São Paulo, domingo, 25 de junho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ponto de fuga

Cronicamente inviável

Jorge Coli
especial para a Folha

Leveza talvez seja aquilo que caracterize melhor o filme de Sérgio Bianchi. Trata de coisas terríveis, de maneira tão implacável, que não sobra lugar para recuos e desculpas. Tudo, porém, com um tom elegante, um sorriso amável, um humor que não descamba para a irrisão fácil. É a sua arma mais poderosa. Ela o impede de cair no sentimentalismo, no drama comovente, no álibi da indignação.
Num certo sentido, "Cronicamente Inviável" é a antítese de "Central do Brasil" e a sua denúncia. Não foi feito para nos deixar, a nós e aos gringos, tão comovidos com as relações humanas profundas dos desfavorecidos, em cenários de exotismo lindo. Não foi feito para ganhar prêmios, embora os mereça amplamente. Desdenha essa detestável bela fotografia, que o cinema brasileiro tem ido cada vez mais buscar na publicidade. Bianchi filma de modo preciso. Dirige os atores, inoculando neles a convicção necessária que se transmite, sem hiato, ao espectador. Sua narração descontínua não é perturbadora, já que cada episódio tem um interesse muito forte em si próprio. Destroça nossos melhores mitos coletivos, impedindo o conforto ou a saída.
Não é fácil falar desse filme, muito engraçado, mas tão cheio de intuições e de inteligência que qualquer análise banalizaria. É preciso ir vê-lo. Está além de qualquer defeito que algum purista ingênuo possa detectar. Com a divulgação que merece e que não tem tornar-se-ia facilmente um sucesso popular: pode ser degustado de maneiras diversas e complementares, onde cada espectador encontra sua parte.

Étoiles - O último "Cahiers du Cinéma" traz um "dicionário subjetivo" de cem atores americanos da última década. Pode-se clamar pela injustiça de certas ausências: Brandon Fraser, por exemplo, com seu tipo único de herói cômico, ou Sigourney Weaver, a maior das maiores.
Mas as análises são ótimas, contendo frases como: Matthew Broderick, "um dos raros atores americanos que deixaram a questão do sexo sem afastar a do corpo"; Nicolas Cage, "um corpo construído sobre uma fratura, uma fricção de movimentos contrários, em que a velocidade contém seu próprio esgotamento"; "Cameron Diaz se diverte com a crueldade de procurar, incansável, o ponto de ruptura entre sedução e ridículo"; Tom Hanks, "a América tem os James Stewart que merece"; Bill Murray, "o maior (vide todos os seus filmes)"; Keanu Reeves, "o mais asiático dos atores americanos"; Gene Hackman, "o mais francês dos atores americanos"; De Niro, "ele sabe que agora tudo é só lucro, porque o essencial já foi feito"; "seus pés parecem nunca tocar o chão. Kevin Spacey é um Gene Kelly desarmado"; Julia Roberts, "francamente, somos muitos, aqui, nos "Cahiers", a correr para o cinema quando sai um de seus filmes e faz dez anos que isso dura". Enfim: "Não nos enganemos: Leonardo Di Caprio é um grande ator".

Cinema - Deve ser alguma perversão gostar de "Morcegos". É o que hoje mais se aproxima dos filmes B vistos nas matinês de outrora. Para encher linguiça, numa trama magra, o diretor Louis Morneau introduz quatro sequências em que se mostram preparativos para os ataques. Redes estendidas, cabos puxados, cordas estiradas, e assim por diante.
Mas não importa: é um cinema feito com a energia iluminada de um Ed Wood. Ela permite criar um estado curiosamente onírico, em que as situações fabricadas com as imagens vão adiante do que contam, sinalizando passagens que não se esperam, em direção de algum abismo mais misterioso.

O Dia da Caça - Polícia e traficantes trocam diálogos cheios de angústia existencial e sentenciosa. Assassinatos são cometidos ao som do "Réquiem" de Mozart. Os atores parecem colegiais tentando representar "Huis Clos". Diante desse tenebroso policial-cabeça só há uma solução: fuga rápida.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail:coli20@hotmail.com


Texto Anterior: + livros Mais vendidos: Amyr Klink mantém primeira colocação
Próximo Texto: + memória - Maria Lúcia Pallares-Burke: Ano nacional Anísio Teixeira
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.