São Paulo, domingo, 25 de junho de 2000


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+ 3 questões Sobre telenovela

A telenovela está recuperando prestígio?
Como o país é hoje representado nas novelas?
Por que a novela brasileira é um sucesso permanente no exterior?

Renato Ortiz responde

1.
Não creio que a telenovela tenha ganho ou perdido prestígio. A rigor trata-se de uma narrativa ficcional e de um produto industrial cuja importância está garantida há anos. Basta olhar o quadro histórico da cultura televisiva brasileira. Desde 1963/64, com a invenção da telenovela diária, ela foi ao ar diariamente (exceto aos domingos), mantendo um bom índice de audiência e uma continuidade marcante de produção.

2.
As pessoas tendem muitas vezes a ver as coisas numa perspectiva um tanto otimista. A telenovela, como qualquer discurso serializado, dificilmente pode, ou conseguiria, refletir o país "real". Na melhor das hipóteses ela veicula temas atuais em linguagem ficcional. Porém, iludir-se de que a versão Globo da saga de uma família italiana é a história da imigração italiana no Brasil, seria como imaginar que Hollywood trataria em seus filmes da realidade norte-americana ou mundial. A telenovela é fundamentalmente um objeto voltado para o entretenimento; esperar que ela venha desempenhar um papel crítico na sociedade é uma ingenuidade.

3.
A telenovela não é um "sucesso", e muito menos "permanente", no exterior. Essa é uma visão simpática para nós brasileiros, mas inteiramente falsa. Certo, é verdade que, dos produtos audiovisuais, a telenovela é o mais importante do ponto de vista da exportação. Mas é preciso ter um quadro mais claro das coisas. Primeiro: a telenovela exportada não é a mesma vista no Brasil. Ela passa por um processo de compactação (redução de capítulos) e mudança da trilha sonora (geralmente colocam-se músicas internacionais mais palatáveis para o consumidor de outros países). Segundo: o mercado audiovisual é disputado por produtos concorrentes: telenovelas mexicanas e venezuelanas; séries norte-americanas, francesas, alemãs; "soap opera" e séries japonesas etc. Neste mercado mundial a presença da telenovela brasileira é pequena. Na Europa, dificilmente ela é veiculada no horário nobre, a exibição se faz geralmente à tarde, quando a audiência é menor (a exceção é evidentemente Portugal). Nos EUA, o produto brasileiro compete com os de língua espanhola, mas as comunidades de origem hispânica preferem a ficção elaborada em seu idioma de origem.
Em grande parte dos países da América Latina, a telenovela brasileira desfruta de prestígio nas classes médias, mas a maioria prefere ainda os chamados "dramalhões". Na verdade, os dados econômicos, pouco conhecidos e discutidos, mostram isso de maneira irrefutável. Para o Brasil, o maior mercado de exportações de telenovela é a América Latina, justamente o menos lucrativo. Nos EUA, país que mais compra produtos audiovisuais brasileiros, o mercado de telenovelas é dominado por México e Venezuela.

Fernando Bonassi responde

1.
Não acredito que a telenovela esteja passando por algum tipo de renovação ou retomada de prestígio, que sempre se manteve mais ou menos inalterado. Não acho que esteja ocorrendo esse fenômeno. O que observo é um crescimento, ou melhor, uma melhora do padrão de produção, da qualidade técnica: o uso de películas, gruas etc., que encorparam a forma e proporcionaram um resultado visual mais bonito, mais bem-acabado. E isso é positivo.
De resto, a telenovela continua mesquinha e reacionária como sempre foi. As tramas geralmente valorizam o que as pessoas têm de mais baixo: são sempre as mesmas mulheres à procura de canalhas endinheirados.

2.
O país também é representado no que ele tem de pior. As novelas passam e reproduzem uma visão da sociedade tipicamente de classe média, com os seus valores mais mesquinhos e reacionários.
Quando a novela resolve tratar de alguma questão social, faz isso para acompanhar a demanda do público contemporâneo, que solicita esse tipo de tema. Mas ela não faz nenhuma reflexão e muito menos uma crítica sobre aquilo que retrata. O viés é sempre conservador.
Eu não me vejo representado por ela e posso dizer que 97% das pessoas que conheço também não. Em resumo, não vejo nenhuma mudança no aspecto do conteúdo, que permaneceu basicamente o mesmo nessas poucas décadas da TV brasileira. A mudança foi apenas no plano da sofisticação técnica. A dramaturgia da telenovela brasileira continua ressaltando apenas as coisas mais óbvias e rasteiras.

3.
Não sei se ela faz esse sucesso todo lá fora. Se faz, eu só posso ter pena do resto do mundo. O único mérito, nesse aspecto, seria estritamente comercial: trazer divisas para o Brasil. A telenovela não é a melhor dramaturgia produzida no país -e mesmo a Globo já produziu bons programas fora desse formato.

Renato Ortiz
É doutor em sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (França), professor titular do departamento de sociologia da Universidade Estadual de Campinas e autor de "Cultura e Modernidade" (Brasiliense), entre outros.

Fernando Bonassi É escritor, roteirista e dramaturgo, autor de "Um Céu de Estrelas" (Siciliano), "Crimes Conjugais" (Scritta) e "O Céu e o Fundo do Mar" (Geração Editorial).



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