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+(s)ociedade
A Detroit do jogo
Las Vegas sucumbe à crise econômica, vê seus hotéis e cassinos faraônicos perderem clientela e se torna a "cidade mais vazia dos EUA"
NICOLAS BOURCIER
Ponta sul da Strip, a
mais célebre artéria
de Las Vegas, em
uma noite de primavera. São centenas de
pessoas passeando, de bocas
abertas e olhos escancarados,
nas alamedas extravagantes do
M, hotel-cassino-spa de luxo
de US$ 1 bilhão que acaba de
ser inaugurado.
Árvores exóticas, piscina glamourosa e mármore italiano: o
M é o que existe de melhor.
Sem moderação. Como a adega
com fontes de vinho, suas 10
mil garrafas e seu Château Pétrus a US$ 8.000 (R$ 18 mil).
As pessoas bebem e riem
diante do feltro verde e dos caça-níqueis milagrosos. Como
se não houvesse crise.
Assim como outros, esse projeto foi lançado há pouco mais
de dois anos, em uma época
bem longínqua em que os créditos eram assinados rapidamente e os "subprimes" não
apareciam na primeira página
dos jornais.
Hoje o M parece delirante.
Pois o setor econômico mais
poderoso do Estado de Nevada
está moribundo, e os turistas
que vinham se esbaldar nesta
cidade do jogo e da luxúria
apertam os cintos para valer.
Fechando as portas
Apesar da inauguração de diversos cassinos, a receita total
em Las Vegas está em queda.
Em janeiro, cerca de 30 mil
reservas de hotéis foram canceladas, principalmente por empresas que desistiram de seus
seminários na cidade. Em
2008, o número de conferências profissionais já caíra 12%.
Outro sinal dos tempos, as
"Folies Bergère" do hotel Tropicana, o "icônico teatro de revista "topless'", tiveram de fechar as portas em 28 de março
por motivos financeiros, depois
de terem animado esse palco
durante 49 anos.
No entanto, de um lado e de
outro da Strip, a cidade não para de ver novos canteiros de
obras. Lançados em uma fuga
desenfreada adiante, dois novos "resorts" (entre os quais o
faraônico Fontainebleau, com
seus vidros fumês, de US$ 3 bilhões) ainda mais caros, maiores, com salas de jogo desmesuradas, deverão ficar prontos
neste ano, no pior momento.
"Pensávamos que o setor
nunca fosse parar", admite
John Restrepo, renomado consultor de Las Vegas.
Cidade esvaziada
À crise do turismo veio se
acrescentar a da habitação. Há
dez anos Las Vegas era a cidade
que mais crescia nos EUA.
Milhares de pessoas vinham
se instalar todos os meses na
metrópole de Nevada, a ponto
de duplicar sua população entre 1990 e 2007. Empregos, residências familiares e acolhimento simpático: a animada
Las Vegas assumia ares de terra
prometida.
Brutalmente, a roda girou.
Em uma classificação da revista "Forbes", Las Vegas está
pela primeira vez no topo, à
frente de Detroit e Atlanta, como "a cidade mais vazia" do
país. O valor dos bens imobiliários caiu 41% em média. O show
imobiliário terminou.
"Esta é a pior catástrofe já registrada aqui", salienta Franck
Streshley, presidente do Conselho de Controle do Jogo no
Estado. Para diversos especialistas, Las Vegas paga hoje o
preço por ter dado as costas às
classes médias.
Até a primeira metade dos
anos 1990, a cidade foi dos "colarinhos-azuis", trabalhadores
americanos que vinham por
um fim de semana ou nas férias
para se dedicar, em família, ao
"inferno do jogo", enquanto
aproveitavam as distrações
mais comportadas.
Com a onda do crédito fácil,
os preços começaram a aumentar. Os estabelecimentos se voltaram para o luxo, os hotéis-cassinos se transformaram em
cassinos-resorts.
Bellagio, Venetian, Mandalay
Bay, todos decidiram oferecer
os mais reluzentes shopping
centers do mundo, abertos dia
e noite. E, mais que nunca, a obsessão de ocupar os 140 mil
quartos de hotel que a cidade
oferece.
Descontos
Curiosamente, como nota
uma pesquisa da "Economist",
alguns proprietários de cassinos se mostram hoje mais pragmáticos. Os preços dos quartos
de hotel baixaram 30% em média, um recorde nacional. Até o
luxuosíssimo Encore, inaugurado em dezembro de 2008,
oferece suítes a preço reduzido.
No Condado de Beatty, a uma
hora e meia de carro de Las Vegas, empresários pretendem
construir cassinos destinados à
clientela hispânica. Outros diversificam suas ofertas e tentam suavizar sua imagem para
atrair novamente as empresas.
"Mesmo que a crise se estabilize, levaremos tempo para nos
recuperarmos", calcula o especialista John Restrepo. "Mas
não seremos a Detroit, a decadente cidade industrial de Michigan, do sul", rebate.
Por enquanto, na Rescue
Mission da rua Bonanza há
muita gente. Eric Mahev, um
dos responsáveis pelo centro de
ajuda aos desfavorecidos, fornece 850 refeições por dia, ou
seja, um aumento de 20% em
um ano. "Isso não para", diz.
"São ainda mais numerosos
no fim do mês, quando os órgãos federais distribuem ajuda.
Eles jogam antes de vir para
cá." Em Las Vegas, o vírus do
jogo não perde a força tão rapidamente quanto as finanças.
A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .
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