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A Amazônia e o fim dos jesuítas
Kenneth Maxwell
Nas duas últimas décadas, os
historiadores, ou muitos deles,
têm depreciado o papel de
eventos e personalidades.
Também houve uma tendência a rejeitar
a história das idéias ou ao menos uma fácil interação de causa e efeito entre idéias
e a implementação de políticas. Do lado
positivo, contudo, presenciamos o crescimento de uma história mais internacional, menos eurocêntrica.
Digo isso logo de saída, por óbvio que
seja, porque me parece que estarei às voltas aqui com um evento (a expulsão dos
jesuítas de Portugal e de seu império em
1759); com uma personalidade dominante, para não dizer dominadora (o
marquês de Pombal, que, para todos os
efeitos, governou Portugal de 1750 a
1777); com idéias (sobretudo, no caso
das monarquias ibéricas, uma reflexão
revigorada e sistemática sobre o papel do
Estado em promover o desenvolvimento
econômico e assegurar para si o monopólio da coerção, dos orçamentos, da administração e da Justiça); e com a história internacional (pelo que focalizarei
uma remota periferia do mundo setecentista: a bacia amazônica).
Esse evento (a expulsão portuguesa),
essa personalidade (Pombal) e essa periferia (a bacia amazônica) foram no entanto a centelha que pôs em marcha o
processo, pela Europa católica afora, que
deitou por terra a Sociedade de Jesus.
Como saldo, em Portugal, foi o Iluminismo que forneceu um fundamento, uma
justificativa, bem como os meios com
que remediar os estragos deixados pela
retirada forçada dos jesuítas.
Talvez seja importante ressaltar que
aqui é onde e quando teve início a expulsão. Ainda tendemos a olhar do centro
para as margens, porém foi nessas margens mais distantes do mundo europeu,
onde os jesuítas sempre haviam sido
mais ativos, que os primeiros decretos
para suprimir a Sociedade de Jesus foram efetivados. Por que uma ação no
Brasil teve tamanha repercussão alhures
é um assunto à parte. No espaço que ora
me cabe, interessa-me a centelha. Por
que a Amazônia? Por que Pombal?
Havia dois aspectos distintos, mas relacionados, do ambiente intelectual de
Portugal setecentista que influenciaram
o modo de Pombal pensar sobre os problemas com que se deparou ao assumir o
cargo em 1750; um e outro, cada qual a
seu modo, tiveram impacto na disputa
com os jesuítas. Primeiro, havia o aceso
debate sobre questões fundamentais a
respeito de filosofia e educação. Segundo, existia um considerável corpo de
pensamentos sobre vários aspectos da
economia política de Portugal.
O estímulo para aquele em Portugal, tal
como noutras partes da Europa, foi a
conquista intelectual de Descartes, Newton e Locke. As mais importantes obras
que emergiram dessa escola intelectual
em Portugal incluíam as de Martinho de
Mendonça Pina e Proença (1693-1743),
que tentou adaptar a Portugal algumas
das teorias de Locke, especialmente sobre educação; os escritos do cristão-novo
dr. Jacó de Castro Sarmento (1692-1762),
que introduziu idéias newtonianas em
Portugal; e as obras do dr. Antônio Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), outro
cristão-novo que deixara Portugal em
1726, trabalhando a partir de então na Inglaterra, Holanda, Rússia e finalmente na
França, onde (de 1747 até sua morte, em
1783) foi colaborador dos enciclopedistas e escreveu sobre medicina, pedagogia
e economia.
Iluminismo português O mais influente de todos eles foi o oratoriano Luís
Antônio Verney (1713-1792), autor de "O
Verdadeiro Método de Estudar", publicado em 1746. Luís Antônio Verney passou o mais de sua vida adulta em Nápoles e Roma, onde estudou com Antonio
Genovesi (1712-1769) e travou amizade
com Ludovico Antonio Muratori (1672-1750). Em Roma, tornou-se membro da
Arcádia e por um tempo atuou como secretário do enviado português ao Vaticano, Francisco de Almada e Mendonça,
que era sobrinho de Pombal.
A congregação do Oratório de São Felipe de Nery, à qual pertencia Verney, tomara a dianteira em Portugal, assim como em outras partes da Europa católica,
na introdução de experimentos científicos e no conflito com os jesuítas acerca
de modelos pedagógicos. Os oratorianos
eram ativos promotores das ciências naturais e destacavam também a importância da língua, gramática e ortografia
portuguesas, que acreditavam devessem
ser estudadas diretamente e não pelo
desvio do latim. A razão de serem os jesuítas o alvo dessa crítica era óbvia: eles
detinham o monopólio da educação superior em Portugal e da educação secundária no Brasil.
A par desse debate filosófico, parte de
um amplo fenômeno europeu, existia
uma importante segunda corrente de
pensamento, mais específica em relação
a Portugal. Era um corpo de idéias e discussão sobre governo, economia e diplomacia, que emergira na primeira metade
do século 18 em meio a um pequeno,
mas influente, grupo de conselheiros ultramarinos e ministros de governo, um
grupo dentro do qual Pombal era uma figura-chave. D. Luís da Cunha, sucessivamente embaixador português na República Holandesa e na França, era o mais
formidável desses pensadores e autor de
uma análise abrangente das fraquezas de
Portugal e dos meios de remediá-las. D.
Luís foi em muitos aspectos o mentor de
Pombal.
Esse debate centrou-se na posição de
Portugal dentro do sistema internacional e enfrentou às claras tanto os embaraços quanto as opções com que um pequeno país como Portugal, parte da Península Ibérica, mas independente da
Espanha, tinha de conviver. O fulcro dessas discussões era o problema de reter e
explorar o considerável ativo ultramarino que Portugal controlava na Ásia, na
África e sobretudo no Brasil; e desenvolver ao mesmo tempo um mecanismo para desafiar o domínio econômico inglês
sobre Portugal e sua vasta colônia americana sem debilitar a aliança política e militar com a Grã-Bretanha, a que Portugal
se via obrigado para conter a Espanha.
D. Luís da Cunha, em particular, situara os problemas de Portugal no contexto
de sua relação com a Espanha, sua dependência da -e exploração econômica
pela- Inglaterra e o que ele reputava serem as fraquezas endógenas de Portugal
em termos de carência de população e de
espírito de empresa. Essa triste condição
econômica e espiritual ele atribuía ao número excessivo de padres, à atividade da
Inquisição e à expulsão e perseguição
dos judeus. Ele propôs a criação de companhias comerciais monopolistas, baseadas no modelo holandês e inglês.
Pombal também traçou modelos a
partir de sua interpretação da experiência de outros países europeus. De 1739 a
1744, ele representara o rei português em
Londres. Para Pombal, a ameaça imposta pelos ingleses aos vastos e ricos domínios no Brasil viraram uma preocupação
maior. Era essencial, acreditava ele, compreender as origens da superioridade comercial e militar britânica e da fraqueza
econômica e política de Portugal e de sua
dependência militar.
Em Londres, Pombal, que se tornara
membro da Sociedade Real em 1740,
passou a investigar as causas, técnicas e
mecanismos do poder comercial e naval
britânico. Mas a Inglaterra não foi sua
única experiência externa. De Londres,
Pombal mudou-se para Viena. Ali não
foi menos observador e se envolveu numa longa, árdua e frustrante negociação
com o papado em favor do governo austríaco, no curso da qual se tornou bastante íntimo de Manuel Teles da Silva,
um emigrante português de linhagem
aristocrática que ascendera alto no Estado austríaco. Manuel Teles da Silva, que
fora intitulado duque Silva Tarouca pelo
sacro imperador romano Carlos 6º em
1732, foi presidente do Conselho dos Países Baixos e da Itália e era um confidente
da imperatriz Maria Theresa.
Pombal casara-se pela segunda vez
quando em Viena, um casamento de sucesso e altamente vantajoso com Maria
Leonor Ernestina Daun, de quem teve
cinco filhos. A condessa Daun era sobrinha do marechal Heinrich Richard Graf von Daun, comandante-em-chefe do
Exército austríaco. A imperatriz Maria
Theresa mostrou especial interesse na
união. O enviado português em Roma
observou azedo que foi esse matrimônio
que garantiu a Pombal a posição de secretário de Estado em Lisboa. E foi de fato a mulher austríaca de d. João 5º, Maria
Ana da Áustria, rainha regente durante a
doença terminal de d. João 5º, que chamou Pombal de Viena em 1749 para que
se juntasse ao ministério em Lisboa.
Possuímos uma correspondência privada extraordinariamente franca e íntima entre o duque Silva Tarouca e Pombal, cobrindo a primeira década depois
que Pombal assumiu o cargo em Lisboa,
a qual fornece uma discussão única e reveladora dos objetivos e medidas governamentais de Pombal. Silva Tarouca,
empolgado com a ascensão ao poder de
Pombal em Lisboa, escreveu em 1750 para cumprimentar seu amigo e lembrá-lo
de suas conversas e expectativas em relação ao futuro. "Não somos escravos da
moda e de práticas estrangeiras", disse
Silva Tarouca a Pombal, "mas menos
ainda somos escravos de antigos hábitos
e preocupações". Ele falava das "grandes
e novas disposições" que haviam discutido juntos.
O reinado de d. João 5º vira, sem dúvida, um fortalecimento das prerrogativas
régias, em boa parte resultado das vastas
riquezas que afluíam do Brasil após a
descoberta do ouro. A monarquia bragantina não precisou lançar mão da antiga instituição representativa de Portugal,
as Cortes, para angariar impostos durante todo o século 18, e d. João 5º usou sua
opulência colonial para realçar seu prestígio e persuadir Roma a lhe outorgar o
título de "fidelíssimo". Bem mais do que
metade de todas as receitas do Estado
provinha direta ou indiretamente dos
domínios ultramarinos de Portugal, sobretudo o Brasil.
Mas como essa atmosfera difusa de
idéias e preocupações afetou a política?
Quais eram essas "grandes e novas disposições" de Pombal? Por que elas o puseram tão vivamente em conflito com os
jesuítas, uma vez que não há prova, em
particular, a sugerir hostilidades para
com os jesuítas da parte de Pombal antes
de 1750, sendo mesmo provável que os
jesuítas lhe tenham amparado a subida
ao poder?
Em parte, ela resultou do fato de ter sido a situação colonial que primeiro chamou a atenção da nova administração
em Lisboa. O Tratado de Madri entre Espanha e Portugal fora assinado em janeiro de 1750. O tratado foi o primeiro acordo negociado entre os poderes ibéricos a
traçar os limites terrestres do conjunto
de seus territórios na América do Sul. Os
portugueses reivindicaram a Amazônia,
sobretudo o limite fluvial interior formado pelos rios Guaporé-Mamoré-Madeira. Quando assumiu como secretário de
Estado para Assuntos Estrangeiros em
julho de 1750, Pombal herdava um "fait
accompli", algumas partes do qual ele
não aplaudia.
Os jesuítas e a Espanha Essas demarcações de fronteira interna eram de grande sensibilidade para as ordens missionárias, de vez que as missões -e as jesuíticas em particular- mergulhavam
estrategicamente no interior continental,
situadas entre territórios espanhóis e
portugueses bem como ao longo dos
principais sistemas fluviais. Os jesuítas
tinham cooperado com a Espanha nos
anos 1740, e o uso dos neófitos indígenas
convertidos pelos jesuítas como tropas e
mão-de-obra foi uma parte indispensável dos planos espanhóis para conter a
expansão das fronteiras portuguesas,
fundindo-se a estratégia espanhola, nesse ponto, com o tradicional objetivo dos
jesuítas de criar uma cadeia de missões
unida, bem guarnecida, sertão adentro
do subcontinente sul-americano. Os temores de Portugal quanto à lealdade dos
jesuítas não eram, pois, infundados.
Com o Tratado de Madri, os portugueses cederam à Espanha a Colônia de Sacramento e as terras imediatamente ao
norte do rio da Prata em troca do reconhecimento espanhol das fronteiras fluviais ocidentais do Brasil. Estas incluíam
o rio Uruguai, o que punha as sete missões jesuíticas da região, havia tempos
sob a soberania espanhola, sob a de Portugal. Os acordos de Madri prescreviam
a evacuação dos jesuítas e seus neófitos
indígenas das missões uruguaias bem
como mais de 1 milhão de cabeças de gado e previam um levantamento da linha
demarcatória entre a América espanhola
e portuguesa por duas comissões mistas.
O governador-geral do Brasil, Gomes
Freire de Andrade, foi designado comissário português para o Sul. Para a região
amazônica, ao norte, Pombal enviou seu
próprio irmão, Francisco Xavier de
Mendonça Furtado.
A "carta secretíssima" a Gomes Freire,
complementando suas instruções gerais,
revelam toda a magnitude dos objetivos
e expectativas de Pombal para a América
portuguesa e demonstram como pesaram para Pombal a experiência vienense
e suas discussões com Silva Tarouca.
"Como o poder e a riqueza de todos os
países consistem principalmente no número e multiplicação do povo que o habita", escreveu ele, "esse número e multiplicação do povo é mais indispensável
agora nas fronteiras do Brasil para sua
defesa". Como não era "humanamente
possível" fornecer o povo necessário da
metrópole e das ilhas adjacentes sem
convertê-las "inteiramente em desertos", era essencial abolir "todas as diferenças entre índios e portugueses" para
atrair os índios das missões do Uruguai e
estimular-lhes o casamento com europeus. As instruções a Mendonça Furtado
refletem objetivos semelhantes. A fim de
promover o aumento da população e intensificar seu compromisso com Portugal, Pombal recomendou ao irmão que
emancipasse os índios do controle dos
missionários, estimulasse a migração e
estabelecimento de casais dos Açores e
avivasse o quanto possível o comércio de
escravos africanos na região.
"Todos hão de servir" Na prática,
a implementação dessas idéias, no que
tocava aos índios, significava a remoção
da tutela dos jesuítas e visava a sua assimilação, em vez de sua separação da sociedade portuguesa no Brasil. Essas
idéias receberam calorosa acolhida de
Viena: o duque Silva Tarouca escreveu a
Pombal em 1752 que os "reis de Portugal
podem chegar a ter um império como a
China no Brasil (...)". Grande cuidado,
escreveu ele, havia de ser tomado para
povoar o Brasil. "Mouro, branco, negro,
mulato ou mestiço, todos hão de servir,
todos são homens e são bons se forem
bem governados." Acima de tudo, a vasta bacia amazônica deveria ser protegida. "População é tudo, muitos milhares
de léguas de desertos de nada servem."
Definidos assim, os interesses do Estado colidiam, é claro, com o mais básico
princípio filosófico da política de proteção aos índios dos jesuítas, e de fato se
lançava a política estatal ao encontro dos
colonizadores, com quem sempre haviam lutado os jesuítas em seus esforços
para resguardar os índios da exploração.
Valendo-se das idéias de Luís da Cunha e de Pombal sobre companhias monopolistas, o irmão de Pombal, logo após
chegar a Belém, a capital paraense à boca
do rio Amazonas, recomendou que fosse
estabelecida uma companhia comercial
para facilitar a provisão de escravos africanos à região amazônica; ele acreditava
que a importação de escravos africanos
aliviaria a pressão sobre os colonizadores para escravizar e maltratar a população indígena nativa. Ele queria também
ver crescer o investimento na economia
amazônica, coisa que resultaria, segundo
ele, da ação de uma companhia monopolista, para lhe incrementar as potenciais exportações.
Em 1755, em resposta a esse conselho,
Pombal estabeleceu a Companhia do
Grão-Pará e Maranhão. À companhia foi
concedido o direito exclusivo de comércio e navegação entre Portugal, África e
essas capitanias amazônicas por um período de 20 anos. Ao mesmo tempo,
Pombal expediu decretos em 6 e 7 de junho de 1755 suprimindo a autoridade secular dos jesuítas sobre os índios, declarando-os "homens livres". Além disso,
ele ordenou a expulsão do Brasil daqueles comissários volantes que atuavam como agentes comissionados de casas mercantis estrangeiras, sobretudo britânicas,
estabelecidas em Londres.
Essas três medidas decisivas estavam
ligadas. O objetivo oculto da Companhia
do Grão-Pará e Maranhão era de fato
mais amplo do que talvez indique seu foco regional. Com efeito, Pombal começou seus esforços de "nacionalizar" setores do comércio colonial nos quais os negociantes estrangeiros eram menos ativos para camuflar suas intenções mais
largas.
Pombal esperava que, concedendo privilégios especiais e proteção para estimular a emissão de créditos mais longos por
negociantes portugueses, as casas mercantis em Portugal seriam capazes de
acumular capital suficiente para competir com mais eficácia com os negociantes
britânicos no comércio colonial como
um todo e, por extensão, também em
Portugal.
Desse modo, o Estado pombalino conteria e limitaria o papel da participação
estrangeira no comércio luso-atlântico.
E, golpeando os comissários volantes, ele
esperava suprimir um elo decisivo entre
os negociantes estrangeiros em Portugal
e os produtores brasileiros -e, no caso
da Amazônia, os jesuítas, cujo comércio
em produtos amazônicos ele via como
uma concorrência desleal com o de empresários brasileiros e portugueses a
quem ele queria estimular.
Pombal disse ao duque Silva Tarouca
que seu objetivo ao estabelecer a Companhia do Grão-Pará e Maranhão era "restabelecer às praças mercantis de Portugal e do Brasil as comissões de que foram
privadas e que são a principal substância
do comércio e o meio pelo qual poderiam ser estabelecidas as grandes casas
mercantis que têm faltado em Portugal".
Pombal também insistiu com seu irmão,
em correspondência privada, para "usar
todo pretexto possível para separar os jesuítas da fronteira e cortar todas as comunicações entre eles e os jesuítas dos
domínios espanhóis".
Objetivos implícitos A companhia
monopolista de Pombal servia assim a
objetivos em vários níveis, nem todos
eles explícitos. O principal objetivo no
comércio colonial era tentar diminuir a
influência dos britânicos, mas os métodos empregados para alcançar tal fim
eram sutis, pragmáticos e envoltos em
subterfúgios. O inevitável problema na
relação entre britânicos e portugueses
era que ela estava circunscrita a tratados
que, por razões políticas e de segurança,
os portugueses queriam manter. Um
modo de agir contra a influência britânica, não obstante, enquanto evitava o
confronto aberto sobre os termos dos
tratados entre os dois países era usar
uma variedade de técnicas em Portugal e
dentro do cenário colonial para transpor
as vantagens econômicas das concessões
estrangeiras para os grupos mercantis
portugueses. Nesse respeito, a escolha da
Amazônia para dar início ao processo foi
um subterfúgio bastante sagaz. Os britânicos não perceberam a ameaça a seus
interesses senão ao final da década. Em
Viena, Silva Tarouca, quando informado
das ações de Pombal, muito apreciou a
idéia. Tais eram precisamente o tipo de
grandes e novas disposições que aplaudia -cercadas da camuflagem com que
ele recomendava sempre disfarçá-las.
Isso não quer dizer que a intervenção
de Pombal não tenha encontrado resistência. Longe disso. A promulgação dos
privilégios da Companhia do Grão-Pará
e Maranhão e a emancipação indígena
da tutela missionária provocaram pronta resposta dos comerciantes espoliados
e dos jesuítas.
Ambos encontraram um órgão para
agitação na Mesa do Bem Comum, uma
rudimentar associação comercial lisboeta estabelecida no final dos anos 1720.
Em face dessas provocações, Pombal
não tardou a agir. Dissolveu a confraria
comercial do Espírito Santo como prejudicial ao serviço real, ao interesse comum e ao comércio, e os deputados
ofensores foram condenados ao desterro. Os papéis confiscados da Mesa revelaram o alcance do envolvimento jesuíta,
e Pombal interpretou e lidou com o protesto como se fosse um levante conspirador contra o poder real.
Consequências involuntárias A criação da Companhia do Grão-Pará e Maranhão acarretou assim várias consequências importantes e provavelmente
involuntárias. Primeiro, uniu as tentativas de fazer valer o controle nacional sobre setores do comércio colonial a questões geoestratégicas mais amplas, nascidas da implementação do Tratado de
Madri. Segundo, lançou Pombal, e não
menos gravemente seu irmão, em aberto
conflito com os jesuítas, porque o Grão-Pará e o Maranhão eram um baluarte das
atividades missionárias jesuíticas e uma
região com uma história de amargas disputas entre jesuítas e colonizadores.
Enquanto isso, as missões indígenas
dos jesuítas na fronteira meridional haviam pego em armas para defender-se e
opor-se à implementação do Tratado de
Madri, provocando contra elas uma
campanha conjunta hispano-portuguesa. A imagem dos índios militarizados
sob o controle jesuíta insurgindo-se unilateralmente contra as ordens dos monarcas ibéricos causou expressivo efeito
no espírito europeu. Voltaire, em seu
"Cândido", retrata um jesuíta brandindo
uma espada montado a cavalo.
E o que é mais, os eventos envolvendo
a implementação do Tratado de Madri
fortaleceram a convicção de Pombal de
que a presença dos jesuítas em terras
portuguesas, estrategicamente situadas
como eram as missões ao longo da região fronteiriça, era um empecilho à realização de seus propósitos de restabelecer o poder e a prosperidade a Portugal e
à proteção de suas fronteiras pelo estímulo ao crescimento populacional mediante a incorporação dos índios -pela
miscigenação e secularização- à sociedade colonial portuguesa.
De Viena, o duque Silva Tarouca, revendo sua antiga opinião sobre a conveniência da cooperação jesuítica, observou em fevereiro de 1758: "Não foi espírito evangélico que armou de mosquetes
80 ou 100 mil índios e erigiu um poder
intermediário do rio da Prata ao Amazonas que um dia poderá ser fatal às potências dominantes da América do Sul".
Os anos 1750, portanto, marcando a
primeira década da preeminência de
Pombal, viram Portugal embarcar num
ambicioso projeto para restabelecer alguma medida de controle nacional sobre
as riquezas que afluíam a Lisboa procedentes dos domínios ultramarinos portugueses, o Brasil à frente. Para fazê-lo,
ele adaptou às peculiaridades da posição
portuguesa muitas das técnicas de desenvolvimento econômico que vira em
ação em Londres e Viena, sobretudo o
uso do poder estatal para dar relevo aos
dotes empresariais nacionais e a imposição de monopólios estatais para proteger
a nascente indústria e comércio nacionais. Também lhe coubera implementar
o Tratado de Madri, envolvendo um esforço superlativo de traçar e levantar as
vastas fronteiras do Brasil. Em ambos os
casos, os jesuítas interpuseram grandes
obstáculos a seus planos. Na fronteira
meridional, uma campanha militar fora
necessária para derrotar as forças conduzidas a campo pelas missões jesuíticas. No norte do Brasil, as missões amazônicas se precipitaram em conflito
aberto com o irmão de Pombal.
Em meio ao acúmulo dessas batalhas,
o terremoto de 1755 atingiu Lisboa, elevando Pombal a um poder praticamente
supremo e abrindo caminho para uma
radical reconstrução da cidade. Porém o
desencanto da antiga nobreza com as
políticas de Pombal também crescia. A
Companhia do Grão-Pará e Maranhão
usara o engodo do enobrecimento como
um incentivo para investir. Os estatutos
da companhia ofereciam a investidores
não-nobres certas isenções e privilégios
que antes haviam sido prerrogativa exclusiva da nobreza e da magistratura, admitindo-os como membros de ordens
militares. A aristocracia exclusivista indispôs-se com a exclusão da mercê e
com os favores cumulados a comerciantes e homens de negócios.
Além disso, pequenos comerciantes e
taberneiros não se resignavam por terem
sido excluídos pela nova companhia monopolista de Pombal, criada para proteger os produtores de vinho do vale do alto Douro, e essas reações conspiraram
para produzir uma série de revoltas violentas e tentativas de assassinato, a que
Pombal reagiu ferozmente, não apenas
contra as classes populares mas também
contra a alta nobreza e a ordem jesuíta.
O caso da Mesa do Bem Comum, o ataque ao contrabando e a regulação do comércio colonial forjaram assim uma
identidade de interesses entre comissários volantes espoliados, seus credores
ingleses e os jesuítas, e os favores outorgados aos colaboradores de Pombal criaram uma identidade de interesses entre
esses grupos e os nobres descontentes.
Para a velha aristocracia, os colaboradores mercantis de Pombal representavam um sério desafio ao privilégio aristocrático dentro da estrutura social portuguesa, e a reação a essa engenharia social promovida pelo Estado não tardou a
surgir.
Tentativa de regicídio A crise chegou ao auge com a tentativa de regicídio em 1758. O rei d. José 1º retornava ao palácio de Belém depois de uma visita noturna a sua amante, a jovem mulher do
marquês de Távora, quando sua carruagem foi alvejada a tiros. O rei feriu-se seriamente, o suficiente para que a rainha,
dona Mariana Vitória (1718-1781), assumisse a regência (7 de setembro de 1758)
durante sua convalescença. O incidente
foi mantido em silêncio oficial até o começo de dezembro, quando um número
substancial de pessoas foi preso numa
vasta operação pente-fino, incluindo um
grupo de aristocratas de prol. Os prisioneiros mais eminentes eram os cabeças
da família Távora, o conde de Atouguia e
o duque de Aveiro. O duque d. José Mascarenhas, o mais poderoso nobre de Portugal, excetuando a família real, era presidente da Suprema Corte. O marquês de
Távora era ex-vice-rei da Índia e comandante da cavalaria. O conde de Atouguia
chefiava a guarda palaciana.
O rei instaurou uma Suprema Junta de
Inconfidência (9 de dezembro de 1758),
presidida por três secretários de Estado e
sete juízes, mas dominada de fato por
Pombal. O tribunal, munido de amplos
poderes que negavam aos réus as usuais
salvaguardas da lei portuguesa, agiu com
presteza. Em 12 de janeiro de 1759, os prisioneiros foram julgados culpados de
tentativa de regicídio e condenados. O
duque de Aveiro seria esquartejado, seus
membros e braços esmagados e expostos
numa roda para que todos vissem, suas
cinzas lançadas ao mar. O marquês de
Távora seguiria a mesma sina. Os membros do restante da família seriam quebrados na roda, mas primeiro haveriam
de ser estrangulados. A sentença grotesca, cuja violência contra os aristocratas
chocou boa parte da Europa, foi executada no dia seguinte em Belém.
No dia anterior, oito jesuítas foram
presos por suposta cumplicidade, entre
eles Gabriel Malagrida, um missionário e
místico de ascendência italiana que partira para o Brasil em 1721, onde eles haviam trabalhado, no Maranhão. Após
uma breve passagem em Lisboa entre
1749 e 1751, ele retornou ao Brasil, onde
cedo se meteu em dificuldades com o irmão de Pombal. Malagrida publicara um
panfleto sobre o terremoto de Lisboa,
atribuindo o desastre à cólera divina.
Pombal suara para explicar o terremoto
como um fenômeno natural e pessoalmente denunciou Malagrida à Inquisição, no comando da qual instalara seu
outro irmão, Paulo de Carvalho.
Um alvará real de 3 de setembro de
1759 declarou estarem os jesuítas em rebelião contra a coroa, ratificando o decreto real de 21 de julho do mesmo ano,
que ordenava o encarceramento e prisão
dos jesuítas no Brasil. Até março e abril
de 1760, 119 jesuítas haviam sido banidos
do Rio de Janeiro, 117 da Bahia e 119 do
Recife. As vastas propriedades da ordem
no Brasil, em Portugal e no remanescente do antes vasto império português na
Ásia foram expropriadas.
Em 21 de setembro de 1761, após um
auto-de-fé em Lisboa, Malagrida foi garroteado e queimado, e suas cinzas lançadas ao vento. Sobre o caso Malagrida,
Voltaire escreveu, "l'excès du ridicule et
de l'absurdité fut joint à l'excès d'horreur" (o excesso de ridículo e de absurdo
uniu-se ao excesso de horror). A reação
em outras partes da Europa foi forte o
bastante para sugerir a Pombal imprimir
a sentença contra Malagrida com uma
justificativa em francês. Que o último indivíduo queimado vivo pelas autoridades portuguesas a instâncias da Inquisição fosse um padre, membro de uma ordem que representara a ponta-de-lança
mesma da Contra-Reforma, era algo carregado de simbolismo e serviu de trampolim para que Pombal promovesse sua
formidável propaganda de Estado na
cruzada antijesuítica. Dali em diante, a
administração pombalina instigou e
subsidiou pela Europa afora uma virulenta campanha contra a ordem.
Propaganda antijesuítica O próprio Pombal esteve intimamente envolvido na redação e formulação da notável
peça de propaganda conhecida como
"Dedução Cronológica e Analítica". O
texto dividia a história de Portugal entre
o útil e o desastroso, essencialmente ligados à influência dos jesuítas. Sustentava
uma rigorosa visão regalista no tocante à
igreja de Portugal. O professor Samuel
Miller descreve a obra, não sem razão,
como "uma monótona repetição de todas as acusações já assacadas contra os
jesuítas por qualquer um em qualquer
época". A história do assalto, pelas coroas portuguesa e espanhola, às missões
jesuíticas ao longo do rio Uruguai na
América do Sul durante o final dos anos
1750 também foi resumida e durante
muitos anos definida por outra peça de
propaganda financiada e promovida pelo Estado, a "Relação Abreviada".
Publicada em português, italiano, francês, inglês e alemão em Amsterdã, a "Relação" era um relato da campanha conjunta de portugueses e espanhóis contra
as missões jesuíticas no que hoje são as
terras fronteiriças do Sul brasileiro. Estima-se que cerca de 20 mil cópias foram
distribuídas. Foi uma poderosa arma na
batalha européia que conduziu à supressão dos jesuítas pelo papa Clemente 14
em 1773. Como mostrou Franco Venturi, sobretudo Veneza e Roma especializaram-se em imprimir vivos relatos das
idas e vindas que ocorriam em Lisboa.
A expulsão dos jesuítas deixou Portugal praticamente despido de professores
de nível secundário e universitário. Não
admira que a criação de um sistema escolar de educação secundária e a reforma
da Universidade de Coimbra tenham seguido à risca as recomendações dos antigos inimigos dos jesuítas, os oratorianos
e Luís Antônio Verney, o último a essa
altura consultor pago do governo português. Essas duas reformas forneceriam
munição a Pombal para que sustentasse
ser um paladino de um governo ilustrado. Ambas as reformas foram financiadas em parte pelas propriedades expropriadas dos jesuítas e aristocratas condenados por regicídio.
Finalmente, tornemos à pergunta que
formulamos antes: por que Pombal, e
por que a Amazônia? A resposta está em
cinco pontos de conflito cruciais. O primeiro era o plano de Pombal para a regeneração econômica por intermédio da
exploração racional das colônias. Segundo, havia o conflito geopolítico em torno
das fronteiras e da segurança do império,
no qual as missões guaranis, em particular, se opunham às decisões de Portugal
pela força das armas. Terceiro, a tentativa de regicídio. Quarto, havia o eterno
conflito dentro da igreja sobre educação
e regalismo; esse importante cisma permitiu atacar os jesuítas sob o manto da
tradição católica, na qual se irmanavam
os principais porta-vozes antijesuítas.
Quinto e último, a situação armou um
conflito direto entre a ordem e um ministro poderoso e inclemente que não tolerava divergências, para quem a "raison
d'état" era a política suprema -e que
não hesitava em agir quando provocado.
Que essas cinco causas servissem de
catalisador para a expulsão dos jesuítas
de Portugal muito deveu, é claro, à receptividade da opinião ilustrada européia, à
política eclesiástica e à aquiescência diplomática de outras monarquias católicas da Europa. Mas a opinião européia
sozinha não teria sido necessariamente
suficiente para ocasionar um ato de expulsão -e muito menos para conduzir à
momentosa decisão do papa Clemente
14, em 1773, de suprimir a ordem jesuíta
por inteiro. Os monarcas católicos europeus na Espanha, depois na França e na
Áustria, apressaram-se a seguir o exemplo de Portugal em expulsar os jesuítas,
mas é muito questionável que algum deles o tivesse feito se Portugal não agisse
primeiro.
É nesse ponto, claro, que as correntes
do pensamento ilustrado que esbocei no
começo forneceram justificação propícia
para ações que, no fundo, como vimos,
tinham motivações mais prosaicas.
Kenneth Maxwell é historiador inglês, autor, entre outros, de "A Devassa da Devassa" e "Marquês
de Pombal - Paradoxo do Iluminismo" (ambos pela
ed. Paz e Terra) e membro do Council on Foreign
Relations de Nova York. Escreve mensalmente na
seção "Autores", do Mais!. O texto acima, em versão integral, aparecerá em uma edição da revista
"Portuguese Studies" em homenagem ao historiador Charles R. Boxer.
Tradução de José Marcos Macedo.
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