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+(p)olítica
Dilemas externos
Pesquisa mapeia divisões ideológicas no Itamaraty e entre formadores de opinião em temas diplomáticos; cresce posição crítica à ampliação da integração no Mercosul
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
O grau de aprofundamento da integração sul-americana e o futuro
formato do Mercosul são hoje os temas que
provocam maior divergência
no debate público sobre a política externa brasileira.
Há uma divisão sobre o caráter menos ou mais institucionalizado das relações regionais
que corresponde, grosso modo,
às posições de correntes influentes no comando da diplomacia respectivamente nos governos de Fernando Henrique
Cardoso [1995-2002] e Luiz
Inácio Lula da Silva.
O mapeamento dessas posições é o aspecto mais interessante do recém-lançado livro
"A Agenda Internacional do
Brasil - A Política Externa Brasileira de FHC a Lula" [ed.
Campus/Elsevier, 216 págs., R$
49], do cientista político
Amaury de Souza.
Souza, sócio da consultoria
MCM, é integrante do Cebri
(Centro Brasileiro de Relações
Internacionais), criado há 11
anos no Rio de Janeiro por especialistas em sua maioria
egressos do governo FHC e que
hoje inclui em seu conselho o
assessor internacional do Palácio do Planalto, Marco Aurélio
Garcia.
O livro parte dos resultados
de pesquisas qualitativas feitas
em 2001 e em 2008 com a "comunidade brasileira de política
externa", a última com foco na
integração regional. Foram ouvidas autoridades no Itamaraty
e nos ministérios, membros do
Congresso, acadêmicos e dirigentes empresariais, sindicais
e de ONGs.
As pesquisas ajudam a sistematizar um debate cada vez
mais intenso, que corresponde
ao aumento de centros de estudo da área e de setores afetados
por acordos internacionais negociados pelo país. Tanto em
2001 quanto em 2008, elas
apuraram alta adesão (99% e
97%) à ideia de que o Brasil deve "participar ativamente" das
questões globais.
O levantamento de 2008
mostra que a abertura econômica, que sofreu resistência
nos anos 90, hoje tem seus resultados amplamente aprovados (88%) e revela um quadro
de opiniões em transição sobre
qual é o melhor caminho para a
inserção econômica do Brasil.
Entre Sul e Norte
Embora 26% acreditem que
o país deve privilegiar negociações comerciais com os países
desenvolvidos, e 31% com a
América do Sul e nações em desenvolvimento, o maior grupo
(41%) é o que defende a concomitância das duas estratégias.
Para Souza, é um resultado
que corresponde à perda de nitidez da polarização clássica
entre países ricos e emergentes. O próprio comércio brasileiro é hoje quase igualmente
distribuído entre América do
Sul, EUA, Europa e Ásia.
Esse fenômeno explica também o aparecimento de uma linha de opinião, definida por ele
como "regionalista", que defende tanto negociações globais -a Organização Mundial
do Comércio é o fórum mais citado- quanto a integração institucional da América do Sul.
Os "regionalistas" são 38%
dos entrevistados, a meio caminho entre os "globalistas"
(27%), favoráveis à integração
regional focada no aspecto econômico, e os "pós-liberais"
(29%), que dão prioridade às
relações Sul-Sul.
Souza vê nos "globalistas" os
herdeiros da tradição liberal de
política externa, dominante
sob FHC, e nos "regionalistas"
e "pós-liberais" subdivisões da
corrente conhecida como "autonomista", mais forte no atual
governo (veja quadro abaixo).
Uma das características da
minoria "globalista" é o ceticismo em relação a instituições
como o Parlamento do Mercosul, o Banco do Sul e a Unasul
(União de Nações Sul-Americanas), criada em 2008 sob auspícios do Brasil para coordenar
políticas energéticas, de defesa,
sociais e culturais.
Souza, um "globalista", classifica a Unasul como "improvável", pelas diferenças históricas
entre o Brasil e os vizinhos hispânicos, mas é um apoiador entusiasmado das iniciativas de
integração energética e física,
como o financiamento brasileiro a obras de infraestrutura na
região.
O papel do Mercosul
O outro ponto de divisão é o
Mercosul -cujas metas, estabelecidas no Tratado de Assunção (1991), têm sido comprometidas pela falta de sintonia
entre as políticas econômicas
de Brasil e Argentina, redundando no recente aumento das
restrições argentinas a exportações brasileiras.
Entre 2001 e 2008, passaram
de 4% para 21% os que acreditam que o bloco -que inclui
ainda Paraguai e Uruguai- deve retroceder para uma área de
livre comércio, embora a maioria ainda defenda o objetivo de
se chegar a um mercado comum, nos moldes europeus.
O aumento dos defensores
de um Mercosul minimalista
coincide com forte redução, de
72% para 38%, dos que acham
que o Brasil precisa do peso do
bloco para negociar em outros
fóruns comerciais. Numa área
de livre comércio, o governo
dispensaria a consulta aos sócios regionais.
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