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+(s)ociedade
Onde as ruas não têm nome
Ganhador do "Nobel" da criminologia diz que violência se repete em poucos lugares das cidades e que polícias estão agindo de forma errada
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MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM
No combate ao crime, menos pode
ser mais. Aplicada
ao espaço das cidades, essa é a tese
do professor David Weisburd,
professor na Universidade de
Jerusalém, que acaba de receber o Prêmio Estocolmo de
2010, considerado o mais importante do mundo na área de
criminologia.
Duas décadas de pesquisas
em cidades dos EUA levaram
Weisburd à conclusão de que a
grande maioria dos crimes
ocorre em um número restrito
de ruas.
Os dados já começam a influenciar a ação das polícias
americanas, que passaram a
concentrar suas patrulhas nos
locais mais perigosos, deslocando esforços de áreas com
menor incidência de crimes.
Em entrevista à Folha,
Weisburd explicou sua tese.
FOLHA - Por que o sr. decidiu concentrar suas pesquisas na ideia de
espaço?
DAVID WEISBURD - Por muitos
anos, a pesquisa na área de criminologia teve como foco entender por que as pessoas cometem crimes. Em meu trabalho, comecei a fazer perguntas
diferentes: onde o crime ocorre? Por que ele ocorre ali?
São perguntas que me interessam por estar na interseção
entre a pesquisa básica e a aplicação prática. Muito do meu
trabalho se baseia no que podemos chamar de "lei da concentração" do crime.
Estudo após estudo mostra
que uma proporção muito
grande do crime em uma cidade ocorre em um número relativamente pequeno de locais.
FOLHA - Bairros inteiros?
WEISBURD - Não. A visão tradicional era apontar comunidades "boas" e "más". Mas na minha pesquisa percebi que na
maior parte das chamadas
"más" comunidades praticamente não havia crime.
Mesmo nelas, na maioria das
ruas as pessoas não estavam
sendo mortas ou atacadas todos os dias. Em algumas áreas
de Jersey City que pesquisei, a
suposição geral era a de que toda a cidade era dominada pelo
tráfico de drogas.
Eu me dei conta de que havia
os pontos de venda, mas que,
uma ou duas quadras adiante, a
vizinhança era relativamente
tranquila.
Em outro estudo que fiz em
Seattle, analisei rua por rua as
30 mil quadras da cidade.
Descobri que 50% do crime
era restrito a 4% das quadras. O
crime não estava em toda a
parte, mas em locais muito específicos. E essa é uma estatística que se mantém há 16 anos,
um bom exemplo do que eu
chamo de "lei da concentração".
Um outro estudo em Minneapolis mostrou que 50% dos
crimes ocorriam em apenas
3,5% da área da cidade.
Ou seja, geralmente uma
porcentagem muita pequena
dos lugares produz a maior
parte dos crimes.
O esquadrinhamento das
ruas foi fundamental para chegar às conclusões, pois em muitos casos havia concentração
do crime, mas não contínua.
Mesmo nas áreas de maior
concentração urbana, onde havia mais "hot spots", a maioria
dos casos que estudei mostra
uma irregularidade: duas ruas
boas eram seguidas de ruas
"más".
Um outro estudo sobre criminalidade juvenil em Seattle
mostrou que 86 das quadras,
entre 30 mil, produziram um
terço de todos os crimes.
FOLHA - Por que isso ocorre?
WEISBURD - Esses "hot spots"
de delinquência juvenil estavam em poucas ruas, mas espalhados por toda a cidade -sobretudo perto de locais frequentados pelos jovens, como
shoppings e escolas. Isso também se aplica aos crimes em geral. Crimes ocorrem onde há
oportunidade.
O que meu estudo enfatiza é
que há um número relativamente pequeno desses lugares
e que o crime nesses lugares
costuma manter-se estável.
Se sabemos que o crime é
concentrado em um número limitado de lugares, que ele se
mantém estável e que há certos
motivos para ocorrer ali, a conclusão natural é a de que precisamos levar a polícia até eles,
não à cidade inteira.
Para a polícia, o recado é simples: não desperdice suas patrulhas em todo lugar.
FOLHA - Concentrar a ação policial
num ponto não provoca a migração
do crime?
WEISBURD - Fiz estudos sobre
isso, enfocando tráfico e prostituição, e descobri que o crime
não se desloca facilmente. As
ruas próximas não ficaram piores e o crime não migrou para
outras áreas da cidade.
Há alguns motivos para não
haver deslocamento. Criminosos atuam em certas regiões
por um motivo. Traficantes de
drogas, quando são cercados
por policiais, não se mudam
imediatamente, pois naquela
área eles conhecem as pessoas,
sabe quem vai denunciá-los ou
não à polícia etc. É o lugar dele.
Crime, em grande medida, é
como qualquer outro trabalho.
As pessoas trabalham onde é
mais cômodo.
FOLHA - Como o policiamento concentrado se aplicaria a um ambiente
como o Rio, onde os pontos de tráfico estão espalhados pela cidade?
WEISBURD - O espaço tem que
ser o foco. Em São Paulo e no
Rio, há milhares de ruas, não dá
para patrulhar a cidade inteira
com a mesma eficiência. O sucesso depende de como a polícia faz o seu trabalho.
A primeira coisa é fazer um
mapeamento para saber onde
estão os "hot spots", e por que
motivo.
Também é importante falar
com os moradores, criar uma
sensação de cumplicidade. A
polícia não pode ser vista como
uma força de ocupação, mas como parte da comunidade. A legitimidade da ação policial é
um elemento crítico para o seu
sucesso.
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