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+ Cultura
A invenção do blues
Historiadora defende que o gênero musical foi em parte criado por folcloristas brancos, em busca de "autenticidade"
LUDOVIC HUNTER-TILNEY
Antes de ler este livro, eu pensava saber de onde vinha o
blues: do delta do
Mississippi, onde
os agricultores negros americanos, oprimidos pela pobreza e o
racismo, transformavam seu
sofrimento em música.
Essa é a versão difundida por
inúmeras histórias do blues,
que pintam uma paisagem do
delta com campos de algodão e
cabanas de madeira por onde
vaga o bluesman arquetípico,
armado de violão, garrafa e canivete, tocando sua música melancólica e atemporal.
Ele é um solitário, um marginal, um proscrito - e, é claro,
um homem, pois como insistiu
o folclorista Alan Lomax em
sua memória de 1993, "The
Land Where the Blues Began"
[A Terra Onde o Blues Começou], essa "não era uma vida
para mulheres".
Lomax foi um dos vários musicólogos e colecionadores
brancos de discos que divulgaram o blues entre o público
branco. Sem seus esforços, o
blues, progenitor do rock, não
teria encontrado um grande
número de apreciadores.
O mundo teria um som muito diferente.
Mas esses arquivistas do
blues não eram os observadores inocentes que declaravam
ser. Em "In Search of the Blues
- Black Voices, White Visions"
[Em Busca do Blues - Vozes
Negras, Visões Brancas, ed. Jonathan Cape, 256 pp., 12,99 libras, R$ 52,80], a historiadora
Marybeth Hamilton afirma
que eles não apenas "descobriram" o blues do delta como o
inventaram, movidos por um
desejo de autenticidade e naturalidade e consumidos por
idéias exóticas do canto negro e
de uma humanidade excluída.
Como românticos que anseiam pelo sublime, eles percorreram o sul profundo em
excursões a penitenciárias e
plantações, em busca de vozes
pré-modernas, "impolutas".
O fascínio pelo canto negro
remontava ao movimento abolicionista de meados do século
19, mas adquiriu um novo ímpeto na década de 1930, quando a migração para as cidades e
o crescente mercado de gravações musicais ameaçavam erradicar os hábitos de transmissão oral do folclore.
Tristeza melancólica
Enquanto os negros que
compravam discos preteriam o
blues pelo jazz (o som da modernidade negra), os brancos
entusiastas do blues lamentavam a perda da "verdadeira"
música negra e saíam em busca
da "voz afro-americana como
era antes que as gravadoras a
encampassem".
O que era necessário na música negra, segundo o musicólogo John Lomax, pai de Alan, era
a "pureza primitiva" e a "tristeza melancólica" -não a síncope
urbana e estridente do jazz.
O importante livro de Hamilton traça um perfil dos folcloristas e colecionadores que
moldaram o conceito do blues
do Delta. John e Alan Lomax
são centrais em sua história,
pois representam duas linhas
diversas de pensamento.
John se interessava pela autenticidade da música folclórica negra, e não por sua mensagem ou entorno social.
Sua indiferença pela vida dos
indivíduos negros cujas canções ele induzia fica patente em
seu relacionamento com Huddie Ledbetter, conhecido como
Lead Belly, um bluesman que
conheceu numa visita a uma
prisão em 1933.
Tendo conseguido sua libertação, Lomax tratou Lead Belly
como uma curiosidade circense, exibindo-o em roupa listrada de prisioneiro em shows em
Nova York e exigindo direitos
autorais sobre sua música.
Alan nunca criticou publicamente seu pai, embora ele próprio gravitasse para a esquerda.
Ele idealizou o blues como
"uma rica evocação dos subterrâneos da América", uma música "de protesto e orgulho".
Hamilton chega a lançar dúvidas sobre a identificação do
Delta do Mississippi como berço do blues. "No centro desta
história está a idéia venerável
da pura e incorrupta voz negra", escreve.
O fato de o Delta ter sido escolhido como sua origem se deve-se mais à imaginação que ao
fato histórico: os revivificadores do blues dos anos 60, ela sugere, rebatizaram o "country-blues" de "Delta blues" durante
uma discussão interna.
Sua argumentação toma alguns atalhos arriscados, mas o
livro é plausível e instigante.
Este texto foi publicado no "Financial Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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