fundadores e nela atuou. Mudando para São Paulo em 1946 continuou filiado e em 1950 foi candidato a deputado estadual em cumprimento a solicitação partidária, mas sem a menor vontade, sendo que ele próprio aconselhava a não votar no seu nome...
Voltando à sua atuação no que se pode chamar de política literária, menciono que foi presidente nacional da ABDE quando morava no Rio e, quando mudou para São Paulo, da sua secção local, tendo atuação destacada em vários momentos. Por exemplo: no 2º Congresso Paulista de Escritores, realizado na cidade de Jaú em 1949.
Na luta contra a ditadura Vargas, a associação tinha efetuado o congraçamento, contra o inimigo comum, das diversas correntes políticas: liberais, socialistas democráticos, stalinistas, trotskistas. No entanto, derrubada a ditadura em 1945 os associados realmente interessados na literatura e nos direitos da inteligência entenderam que era chegada a hora de deixar claro que a tônica nesses interesses era a sua razão de ser, sem prejuízo da dimensão política, mas sem subordinação a ela, como no momento de combate ao Estado Novo. No entanto, os comunistas, que estavam de novo na ilegalidade, queriam prolongar o papel predominantemente político da ABDE e mesmo atrelá-la à orientação estrita do seu partido.
Nós, do Partido Socialista, predominávamos na direção da secção paulista, da qual eu era presidente por ocasião do 2º Congresso local. Propus então que a declaração de princípios desse destaque aos direitos da inteligência e da criação, reconhecendo que cada escritor deve atender antes de mais nada a eles. Era uma guinada em relação ao cunho político das declarações anteriores e houve embates duros, mas o nosso ponto de vista prevaleceu e adotou-se a nossa proposta de redação, pensada por Sérgio Milliet, Sérgio Buarque de Holanda, Lourival Gomes Machado e eu. A redação final foi de Sérgio Buarque de Holanda e quem leu o documento foi Sérgio Milliet. Dou esta informação para mostrar a orientação ideológica do nosso grupo de socialistas democráticos em política cultural e para ilustrar a atuação de Sérgio Buarque de Holanda nesse sentido.
Implantada a ditadura militar pelo golpe de 31 de março de 1964, ele sempre se opôs abertamente a ela. Em 1969, quando foram aposentados arbitrariamente alguns colegas da nossa Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, como já tinha tempo suficiente de serviço ele se aposentou, num gesto de protesto e solidariedade. A fase mais sinistra da ditadura começou naquele ano, e durante os muitos que ela durou Sérgio nunca deixou de marcar a sua oposição, da qual dou um exemplo. No tempo do governo Médici surgiu no Congresso um deputado do MDB de grande força e energia oposicionista, Oscar Pedroso Horta, que enfrentou o regime com bravura e constância, de maneira a tornar-se um ponto de referência para as oposições. Sérgio organizou, então, creio que o primeiro manifesto oposicionista de intelectuais em São Paulo, declarando apoio a Oscar Pedroso Horta. Felizmente o manifesto pôde ser publicado nos jornais e valeu por uma brecha aberta. Na mesma altura foi vice-presidente do Centro Brasil Democrático, ideado por Oscar Niemeyer.
Essas informações visam a sugerir a constante preocupação política de Sérgio Buarque de Holanda e a sua opção socialista, que se prolongou pela adesão imediata ao Partido dos Trabalhadores, do qual foi um dos fundadores em 1980. E com isso chego ao tema da minha comunicação, que, como ficou dito, pretende ressaltar certos aspectos políticos do seu livro inicial e mais famoso, "Raízes do Brasil", com referência ao último capítulo.



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