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O rei da mídia
Partida de dom João 6º mobilizou os jornais da época e foi motivo de controvérsias na Inglaterra, França e Espanha
Reprodução/Fundação Biblioteca Nacional
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Gravura representa embarque do príncipe regente dom João 6º para o Brasil |
ISABEL LUSTOSA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A partida da corte
portuguesa para o
Brasil foi notícia na
"Gazeta Oficial de
Londres" de 19 de
dezembro de 1807, com a publicação de carta enviada em
29 de novembro pelo lorde
Strangford, do navio Hibernia,
que escoltava a família real.
Segundo Strangford -representante de seu governo junto
à corte de Lisboa-, aquele desfecho fora resultado da política
de constante moderação adotada pelo Reino Unido.
No entanto, depois do decreto de 8 de novembro de 1807
que determinava a prisão e o
seqüestro dos bens dos súditos
do Reino Unido, ele deixara
Lisboa e fora se juntar à esquadra comandada pelo Almirante
Sidney Smith, ao qual sugeriu o
bloqueio total e imediato da
entrada do Tejo.
Segundo essa versão, no dia
27, Strangford fora ao encontro
de dom João e lhe dera um ultimato: ou entregava a esquadra
portuguesa, ou fazia uso dela
para partir com toda a sua família para o Brasil. Diante disso, no dia 28, dom João mandara publicar o decreto anunciando sua intenção de se retirar
para o Rio de Janeiro.
Poucos meses depois dessa
publicação, circulou em Londres um folheto intitulado
"Causas e Conseqüências da
Recente Imigração para o Brasil", em que o autor, Ralph
Rylance, insulta os portugueses e dá como prova da deslealdade daquele povo o fato de o
príncipe regente ter fechado
seus portos aos britânicos por
influência da França.
Outro lado
Para reforçar seu argumento,
Rylance lembra que a proclamação do príncipe regente
anunciando a partida é do dia
26 e que Strangford só viu dom
João no dia 27. Na opinião de
Hipólito da Costa -que analisou os dois textos ao longo dos
primeiros números de seu
"Correio Braziliense" (1808-1822)-, isso demonstra que a
resolução da retirada do príncipe nasceu dos conselhos de sua
própria corte e que o mérito de
Strangford foi, portanto, menor do que ele reivindicara.
Além da penosa conferência
com Strangford, dom João teve
também de ouvir de Sidney
Smith que, caso insistisse em
romper com a poderosa aliada,
corria o risco de perder suas
possessões coloniais.
Não interessava ao Reino
Unido administrar a colônia
portuguesa na América, sendo-lhe mais proveitoso reproduzir
aqui a velha relação simbiótica
que tinha com Portugal, com a
vantagem de não mais pagar os
elevados impostos pelas mercadorias brasileiras na alfândega de Lisboa.
A 25 de maio de 1808, logo
que se teve notícia da abertura
dos portos brasileiros, as gazetas londrinas publicaram anúncio convocando aqueles que tinham interesse em negociar
com o Brasil. No dia 29 de junho de 1808, na Taverna da Cidade de Londres, foi fundada a
Sociedade de Negociantes Ingleses Que Traficam Para o
Brasil, com 113 sócios.
A partida de dom João e sua
corte era matéria controversa e
mereceria tratamento diferente de acordo com o ponto de
vista. O "Moniteur", que se publicava em Paris, noticiava em 7
de julho de 1808 a "favorável recepção" que Bonaparte dera a
uma comissão de nobres e eclesiásticos portugueses que tinham ido saudá-lo em Bayonne, no mês de abril.
Um dos membros daquela
comissão, em carta datada de
27 daquele mês, conta, entre
outras coisas, que Napoleão
"falou-nos com algum desgosto, mas sem grande calor, do
príncipe que nos governou e de
sua real família".
Em Portugal, um suplemento extraordinário à "Gazeta de
Lisboa" publicado em 5 de fevereiro de 1808 trazia mensagem
de Junot aos habitantes do país
onde dizia: "O príncipe do Brasil abandonando Portugal renunciou a todos os seus direitos
à soberania deste reino. A casa
de Bragança acabou de reinar
em Portugal".
Brindes à família real
Os espanhóis experimentavam suas próprias turbulências, com o rei Carlos 4º, pai de
Carlota Joaquina, tendo sido
obrigado a renunciar em favor
do filho, Fernando 7º, e este,
por sua vez, a renunciar em favor de José Bonaparte.
Ambos se encontravam na
França, como hóspedes compulsórios do imperador. A rebelião dos espanhóis contra os
franceses provocou a organização de um governo provisório
em Sevilha. Dali, a Junta Suprema do Povo da Espanha, em
30/5/1808, enviou mensagem
ao povo de Portugal: "Os vossos
príncipes foram obrigados a
deixar-vos e os acontecimentos
da Espanha são uma prova irrefragável da absoluta necessidade daquela medida".
Como se pode ver, se as razões e a forma pelas quais dom
João optou por se mudar para
estes seus domínios na América ainda hoje são motivo de
controvérsia, em seu tempo o
assunto já mobilizava a imprensa. No entanto prova do
prestígio de que então gozava o
príncipe regente foi o jantar
promovido em Londres por
ocasião de seu primeiro aniversário no Brasil.
Conforme foi registrado pela
"Gazeta de Londres" de 14 de
maio de 1808, foram feitos
brindes à família real, aos compatriotas que sofriam sob o despotismo francês e até à memória de Pedro Álvares Cabral.
A festa culminou com o grupo cantando uma versão em
português de "God Save the
King" [Deus Salve o Rei] que dizia: "Deus guarde o nosso Rei,/
Sua vontade é lei,/ (...) Viva em
nós respeitado/ Desde o Tejo
dourado,/ té o pólo gelado/ o
nosso Rei".
ISABEL LUSTOSA é historiadora, autora de "Insultos Impressos - A Guerra dos Jornalistas na
Independência" (Cia. das Letras).
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