São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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Gol de letra

Reprodução
Pelé comemora gol marcado pelo Santos contra o Palmeiras no estádio do Pacaembu, em janeiro de 1960, em jogo vencido pelo time da capital por 2 a 1



De Garrincha a Maradona e Romário, passando por equipes do Brasil, Espanha, Itália e Alemanha, 12 personalidades ligadas ao cinema, música, artes plásticas, jornalismo, literatura e filosofia narram o gol de suas vidas


Antonio Negri

1945
, eu tinha 12 anos. Estávamos saindo da guerra: eu era frágil e nervoso, o mais baixo -quase a metade- dos meninos de minha idade. Eles vestiam calças compridas; eu, ainda bermudas. Éramos torcedores do Padova, a nossa cidade, time da segunda divisão. Naquele domingo enfrentaríamos o "grande Torino": Bacigalupo, Ballarin, Maroso... Ainda hoje me lembro da escalação. Quatro anos depois, todos morreriam em um acidente aéreo. A tranquila elegância do Torino pareceu impor-se de imediato: nos primeiros 20 minutos eles marcam dois gols. Mas o Padova encontra de algum modo uma energia especial e, com a desatenção dos turinenses, consegue empatar: 2 a 2. O segundo tempo começa com o Torino atacando: nos primeiros 20 minutos marca mais dois gols, 2 a 4.
Mas o Padova não se rende. Capello, centroavante que mais parecia um pangaré cansado, pega uma bola no contrapé e, transfigurando-se, galopa até a cara do goleiro do Torino: 3 a 4. Já estamos na metade do segundo tempo: a partida se tornara um match entre iguais. Até que chega o 4 a 4, o mais belo gol que já vi! Mas não me peçam para contá-lo. Estavam todos de pé ao meu redor, e eu era o menor, esbracejava, tentava encontrar uma brecha, mas nada. O Padova atacava, o Torino estava de joelhos. Foi uma ação coletiva que permitiu a Capello marcar aos 90 minutos, de voleio. Mas eu, esmagado pelo entusiasmo dos outros, era muito pequeno para ver. O gol mais belo, tive que imaginá-lo.


Antonio Negri é filósofo italiano, autor de, entre outros, "O Poder Constituinte" (DP&A), "Exílio" (Iluminuras) e "Império" (Record), em co-autoria com Michael Hardt.
Tradução de Maurício Santana Dias.


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