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Mudança da família real foi "projeto meticuloso"
Para historiadores portugueses, dom João 6º
foi sábio e prudente ao decidir partir para o Rio
DO ENVIADO A PORTUGAL
A decisão de transferir a corte para o
Brasil não só foi
"prudente e acertada" como resultado
de um projeto meticuloso e trabalhoso que não pode ter sido
decidido às pressas, no calor
dos acontecimentos dos dias
que antecederam a partida.
Tudo isso se soma para provar que dom João 6º estava
longe de ser um monarca tolo e
covarde, imagem que certa historiografia posterior ajudou a
construir.
A opinião é do historiador
português António Ventura,
professor na Universidade de
Lisboa e um dos organizadores
da exposição que ocorre na Biblioteca Nacional de Portugal
sobre o bicentenário das Guerras Peninsulares, ou seja, da invasão francesa em 1807 até sua
expulsão definitiva, em 1814.
Para Ventura, convinha a Junot retratar o príncipe regente
como fraco e a corte portuguesa como covarde no momento
em que invadia o país. Também
parte da historiografia portuguesa do século 19 e início do
20 contribuiu para essa imagem, que ainda hoje se encontra em Portugal e no Brasil.
Ventura diz que já à época
houve distinções no modo como a decisão foi encarada pelos
portugueses. A maioria dos comentários no início do século
19, diz, é favorável à transferência, tida como acertada por
"preservar a legitimidade" da
coroa, "mesmo que do outro lado do Atlântico".
Segundo Ventura, o objetivo
principal da transferência da
corte era "a preservação física
da família real". "Desse modo,
os franceses não puderam fazer em Portugal o que haviam
feito na Espanha, ou seja, forçar o rei a abdicar do trono."
Parte de uma monarquia
Em um artigo para a revista
"Atlântico" deste mês, o historiador português Rui Ramos,
doutor pela Universidade de
Oxford e também professor na
Universidade de Lisboa, afirma
que, então, "Portugal não era
um Estado-nação, mas apenas
parte de uma monarquia".
Só assim é possível entender
melhor o que significava a decisão de preservar a integridade
da família real e como era possível fazer a opção de deslocá-la
para outro território.
"Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, o mais importante ministro do governo do príncipe
regente dom João", escreve Ramos, "já concluíra que Portugal
não era "a melhor e mais essencial parte da monarquia". Essa
"melhor e mais essencial parte"
era o Brasil".
A importância da colônia
americana, segundo António
Ventura, também contou para
a decisão, especialmente pela
pressão do Reino Unido, que tinha interesse em comercializar
diretamente com o Brasil (de
fato, dom João 6º abriu os portos brasileiros "às nações amigas" ao chegar ao país).
De todo modo, a decisão "não
foi tomada de última hora".
"Uma viagem como aquela não
poderia ser preparada em pouco tempo. A viagem foi planejada com bastante antecedência.
Toda uma biblioteca [A Real Biblioteca, hoje parte da Biblioteca Nacional] foi catalogada e
transferida, por exemplo."
Outro fator a impulsionar a
decisão de deixar Portugal, de
acordo com o historiador, era a
fraqueza conhecida do Exército português. "Dom João 6º tinha consciência da fraqueza do
Exército. Qualquer resistência
seria suicida."
A transferência da corte, afinal, terminou sendo mais importante para o Brasil do que
para Portugal, diz o historiador.
"É o seu momento fundador.
De 1808 a 1822, o Brasil é o centro da monarquia", afirma.
"E são assim criadas as condições para a independência do
país. Costumo dizer aos meus
alunos que, em 1822, fazer a independência do Brasil era como colher um fruto maduro."
(RAFAEL CARIELLO)
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