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NOVOS AUTORES
A violência dos deuses
BERNARDO AJZENBERG
Secretário de Redação
Imagine uma conspiração de
personagens bíblicos, deuses pagãos e figuras mitológicas, todos
unidos para pôr abaixo, com impulso de vingança, uma cidade de
comuns mortais. Imagine, depois,
essa cidade já semi-arruinada,
com poucos sobreviventes, em especial um menino míope, às voltas
com o erguimento de uma outra
cidade, só sua, dentro de um
aquário de vidro.
Em tonalidade assumidamente
intertextual, repleta de citações
mais ou menos adaptadas de trechos bíblicos e outros, é esse o cenário construído por Marcelo Novaes em seu romance de estréia,
"Cidade de Atys".
Como se sabe, Atys, ao menos
numa das versões do mito, é um
deus frígio que se castrou e que,
morto, se tornou uma árvore
frondosa. Simbolicamente, parece
representar na obra de Novaes
uma espécie de âncora dentro de
um ambiente de completa desolação.
Alternam-se, no livro, discursos
ameaçadores e violentos de deuses
-textos esses que são, como explica o próprio autor, extratos ou
adaptações das palavras do profeta Isaías- e narrativas em terceira
pessoa que dão conta do esfacelamento que aqueles produzem.
São mais de 160 capítulos pequeninos, cada um com um título de
conotação filosófica (exemplo:
"Do Humor Que se Quebra Como um Vaso"), dentro de uma
subdivisão maior em cinco partes,
à moda sinfônica.
Nos trechos em que falam os
deuses, o tom, como não poderia
deixar de ser, é apocalíptico, predominantemente sóbrio. Veja este
exemplo:
"...Como se tornou indigna a cidade? Outrora habitou nela a justiça, mas agora habitam os homicidas. Sua prata converteu-se em escória; o seu vinho misturou-se
com água. Os seus príncipes são
infiéis, companheiros de ladrões;
todos eles amam as dádivas, andam atrás das dádivas".
Naqueles de autoria "direta" de
Novaes, o narrador é seco, frio, às
vezes cínico. Como no capítulo
143 ("Do Pardal Que Não Acha os
Peixes Nem o Mundo"):
"A mãe do menino lhe arrumou
um pardal, e ele o pôs em seu
quarto, diante do aquário sem peixes. Ele contempla o mundo de vidro e canta. Mas dias se passam,
dias sem sair de seu novo domínio, e ele parece enfadar-se, sem
voz. A mãe, ao ver o filho e o pássaro imobilizados diante do vidro,
deixa de suspirar e morre com as
mãos junto ao colo".
Novaes encerra o livro com um
curioso capítulo-glossário intitulado "Relicário e Presépio: Uma
Súmula dos Deuses, Animais, Cores e Ofícios Sagrados", no qual
explica à sua maneira quem são os
protagonistas da obra.
Temos, em suma, um trabalho
bem-feito de colagem, em que
criação, recriação e citação surgem como categorias absolutamente complementares e interdependentes. Impossível não destacar, porém, que, abstraídas as
duas últimas categorias, a que resta é quase apenas um farelo, para
não dizer um gemido eliotiano.
Enfim, algo tipicamente
"pós-moderno".
A OBRA
Cidade de Atys - Marcelo Novaes. Ateliê Editorial (al. Cassaquera, 982, CEP 09560-110, São
Caetano do Sul, SP, tel.
011/4220-4896). 192 págs. R$
15,00.
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