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Continuidades estratégicas
DA SUCURSAL DO RIO
Embora as pesquisas
coordenadas por
Amaury de Souza indiquem polarização
política sobre os rumos da política externa, o quadro não é tão preto no branco.
O próprio Souza, na conclusão do livro, enfatiza que, nos
últimos 15 anos, houve mais
continuidade do que rupturas
nas grandes linhas da diplomacia, entre elas a defesa de uma
ordem multipolar e os projetos
de integração física da América
do Sul.
Em muitos pontos, borram-se as fronteiras entre "regionalistas" e "globalistas".
A ideia de que o Mercosul deve abandonar a Tarifa Externa
Comum e ser apenas uma área
de livre comércio, por exemplo,
já foi defendida por assessores
da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)
que atuaram no governo FHC,
como Roberto Giannetti da
Fonseca, ex-secretário-geral
da Camex (Câmara de Comércio Exterior).
Mas é contestada pelo ex-embaixador em Buenos Aires
José Botafogo Gonçalves, que
foi ministro da Indústria e Comércio em 1998. Para ele, "os
que defendem o retrocesso são
os que mais vão perder".
Botafogo, presidente do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), argumenta que a união aduaneira,
mesmo com buracos, significa
preferência para produtos brasileiros.
Além disso, diz, a almejada liberação para acordos fora da
região esbarrará nas mesmas
cláusulas extracomércio (investimentos, compras governamentais) que afundaram negociações anteriores.
Por outro lado, o embaixador
vê com descrença a ampliação
do Mercosul -a adesão plena
da Venezuela está pendente de
aprovação pelos Congressos
brasileiro e paraguaio- e afirma que o Brasil deve investir
no aprofundamento do bloco
original.
"É verdade que a Argentina
mudou, mas o Brasil tem enorme instrumental dentro do
Mercosul para resolver esse
problema. Falta foco", critica.
Assim como Souza, Botafogo
aponta na Unasul uma "fuga
adiante" da diplomacia, diante
do que considera um fosso entre o discurso integracionista e
a "prática desagregadora" de líderes regionais.
Resposta pragmática
Deles diverge Maria Regina
Soares de Lima, coordenadora
do Observatório Político Sul-Americano, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro), que tem
posição mais próxima à do Itamaraty.
Para a pesquisadora, a Unasul foi a resposta pragmática do
Brasil ao desafio de construir
uma política sul-americana
que pudesse conviver com diferentes regimes comerciais,
num contexto regional mais
heterogêneo do que o da década de 1990, quando vigia o Consenso de Washington.
Soares de Lima afirma que a
assimetria entre o Brasil e os vizinhos impõe essa abordagem
multilateral, que "elimina o peso negativo da hegemonia". É a
habilidade do governo brasileiro de manter relações regionais
"coordenadas, sem polarizações e confronto", diz ela, que
favorece a sua atual capacidade
de interlocução com os Estados
Unidos.
"A alternativa ao multilateralismo é bilateralizar as relações, com o risco de que o temor dos vizinhos fique muito
mais forte", ressalta.
Outro ponto em que a polarização enfraquece diante da realidade diz respeito às alianças
Sul-Sul.
No prefácio de "A Agenda Internacional do Brasil", o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia (1995-2001) ataca o governo Lula por supostamente
priorizar essas parcerias. Já
Botafogo diz que essa prioridade corresponde mais à retórica
do que à prática: "A política para o Norte é até mais eficaz".
Do seu lado, Soares de Lima
avalia que o governo Lula inovou nessas parcerias, mas não
as privilegia. Ela cita intercâmbios técnicos que "vieram para
ficar", em áreas como saúde e
agricultura, e qualifica de mito
a ideia de que seja preciso escolher entre emergentes ou ricos.
"O Brasil está em vários tabuleiros, como é nossa tradição
diplomática."
A professora vê com naturalidade a presença da política externa entre os temas de disputa
político-partidária: "É um fenômeno habitual nas democracias".
(CA)
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