São Paulo, domingo, 25 de março de 2007

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+ Cultura

No lar, no templo e no tribunal

Estudo sobre as representações das sacerdotisas gregas revoluciona o papel da mulher na Antigüidade

NIGEL SPIVEY

Democracia, liberdade de expressão e igualdade diante da lei: esses princípios, hoje invocados como direitos humanos universais, foram primeiramente consagrados pelos antigos gregos.
Sua outra grande contribuição à cultura mundial -graças a Platão, Sócrates, Aristóteles etc.- foi a fundação da filosofia ocidental.
Porém considera-se amplamente que essa "civilização clássica" repousa sobre duas premissas odiosas e não questionadas.
A primeira, que um grande subgrupo da humanidade existia para ser explorado.
A segunda, que as mulheres eram fisicamente frágeis, emocionalmente instáveis e intelectualmente desprezíveis e, conseqüentemente, incapazes de participar da construção e manutenção de uma comunidade política.

Revisão abrangente
Essa segunda suposição é abordada por Joan Breton Connelly, professora de belas-artes na Universidade de Nova York e diretora de escavações arqueológicas na ilha de Yeronisos, no Chipre.
Em "Portrait of a Priestess" [Retrato de uma Sacerdotisa, Princeton University Press, 415 págs., 26,95 libras, R$ 109], ela apresenta uma pesquisa generosamente ilustrada de evidências arqueológicas e literárias da importância das sacerdotisas no mundo grego, do final da Idade do Bronze até o estabelecimento do cristianismo.
A quantidade de ilustrações é reveladora: se as mulheres eram excluídas da vida pública, por que suas imagens estavam por toda parte?
Ela argumenta que a autoridade investida nas mulheres como sacerdotisas as tornava longe de subordinadas no Estado e que na verdade elas eram muitas vezes executivas proeminentes e indispensáveis na esfera cívica.
Somos apresentados a uma massa de evidências que vai além das fontes literárias -sobretudo inscrições e pinturas em vasos- e se acumula numa revisão abrangente sobre como as mulheres se ocupavam fora das tarefas domésticas e maternas.
As inscrições em santuários e outros locais nos permitem traçar as carreiras de certas mulheres que tinham cargos e deveres sacerdotais, da infância à velhice.
As imagens exigem um tratamento mais cuidadoso. Às vezes parecem muito simples: uma figura é vista segurando a grande chave que significa que ela controla o acesso ao templo.
Em outras há uma alusão sutil ao fato de que sacerdotisas supervisionavam as atividades sagradas de procissão, libação, sacrifício e banquetes -indicadas por guirlandas, vasos especiais e assim por diante.
No centro disso tudo está o fato de que não havia limites claros entre o sagrado e o secular. As deidades regiam templos, tribunais e mercados.
Só os homens podiam ser magistrados e juízes -mas esses poderes geralmente eram inúteis se isolados de um sistema de sanções que dependia da ação divina de Zeus, Hera, Atena etc.

Benefícios cristãos
Um elemento de distinção social é claramente visível. Muitos cargos sacerdotais eram hereditários e lucrativos e, portanto, guardados zelosamente pelas famílias que os ocupavam.
Por isso, uma parte significativa do sucesso da difusão do cristianismo foi o potencial que oferecia, até para meninas escravas se tornarem diaconisas. Embora essas atitudes liberais não tenham sobrevivido na igreja estabelecida, elas marcaram, para Connelly, o "fim da linha" para a tradição clássica.
Mais de 2.000 anos se passariam antes que as mulheres no mundo ocidental recuperassem uma posição social comparável.
Este texto saiu no "Financial Times". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.



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