|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A cidade proibida
Olimpíadas de 2008 devem
incrementar número de museus
na capital, mas os atuais sofrem com
o descuido e a falta de verbas
MURE DICKIE
Pequim é a capital artística e política de
uma das maiores civilizações do mundo,
mas há muito tempo
os museus da cidade são uma
vergonha.
Visitantes e cidadãos que desejam conhecer as riquezas
culturais da China muitas vezes têm de olhar através de vidros empoeirados para objetos
mal iluminados e pouco explicados, de autenticidade duvidosa. O mau cheiro dos banheiros descuidados paira sobre salas e corredores do Museu Nacional, que geralmente se sai
melhor exibindo estátuas de
cera de David Beckham e Gêngis Khan do que seus antigos
bronzes e jades.
O Museu do Palácio, mantenedor da fabulosa Cidade Proibida, é uma glória arquitetônica, mas está estranhamente vazio; as autoridades só abrem
suas salas mais guarnecidas para visitantes importantes e
mantêm a maior parte de seus
tesouros escondida em porões.
O estado lastimável dos museus de Pequim é um sintoma
do duradouro desprezo pelo
passado demonstrado pelo
Partido Comunista desde a Revolução de 1949 [quando Mao
Tse-tung chegou ao poder].
Durante décadas, o legado do
país foi no mínimo negligenciado. E, durante a Revolução Cultural, em 1966-76, milhões de
guardas vermelhos inspirados
por Mao percorreram o país
destruindo qualquer coisa relacionada aos antigos costumes
"feudais".
Pazes com o passado
Depois de abandonar o
maoísmo no início da década de
1980, o partido começou a enxergar o valor de fazer as pazes
com o passado imperial.
Mas as pressões orçamentárias e o enfoque em locais que
atraem multidões de turistas,
como a Grande Muralha -partes da qual foram maciçamente
reconstruídas-, fizeram com
que o papel mais sutil dos museus continuasse amplamente
desprezado.
Apenas um quarto dos 80
museus municipais e distritais
de Pequim tem sistemas de
controle de temperatura e umidade, expondo inúmeras relíquias frágeis a danos desnecessários. A conservação é complicada pela luta constante para
cobrir os custos com as vendas
de ingressos.
Em uma entrevista à mídia
estatal três anos atrás, o diretor
do Departamento Municipal de
Patrimônio Cultural de Pequim, Mei Ninghua, culpou a
fraca receita dos ingressos pela
falta de interesse dos moradores pelos museus, mas reconheceu que essa indiferença é
compreensível.
"Parte da razão é que as exposições na maioria dos museus são antiquadas e entediantes", disse.
Mas as coisas estão mudando. O rápido crescimento econômico e a crescente receita
dos impostos deram ao governo mais verbas para gastar em
atividades culturais.
As autoridades, cada vez
mais cosmopolitas, decidiram
que a China deve possuir todos
os equipamentos de uma grande potência moderna e não desejam mais ver seus museus tão
atrasados em relação aos dos
países desenvolvidos.
Ao mesmo tempo, o abandono da ideologia comunista pelo
partido o levou a buscar outras
maneiras de sustentar sua legitimidade e manter a união nacional -e celebrar o legado cultural da China é uma dessas
maneiras.
Um exemplo drástico dessa
mudança de atitude é o enorme
Museu da Capital, em Pequim,
um novo repositório para as
maravilhas culturais da cidade,
que pretende exibir as realizações artísticas chinesas e mapear o desenvolvimento da
própria Pequim desde tempos
pré-históricos até hoje.
Enquanto a maioria dos museus de Pequim sofre com fachadas decadentes e salas sombrias, o Museu da Capital exibe
um enorme saguão central dominado por uma rotunda inclinada em forma de urna, com
decoração em bronze inspirada
em artefatos da era Zhou, dos
séculos 11 a.C. a 8º a.C.
Os arquitetos do museu, o
francês Arep e o China Architecture Design and Research
Group, fizeram a rotunda irromper pela fachada do prédio,
coberta de vidro. O telhado é
inspirado na arquitetura tradicional chinesa, mas também
emprega painéis solares.
Essa extravagância não foi
barata nem fácil. O novo museu
custou ao governo US$ 168 milhões [R$ 349,6 milhões], muito acima das estimativas, e sua
construção levou um ano a
mais do que se previa. Mas o resultado é um museu amplo e
arejado, completamente diferente dos outros da cidade.
Igualmente bem-vindos são
os esforços do Museu da Capital para atrair as crianças, dando-lhes uma oportunidade de
fazer pintura e cerâmica
-abordagem estranha à maioria dos museus de Pequim.
Legendas engajadas
Ao contrário de seus colegas
de outras instituições culturais
da capital, os funcionários também parecem entusiasmados.
"Como se diz "proibido fotografar", em inglês?", pergunta um
atendente a um visitante estrangeiro que fala mandarim.
O Museu da Capital tem seus
problemas. Apesar da qualidade das exposições clássicas, ele
não se compara ao Museu de
Xangai, que se tornou o primeiro museu de padrão mundial da
China após sua reinauguração
em um novo prédio, em 1996.
Hoje em um edifício notável
no centro da cidade, o Museu
de Xangai reforçou seu acervo
com doações de emigrantes ricos e introduziu inovações, como a iluminação que diminui
automaticamente quando não
há visitantes próximos.
Como toda a cultura aprovada oficialmente na China, o
Museu da Capital também está
submetido à versão de correção
política do Partido Comunista.
A maioria das legendas parece politicamente neutra, mas a
apresentação de uma exposição de estátuas do Tibete as
descreve como "tibetano-chinesas". Não importa que o domínio chinês desde a década de
1950 tenha sido um desastre
cultural para o Tibete.
Esses vestígios de propaganda lembram que nem os mais
modernos museus da China
podem pretender tornar-se
centros de investigação como
nos países democráticos.
Mas o entusiasmo tardio da
China pelos museus trará alguns benefícios. Pelo menos o
Museu da Capital dará aos visitantes uma oportunidade de se
envolver até certo ponto com a
extraordinária riqueza da herança cultural do país.
Essas oportunidades provavelmente vão proliferar. A Administração Estatal do Patrimônio Cultural pediu a construção de mil novos museus até
2015, que se somarão aos 2.000
já em operação. A mídia local
diz que Pequim sozinha pretende construir 20 museus antes das Olimpíadas de 2008.
Permanecem enormes desafios para melhorar a qualidade
da pesquisa e da conservação e
encontrar dinheiro para garantir que as muitas novas instituições consigam sobreviver.
A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
Texto Anterior: A sombra do dragão Próximo Texto: Com Hutton, 3ª Via ficou midiática Índice
|