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Pequeno dicionário da crise
Algumas das principais idéias, atores e práticas
dos dias que correm na política brasileira (e seu futuro)
Corrupção
OTÁVIO VELHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O uso do termo para referir-se a suborno, depravação,
utilização de meios ilegais
no serviço público etc. deriva do seu sentido geral como ato,
processo ou efeito de tornar-se apodrecido. É interessante, assim, como
a corrupção no terreno jurídico-político deita raízes na observação de
um fenômeno natural, certamente
com a mediação de sua utilização no
terreno da religião. Só que, na tradição cristã, a corrupção associa-se a
uma grande anormalidade inicial: o
afastamento dos seres humanos de
Deus. É provável, portanto, que, no
terreno jurídico-político, trate-se
muito mais do controle da corrupção do que de acabar com ela.
O controle, portanto, deveria caber à lei. O que parece, no entanto, é
que boa parte da vida social não é redutível a um quadro legal universal.
Quase que se poderia dizer que os
grupos sociais têm as suas fronteiras
dadas exatamente pelos limites dentro dos quais se praticam usos e costumes aceitos, mesmo que ao arrepio da lei universal. Exemplos não
faltam, o que não deixa de levantar
delicadas questões no manejo das
relações entre o interno e o externo a
esses grupos.
Não é à-toa que na política o decoro ganha proeminência. Os momentos de crise são em geral aqueles em
que ele é atingido, seja pelo rompimento de regras não escritas, seja
porque a disputa política leva uma
das partes, como último recurso, a
fazer apelo à lei universal, seja por
ingerência externa. Nisso a mídia
tem hoje importância decisiva na caracterização de escândalos.
Trata-se de não esquecer que o objetivo possível é aprimorar os controles, sem paralisar a política. Nem
o irrealismo ou a demagogia dos que
dizem pretender (até como arma
política) acabar com a corrupção
nem a penalização unilateral dos
emergentes, obrigados a expor-se
para romper os domínios tácitos.
Talvez, então, daqui a dez anos não
tenhamos tido nenhuma mudança
dramática, mas teremos consolidado a democracia se tivermos resistido aos golpes que pretendam interrompê-la ou restringi-la sob o pretexto de aperfeiçoá-la e se tivermos,
até, alcançado alguma redução da
corrupção. Poderíamos mesmo ter
alguma mudança cultural, resultado
que não pode ser planejado, nem colocado como condição inicial.
Otávio Velho é professor aposentado de
antropologia do Museu Nacional.
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