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AUTORES
Fortalecimento da direita agrava a situação do país
Dois lados do Brasil
ALAIN TOURAINE
especial para a Folha
Sociedades ao mesmo tempo
transformadas e integradas pela
força arrebatadora da economia
aberta -isso não existe. Praticamente não há mais ideólogos que
ainda procuram "vender" esse
discurso -que não convence. O
que vemos são dois tipos de sociedade muito diferentes: as sociedades dualizadas e as sociedades
fragmentadas. Ou seja, sociedades que são fortemente polarizadas, nas quais a oposição principal se dá entre ricos e pobres, e sociedades em que as diferenças sociais, culturais, étnicas, religiosas
etc. -muito frequentemente
também ligadas a desigualdades- deixam pouco espaço para
uma integração que se dê por
meio de um modelo homogeneizador formado em torno de um
Estado central.
Se admitimos que a dualização é
forte sobretudo nos países onde o
problema da modernização é dominante, já que essa modernização sempre exige uma concentração de investimentos e, portanto,
um aumento das desigualdades,
podemos afirmar que também é
verdade que, nas sociedades mais
ricas, encontramos sobretudo a
fragmentação, o que também se
aplica às sociedades mais pobres,
nas quais a unidade nacional é
fraca diante da força das etnias,
como é o caso de muitos países
africanos.
Enquanto isso, é nas situações
intermediárias, aquelas que descrevemos como economias emergentes ou de países parcialmente
desenvolvidos, que encontramos
o maior número de sociedades
dualizadas. Esse foi o caso dos
países da Europa ocidental no século 19. Na América Latina, existem sociedades fragmentadas; são
as mais pobres do continente
-Bolívia, Nicarágua ou Equador,
por exemplo, e também a Colômbia, que se encontra em forte queda. Mas o modelo dominante no
continente ainda é o dualista.
Esse modelo já tinha sido descrito 40 anos atrás pelos economistas do Cepal. Durante o período das ditaduras militares, foi esquecido, porque, na época, os
conceitos políticos eram vistos
como mais importantes do que os
econômicos, e, mesmo após a formação de novas democracias, as
visões globais -otimistas ou,
mais frequentemente, pessimistas- saíram vencendo, especialmente no México, que passou por
duas crises gerais, em 1982 e em
1994-95. A mesma coisa se deu na
Argentina, também ela atingida
por uma crise nacional total que
provocou a queda do presidente
Alfonsin. O próprio Brasil acaba
de passar por uma crise financeira
e monetária, no início do ano, que
ameaçou sua economia.
Mas podemos lançar a hipótese
de que, após um período de crises
econômicas acentuadas, a América Latina, e especialmente o Brasil, estão retornando ao modelo
clássico da dualização, ainda tão
forte em muitos países europeus.
A melhor demonstração disso é a
oposição entre dois tipos de resposta à crise recente. Se considerarmos os indicadores econômicos gerais, poderemos afirmar
que, até a nova queda recente do
real (que tem causas mais sociais
do que nacionais), a recuperação
do país era notável e superou as
previsões, já que a principal consequência negativa da desvalorização do real foi o enfraquecimento do Mercosul. Mas a opinião pública brasileira, em sua
maioria, teve outra reação.
O sentimento de insegurança,
que tinha se amainado devido à
estabilidade da moeda e a elevação do nível de vida das camadas
populares, voltou à tona, acompanhado do sentimento dos brasileiros de terem sido traídos por
um presidente a quem a reforma
monetária bem-sucedida havia
garantido alto índice de popularidade. E vimos surgir, a partir do
MST -de início, muito centrado
em determinadas reivindicações
relativas à terra-, uma corrente
mais geral de insatisfação e, sobretudo, a consciência de pertencerem à parte sacrificada da população. Os mais descontentes
são sobretudo aqueles que integram o mundo agrícola: fazendeiros, trabalhadores assalariados e
sem-terra. Paralelamente, São
Paulo e sua região foram atingidos pelo desemprego industrial
elevado.
Poderíamos afirmar simplesmente que, após um parêntese feliz -o da estabilidade monetária,
que mais mascarou do que resolveu os problemas-, o Brasil se vê
novamente diante de seus problemas de sempre. Esse raciocínio
seria falso, já que ocorreram duas
transformações. O Estado se reformulou e reconstituiu seus quadros de gestão. A insubmissão
dos governadores não durou
muito tempo -e deixou Itamar
isolado. A comunidade financeira
internacional manifestou sua
confiança no presidente FHC de
maneira contundente.
Em segundo lugar, se a segunda
crise do real difere da primeira, é
porque o Brasil, tendo superado
os graves perigos que ameaçavam
o país, está sendo obrigado agora
a colocar em primeiro plano, para
o bem de seu próprio futuro nacional, os problemas sociais internos, que devem voltar a ter precedência sobre os efeitos da crise da
economia internacional.
E o que torna a situação atual
mais difícil do que aquela que
existia antes da crise do início de
1999 é que a direita se fortaleceu
mais do que a esquerda nos últimos anos, na medida em que seus
interesses econômicos próprios
foram reforçados pela abertura da
economia mundial. A esquerda,
pelo contrário, se encontra dividida, e, dentro dela, também o PT
está dividido, com o surgimento
de correntes em torno de Lula ou
de Tarso Genro, em especial, enquanto o PSDB, cujos laços com o
presidente não são muito estreitos, não consegue reunir a centro-esquerda à sua volta.
Sem atribuir importância demais a certas violências verbais, é
preciso reconhecer que, se a força
do presidente se manifestou depois do início da crise, na medida
em que ele era a única figura
bem-posicionada para conduzir
o navio nacional que penetrava
em águas internacionais revoltas,
agora que os problemas internos
reassumiram a dianteira, ele parece estar mais isolado, submetido a fortes pressões da direita, a
crescentes reivindicações sociais,
à disputa entre chefes políticos,
de tal maneira que, no momento
atual, não dispõe do apoio político do qual precisa.
Mais do que nunca, me parece
que se impõe a idéia que já defendi aqui -ou seja, que o Brasil
precisa de um governo de centro-esquerda que priorize o combate
às desigualdades e à exclusão social-, para evitar graves comoções sociais. Cabe a todos os responsáveis políticos tomar consciência disso e reorganizar a vida
política do país em torno da nova
prioridade que deve ser atribuída
aos problemas sociais.
Alain Touraine é sociólogo, diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais
(Paris). Está lançando no Brasil "Como Sair
do Liberalismo?" (Editora da Universidade
do Sagrado Coração).
Tradução de Clara Allain.
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