São Paulo, domingo, 25 de março de 2007

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Reinventando a roda

Didático, mas pouco questionador, "O Design do Dia-a-Dia" mostra a irracionalidade dos objetos cotidianos

ANA LUISA ESCOREL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Donald A. Norman parece ser um acadêmico respeitado no circuito anglo-saxão: professor emérito da Universidade da Califórnia, em San Diego, professor de ciência da informática, na Universidade Northwestern, e de psicologia aplicada, em Cambridge, no Reino Unido.
Apesar do lastro de qualificações, "O Design do Dia-a-Dia" provoca certo desconcerto naqueles que têm o hábito de refletir sobre o design, sua natureza e aplicações.
Escrito em estilo didático, o livro é um encadeamento de juízos acerca da freqüente inoperância dos produtos industriais que atendem às populações afluentes do mundo atual. Seu foco é nas conseqüências desses desajustes e seus malefícios.
Entrecortado por historietas tragicômicas cujo propósito é ilustrar a idéia central, ou seja, a irracionalidade do sistema de objetos que rege a sociedade industrial -e aplicando um tipo de abordagem a seu tema que pretende fornecer instrumentos a designers e usuários para contornar essa irracionalidade-, o livro não se organiza com clareza.

Senso comum
A estrutura é prolixa, a escrita sem graça, a quantidade de exemplos excessiva, e o modelo de abordagem, embora pautado em observação sistemática, gráficos e estatísticas, revela mais um indivíduo empenhado em fazer do senso comum um instrumento de análise do que comprometimento com a "metodologia do design" -tal como foi formulada pelas criativas e sempre pulsantes correntes européias do princípio e de meados do século 20 .
Por isso, reinventa a roda a cada capítulo, como quando destaca a necessidade do controle da interface do produto pelo designer ou a necessidade do inter-relacionamento incessante entre o pólo do projetista e o do usuário.
E ainda quando mostra que, no ritmo que movimenta os negócios na busca frenética por mercados cada vez maiores e mais diversificados, tem ficado com o designer a tarefa mesquinha de servir ao cliente e atender aos departamentos de marketing das empresas.
Isso acontece quase sempre em detrimento dos interesses do usuário, objeto final da cadeia e, em tese, razão de ser de todo o processo de concepção, desenvolvimento e fabricação do produto. Ou seja, toca no âmago da questão posta à sociedade e aos profissionais do setor desde meados dos anos de 1940, como se a questão acabasse de se colocar.
Movido pelas melhores intenções, o texto se ressente, ainda, de duas fragilidades.
1. Da tentativa de infundir excesso de "tecnicismo" à avaliação das questões que envolvem a feitura e o uso dos produtos industriais nas sociedades contemporâneas.
2. Da falta de iniciativa em relacionar o quadro descrito com os interesses dominantes da economia de mercado, tal como se apresentam em nossos dias.

Produto e mercadoria
No tocante ao primeiro grupo de questões, não convence em sua tentativa de esclarecer por meio da aplicação de fórmulas e experiências extraídas das teorias da cognição, ou da psicologia.
Também não contribui para aplacar a agonia dos profissionais que, conscientes do enorme campo de aplicações que sua especialidade oferece, se vêem constrangidos a uma atuação superficial, essencialmente voltada para o enaltecimento não do "produto", como seria desejável, mas da "mercadoria", pedra de toque que define as linhas de força da economia mundial.
Quanto ao segundo grupo de questões, embora os efeitos da irracionalidade dominante na concepção dos produtos industriais sejam claros e se aproximem, como proposta de absurdo, às práticas poluidoras que estão levando ao aquecimento global, convenhamos, não basta descrevê-las.
Seria importante revolver-lhes as causas, expô-las e propor alternativas que pudessem contribuir para evitá-las. Mas isso implicaria uma crítica severa à "globalização" e, portanto, às diretrizes econômicas vitoriosas, desde a queda do Muro de Berlim, crítica que nosso autor não parece disposto a fazer.

Manejo
Aspecto a reter da argumentação de Norman é a importância conferida ao design na vida cotidiana das sociedades industrializadas, sua relação direta com o bom ou o mau desempenho de funções que, numa gama infinita, vão do manejo de uma torneira à operação do painel de controle de uma usina nuclear.
Infelizmente, ênfase tão necessária acaba enfraquecida pela loquacidade do autor, que, num excesso de idas e vindas, dessora a vertente principal da própria exposição de seus aspectos mais relevantes.
Finalizando, a capa do livro (ilustração canhestra representando um bule de uso impossível, no qual cabo e bico estão do mesmo lado) exemplifica bem o sentido geral da edição: voltada para um tema instigante e repleta das melhores intenções -realizadas, no entanto, não mais do que em medida bastante parcial.
ANA LUISA ESCOREL é designer e autora de "O Efeito Multiplicador do Design" (ed. Senac SP).


O DESIGN DO DIA-A-DIA
Autor:
Donald A. Norman
Tradução: Ana Deiró
Editora: Rocco (tel. 0/xx/21/3525-2000)
Quanto: R$ 45,99 (272 págs.)



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