São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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Arthur Nestrovski

Anos depois, ele deu uma entrevista triste para um jornal de Porto Alegre. Tinha perdido tudo. Trabalhava de frentista, num posto de gasolina da periferia.
Mas em 1969, com apenas 18 anos, Claudiomiro era um herói. Pelo menos na cabeça de um menino colorado, o "Bigorna" virava uma figura sobre-humana, comandando o ataque do Internacional ao lado de outras semidivindades como Dorinho e Bráulio. Entre os meninos, diga-se de passagem, seu apelido não era usado. Tinha um quê de desfeita, uma ponta de troça da parte dos adultos, incapazes de compreender plenamente o futebol de Claudiomiro.
Pouco mais tarde, formaria, com dois parceiros, um ataque que nossa geração recita até hoje, como um verso perfeito: "Valdomiro, Claudiomiro e Lula". Foram eles que levaram o Inter ao octacampeonato gaúcho e ao tricampeonato nacional, auxiliados por Figueroa na defesa e Falcão no meio-campo.
Por ora, vamos ficar em 1969. Mais precisamente no dia 6 de abril, um domingo de sol, data da inauguração do Gigante da Beira-Rio.
O resto do jogo se perdeu, talvez para sempre, naquela era anterior à transmissão dos jogos pela televisão.
Mas o lance crucial continua tão vivo como há 33 anos. O lançamento da direita para dentro da área do Benfica, um bando de jogadores pulando para nada, e a testa de Claudiomiro interceptando o curso da bola num ângulo reto e dando a ela seu destino certo, no fundo das redes.
Em retrospecto, momentos assim parecem reger o passado e o futuro. Passado e futuro de um clube, cujos 60 anos de história ganhavam ali uma inflexão definitiva. A vida de um jogador, com sua conhecida curva ascendente e longo descenso inimaginado. Passado e futuro, também, que mal se adivinhavam na cabeça de um menino de nove anos, sentado nas arquibancadas exatamente atrás do gol português e pressentindo, naquele instante explodido de tempo, no movimento de câmera lenta com que a memória filma as coisas mais marcantes da vida, um décimo de segundo antes do gol, o gol, e um décimo de segundo depois o grito ensurdecedor de 90 mil pessoas, uma comoção universal da cor vermelha, que pintava um limite da alegria humana e sagrava, para sempre, na memória de um menino, o nome do artilheiro Claudiomiro.


Arthur Nestrovski é articulista da Folha e professor titular de literatura na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). É autor de "Notas Musicais" e organizador de "Figuras do Brasil - 80 Autores em 80 Anos de Folha" (Publifolha).


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