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Ponto de Fuga
Inteligência e afeto
Tzvetan Todorov é um pensador e teórico de primeira importância; interroga-se, em seu livro alarmado, sobre o que teria posto a literatura em perigo pela teoria
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Tomemos como exemplo
os alunos dos cursos de
letras das universidades
brasileiras: boa parte, com idades que variam em torno dos
20 anos, pouco ou quase nada
leu de nossos romancistas ou
poetas. Quase nenhum deles
ouviu falar de Baudelaire, Edgar Allan Poe, Goethe, Fernando Pessoa, e raríssimos os leram. (...) O fato é que, até este
momento, com raras exceções,
a literatura -pelo menos de
maneira direta, isto é, mediante a leitura de romances, contos, poemas etc.- não participou de sua formação intelectual e afetiva"...
Quem escreve isso é Caio
Meira, na introdução para "A
Literatura em Perigo", livro de
Tzvetan Todorov, que ele traduziu com elegância para a Difel (2009).
Caio Meira atua não num departamento "de letras", como
diz seu texto, mas num dos departamentos "de teoria literária" que se multiplicaram pelo
Brasil afora. Há algumas décadas, envergonhados de não parecerem suficientemente rigorosos ou científicos, eles abandonaram as belas denominações humanistas (de letras, de
estudos literários ou de literatura) para proclamar a indiscutível tirania teórica.
Nas universidades, com, felizmente, boas exceções, muitos alunos não são levados a
ampliar e assentar uma cultura
nascida pelo afeto. Leem, de
maneira instrumental, sob encomenda, o romance ou o poema ao qual se refere o grande
nome das teorias que estudam
no momento. Chegam a
Proust, a Dickens ou a Leopardi não pelo interesse ou pela
paixão que esses autores deveriam despertar, impondo a urgência da leitura, mas por desencarnada necessidade técnica ou profissional.
Mapa
Todorov é um pensador e
teórico de primeira importância. Interroga-se, em seu livro
alarmado, quase manifesto, sobre o que teria posto a literatura em perigo pela teoria e levado "o ponteiro da balança a não
se deter num ponto de equilíbrio".
Esmiúça várias causas. Afirma, porém, graças ao tom pessoal e biográfico com que o livro começa, a necessidade de
um percurso íntimo com a ficção e a poesia.
Qualquer teoria pode servir
como atalho, economizando a
frequentação de romances e
poemas. Mas apenas essa frequentação conduz ao saber
mais profundo, em grande parte intuitivo e silencioso.
É fácil identificar a esterilidade: está ali onde o prazer da
leitura foi substituído pela engenhosidade analítica. Quando
o pensamento astucioso eliminou os procedimentos sedimentares que só a assimilação
das obras lidas pode provocar.
Trono
"Estaria eu sugerindo que o
ensino da disciplina [teórica]
deve se apagar inteiramente
em prol do ensino das obras?",
escreve Todorov.
As diversas teorias literárias
são fecundas. Para tanto, porém, devem limitar-se ao papel
de um instrumento, possível e
parcial, como servas humildes,
e não tiranas triunfantes.
Antes delas vem a leitura vivida e humanista.
"Em nenhum caso o estudo
desses meios de acesso pode
substituir o sentido da obra,
que é o seu fim", diz Todorov.
Caso contrário, desaparece a
cultura individual, e tais meios
tornam-se a melhor alavanca
para a ignorância.
Identidades
Entre os livros de Todorov
está, fascinante, "A Conquista
da América - A Questão do Outro" (Martins Fontes, 1983). Ao
ler as narrativas deixadas no século 16 sobre a América espanhola, mostra, junto ao tremendo genocídio cometido pelos europeus, modos, tantas vezes assustadores e sempre
complexos, de delinear o perfil
de si mesmo e do outro.
jorgecoli@uol.com.br
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