São Paulo, domingo, 26 de julho de 2009

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+(p)olítica

Dilemas externos

Pesquisa mapeia divisões ideológicas no Itamaraty e entre formadores de opinião em temas diplomáticos; cresce posição crítica à ampliação da integração no Mercosul

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

O grau de aprofundamento da integração sul-americana e o futuro formato do Mercosul são hoje os temas que provocam maior divergência no debate público sobre a política externa brasileira.
Há uma divisão sobre o caráter menos ou mais institucionalizado das relações regionais que corresponde, grosso modo, às posições de correntes influentes no comando da diplomacia respectivamente nos governos de Fernando Henrique Cardoso [1995-2002] e Luiz Inácio Lula da Silva.
O mapeamento dessas posições é o aspecto mais interessante do recém-lançado livro "A Agenda Internacional do Brasil - A Política Externa Brasileira de FHC a Lula" [ed. Campus/Elsevier, 216 págs., R$ 49], do cientista político Amaury de Souza.
Souza, sócio da consultoria MCM, é integrante do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), criado há 11 anos no Rio de Janeiro por especialistas em sua maioria egressos do governo FHC e que hoje inclui em seu conselho o assessor internacional do Palácio do Planalto, Marco Aurélio Garcia.
O livro parte dos resultados de pesquisas qualitativas feitas em 2001 e em 2008 com a "comunidade brasileira de política externa", a última com foco na integração regional. Foram ouvidas autoridades no Itamaraty e nos ministérios, membros do Congresso, acadêmicos e dirigentes empresariais, sindicais e de ONGs.
As pesquisas ajudam a sistematizar um debate cada vez mais intenso, que corresponde ao aumento de centros de estudo da área e de setores afetados por acordos internacionais negociados pelo país. Tanto em 2001 quanto em 2008, elas apuraram alta adesão (99% e 97%) à ideia de que o Brasil deve "participar ativamente" das questões globais.
O levantamento de 2008 mostra que a abertura econômica, que sofreu resistência nos anos 90, hoje tem seus resultados amplamente aprovados (88%) e revela um quadro de opiniões em transição sobre qual é o melhor caminho para a inserção econômica do Brasil.

Entre Sul e Norte
Embora 26% acreditem que o país deve privilegiar negociações comerciais com os países desenvolvidos, e 31% com a América do Sul e nações em desenvolvimento, o maior grupo (41%) é o que defende a concomitância das duas estratégias.
Para Souza, é um resultado que corresponde à perda de nitidez da polarização clássica entre países ricos e emergentes. O próprio comércio brasileiro é hoje quase igualmente distribuído entre América do Sul, EUA, Europa e Ásia.
Esse fenômeno explica também o aparecimento de uma linha de opinião, definida por ele como "regionalista", que defende tanto negociações globais -a Organização Mundial do Comércio é o fórum mais citado- quanto a integração institucional da América do Sul.
Os "regionalistas" são 38% dos entrevistados, a meio caminho entre os "globalistas" (27%), favoráveis à integração regional focada no aspecto econômico, e os "pós-liberais" (29%), que dão prioridade às relações Sul-Sul.
Souza vê nos "globalistas" os herdeiros da tradição liberal de política externa, dominante sob FHC, e nos "regionalistas" e "pós-liberais" subdivisões da corrente conhecida como "autonomista", mais forte no atual governo (veja quadro abaixo).
Uma das características da minoria "globalista" é o ceticismo em relação a instituições como o Parlamento do Mercosul, o Banco do Sul e a Unasul (União de Nações Sul-Americanas), criada em 2008 sob auspícios do Brasil para coordenar políticas energéticas, de defesa, sociais e culturais.
Souza, um "globalista", classifica a Unasul como "improvável", pelas diferenças históricas entre o Brasil e os vizinhos hispânicos, mas é um apoiador entusiasmado das iniciativas de integração energética e física, como o financiamento brasileiro a obras de infraestrutura na região.

O papel do Mercosul
O outro ponto de divisão é o Mercosul -cujas metas, estabelecidas no Tratado de Assunção (1991), têm sido comprometidas pela falta de sintonia entre as políticas econômicas de Brasil e Argentina, redundando no recente aumento das restrições argentinas a exportações brasileiras.
Entre 2001 e 2008, passaram de 4% para 21% os que acreditam que o bloco -que inclui ainda Paraguai e Uruguai- deve retroceder para uma área de livre comércio, embora a maioria ainda defenda o objetivo de se chegar a um mercado comum, nos moldes europeus.
O aumento dos defensores de um Mercosul minimalista coincide com forte redução, de 72% para 38%, dos que acham que o Brasil precisa do peso do bloco para negociar em outros fóruns comerciais. Numa área de livre comércio, o governo dispensaria a consulta aos sócios regionais.


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