São Paulo, domingo, 26 de julho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Continuidades estratégicas

DA SUCURSAL DO RIO

Embora as pesquisas coordenadas por Amaury de Souza indiquem polarização política sobre os rumos da política externa, o quadro não é tão preto no branco.
O próprio Souza, na conclusão do livro, enfatiza que, nos últimos 15 anos, houve mais continuidade do que rupturas nas grandes linhas da diplomacia, entre elas a defesa de uma ordem multipolar e os projetos de integração física da América do Sul.
Em muitos pontos, borram-se as fronteiras entre "regionalistas" e "globalistas".
A ideia de que o Mercosul deve abandonar a Tarifa Externa Comum e ser apenas uma área de livre comércio, por exemplo, já foi defendida por assessores da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) que atuaram no governo FHC, como Roberto Giannetti da Fonseca, ex-secretário-geral da Camex (Câmara de Comércio Exterior).
Mas é contestada pelo ex-embaixador em Buenos Aires José Botafogo Gonçalves, que foi ministro da Indústria e Comércio em 1998. Para ele, "os que defendem o retrocesso são os que mais vão perder".
Botafogo, presidente do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), argumenta que a união aduaneira, mesmo com buracos, significa preferência para produtos brasileiros.
Além disso, diz, a almejada liberação para acordos fora da região esbarrará nas mesmas cláusulas extracomércio (investimentos, compras governamentais) que afundaram negociações anteriores.
Por outro lado, o embaixador vê com descrença a ampliação do Mercosul -a adesão plena da Venezuela está pendente de aprovação pelos Congressos brasileiro e paraguaio- e afirma que o Brasil deve investir no aprofundamento do bloco original.
"É verdade que a Argentina mudou, mas o Brasil tem enorme instrumental dentro do Mercosul para resolver esse problema. Falta foco", critica.
Assim como Souza, Botafogo aponta na Unasul uma "fuga adiante" da diplomacia, diante do que considera um fosso entre o discurso integracionista e a "prática desagregadora" de líderes regionais.

Resposta pragmática
Deles diverge Maria Regina Soares de Lima, coordenadora do Observatório Político Sul-Americano, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), que tem posição mais próxima à do Itamaraty.
Para a pesquisadora, a Unasul foi a resposta pragmática do Brasil ao desafio de construir uma política sul-americana que pudesse conviver com diferentes regimes comerciais, num contexto regional mais heterogêneo do que o da década de 1990, quando vigia o Consenso de Washington.
Soares de Lima afirma que a assimetria entre o Brasil e os vizinhos impõe essa abordagem multilateral, que "elimina o peso negativo da hegemonia". É a habilidade do governo brasileiro de manter relações regionais "coordenadas, sem polarizações e confronto", diz ela, que favorece a sua atual capacidade de interlocução com os Estados Unidos.
"A alternativa ao multilateralismo é bilateralizar as relações, com o risco de que o temor dos vizinhos fique muito mais forte", ressalta.
Outro ponto em que a polarização enfraquece diante da realidade diz respeito às alianças Sul-Sul.
No prefácio de "A Agenda Internacional do Brasil", o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia (1995-2001) ataca o governo Lula por supostamente priorizar essas parcerias. Já Botafogo diz que essa prioridade corresponde mais à retórica do que à prática: "A política para o Norte é até mais eficaz".
Do seu lado, Soares de Lima avalia que o governo Lula inovou nessas parcerias, mas não as privilegia. Ela cita intercâmbios técnicos que "vieram para ficar", em áreas como saúde e agricultura, e qualifica de mito a ideia de que seja preciso escolher entre emergentes ou ricos.
"O Brasil está em vários tabuleiros, como é nossa tradição diplomática."
A professora vê com naturalidade a presença da política externa entre os temas de disputa político-partidária: "É um fenômeno habitual nas democracias". (CA)


Texto Anterior: +(p)olítica: Dilemas externos
Próximo Texto: O novo lugar do Brasil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.