São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2000

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TRECHOS

Minha criança, hoje os veredictos serão dados separadamente. Provavelmente, Taylor está sendo julgado agora. Assim, tenho algum tempo para ti. Minha rosa sublime, minha flor delicada, meu lírio dos lírios, é talvez na prisão que vou testar o poder do amor. Verei se não posso tornar doces as águas amargas com a intensidade do amor que sinto por ti. Tive momentos em que pensava seria mais prudente nós nos separarmos. Ah! momentos de fraqueza e loucura! Agora vejo que mutilaram minha vida, arruinaram minha arte, quebraram os acordes musicais que fazem uma alma perfeita. Mesmo coberto de lama te exaltarei. Do mais profundo dos abismos gritarei teu nome. Na minha solidão estarás comigo. Estou disposto a não me revoltar, mas a aceitar todo o ultraje pela devoção ao amor, para deixar meu corpo ser desonrado desde que minha alma possa sempre guardar a imagem de ti. Desde os cabelos sedosos até os pés delicados, tu és a perfeição para mim.
O prazer esconde o amor de nós, mas a dor o revela em sua essência. Ó, a mais querida das criaturas, se alguém ferido pelo silêncio e solidão vier a ti, desonrado e risível para os homens, oh, tu podes curar essas feridas tocando-as para restaurar a alma que a infelicidade tinha por um momento sufocado. Nada será difícil para ti e, lembre, é a esperança que me faz viver, só a esperança. O que a sabedoria é para o filósofo, o que Deus é para o santo, tu és para mim. Guardar-te na minha alma, eis o objetivo dessa dor a que os homens chamam vida. Ó! Meu amor, a quem estimo sobre todas as coisas, narciso branco num campo selvagem, pense sobre o peso que cai sobre nós, um peso que o amor sozinho pode tornar leve. Não fiques triste por isso; ao contrário, fique feliz por ter preenchido com amor imortal a alma de um homem que lamenta agora no inferno, mas que ainda carrega o céu no coração. Eu te amo, eu te amo, meu coração é uma rosa que teu amor desabrochou. Minha vida é um deserto ventilado pela deliciosa brisa da tua respiração, cujas fontes frescas são teus olhos.
A marca dos teus pezinhos me faz vales de sombra. O odor do teu cabelo é como mirra e para onde vais exala o perfume da cássia. Ama-me sempre, ama-me sempre. Tens sido o supremo, o perfeito amor de minha vida. Não pode existir outro.
Decidi que era mais nobre e mais bonito ficar. Não podíamos ter ficado juntos. Não quis ser chamado de covarde ou desertor. Um nome falso, um disfarce, uma vida perseguida, tudo isso não é para mim, a quem tu revelaste na alta colina onde as coisas bonitas são transfiguradas.
Ó mais doce de todos os meninos, o mais amado de todos os amores, minha alma agarra tua alma, minha vida é tua vida e em todos os mundos de dor e prazer, tu és meu ideal de admiração e êxtase. Oscar


Carta de 20 de maio de 1895, cinco dias antes da leitura da sentença.
Tradução de Gentil de Faria

Meu querido menino, recebi teu telegrama meia hora atrás e mando-te uma linha para dizer que sinto que somente a esperança de fazer novamente obra-de-arte bonita é estar contigo. Não era assim nos velhos tempos, mas agora é diferente. Tu podes recriar de fato em mim a energia e o senso de poder glorioso do qual a arte depende. Todos estão furiosos comigo por ter voltado para ti, mas eles não nos entendem. Sinto que é somente contigo que posso fazer alguma coisa. Reergue minha vida para mim e então nossa amizade e amor terão um significado diferente para o mundo.
Gostei quando nós nos encontramos em Rouen e não estávamos rompidos. Existem agora largos abismos de espaço entre mim e ti. Mas nós nos amamos. Boa noite, querido. Sempre teu. Oscar

Trecho de carta de 31 de agosto de 1897, três meses depois de Oscar Wilde ter deixado a prisão.
Tradução de Gentil de Faria.



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