|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ livros
Em "A Economia Como Ela É..." o economista Paulo Nogueira Batista Jr. reúne textos
escritos nos anos 90 em que ataca o mito da internacionalização dos mercados
|
A cortina de fumaça da globalização
André Singer
da Reportagem Local
Sou suspeito para comentar o trabalho de Paulo Nogueira Batista
Jr. porque tendo a concordar com
as principais posições defendidas
pelo autor. Não tenho nem nunca tive
simpatia pelo nacionalismo, mas creio
que hoje é necessário resistir com firmeza à perda de soberania que impede o
Brasil de formular políticas autônomas
voltadas para o desenvolvimento sustentado e a distribuição da renda. Em outras
palavras, penso que a evolução recente
do capitalismo repôs a chamada questão
nacional, que a minha geração pretendia
ver enterrada junto com o populismo e a
Guerra Fria. Daí a atualidade de "A Economia Como Ela É...", o volume em que
Batista Jr. reúne trabalhos publicados
durante a década de 90, entre eles os artigos que escreve para a Folha uma vez por semana.
Há 20 anos a afirmação
de que um país deveria
preservar os instrumentos macroeconômicos
com os quais pudesse
construir o próprio futuro
soaria acaciana, como diria o próprio Batista Jr. (o personagem de Eça de Queiroz
frequenta algumas boas páginas do livro). No entanto houve uma alteração
profunda do ambiente ideológico e os
termos do debate precisam ser reconstruídos desde o marco zero.
Revisão do mito
Um dos pontos altos do volume encontra-se, justamente,
na revisão que Batista Jr. faz do mito da
globalização. Apoiado em dados comparativos sobre o grau de internacionalização da economia no período anterior à
Primeira Guerra Mundial e o das últimas
décadas, ele mostra que só agora a integração retorna aos patamares atingidos
cem anos atrás.
Com isso, Batista Jr. dá um tiro certeiro
na base de uma das idéias mais difundidas dos últimos anos. Aquela segundo a
qual tudo o que ocorre na economia (e
não só) decorre de um fenômeno novo e misterioso: a globalização, da qual
todos falam, mas ninguém sabe dizer o que é.
Sem dúvida, existe uma
crescente dependência
econômica entre os países, mas não se trata de um admirável
mundo novo, em que todas as regras anteriores tenham sido subitamente revogadas. Apenas passamos por mais um ciclo de internacionalização, como outros
do passado.
Por que, então, a forte impressão de
que está em curso algo inédito, pergunta-se o autor. "A ilusão decorre, pelo menos em parte, do fato de que a integração
alcançada no passado recente é realmente muito significativa quando comparada ao baixo grau de abertura das economias logo após a Segunda Guerra Mundial" (pág. 35), esclarece Batista Jr.
Ou seja, nós, os não-economistas, somos vítimas de uma tremenda falta de
perspectiva histórica. Desse ponto de
vista, "A Economia Como Ela É..." presta
um importante serviço ao colocar as
idéias no lugar, o que, segundo Antonio
Candido, é, por definição, o trabalho do
professor.
No entanto, Batista Jr. vai mais longe.
Sugere que o mito da globalização é também uma cortina de fumaça, lançada por
economistas desejosos de "mascarar a
responsabilidade pelas opções e decisões
dos governos, obstruindo a crítica das
políticas públicas".
O argumento faz sentido. Se a globalização for vista como uma onda irrefreável que a tudo e a todos engole por igual,
ficam borradas as distinções entre os que
governam, e por isso detêm o poder de
adotar medidas macroeconômicas, e os
que são submetidos a tais políticas.
Mergulho nos dados
Coerente
com tal premissa, o autor empreende a
análise do Plano Real, o mais importante
conjunto de políticas públicas dos últimos seis anos no Brasil. De um novo
mergulho nos dados, emerge a visão de
que, com o real "no fundo, o que se fez foi
substituir a inflação por uma tendência
ao desequilíbrio externo" (pág. 111).
Apesar da elegância da linguagem
-Batista Jr. é um articulista culto e bem-humorado-, a demonstração sobre os
desacertos do governo FHC não é tão
clara, para um leigo, quanto a desmistificação da "era global". A ligação entre valorização da moeda, déficits nas transações com o exterior, juros internos e tamanho das reservas cambiais, apenas
para citar alguns elementos, precisaria
ser mais didática para que todos os passos do raciocínio fossem compreendidos
de modo cristalino. Ainda assim, dois
pontos ressaltam. De uma parte, a destruição de setores inteiros da economia
nacional pela combinação, descuidada
segundo o autor, da valorização cambial
e da repentina queda de barreiras para
produtos estrangeiros. De outra, a constante necessidade de dólares com os
quais seja possível pagar a conta dos produtos importados, o que resulta em uma
perigosa dependência do país em relação
a voláteis capitais externos.
No contexto da discussão sobre a política econômica do governo, três aspectos
mereceriam, a meu ver, discussão mais
detida por parte de Batista Jr. A desvalorização do real em janeiro de 1999, debatida no livro, mas menos do que se poderia esperar, dada a centralidade da questão para o raciocínio do autor. A queda
dos juros, iniciada neste ano pelo presidente do Banco Central, Armínio Fraga.
E as privatizações, segunda grande marca do governo FHC.
Afora o desejo de ver tais assuntos contemplados de modo mais abrangente, tenho um reparo menor ao volume. A reunião de textos escritos para distintas finalidades (artigos acadêmicos, apresentações públicas, textos para jornal) resulta em certa repetição de argumentos, o
que poderia ser facilmente solucionável
em uma segunda edição.
Por fim, uma idiossincrasia. Acho que
há um uso exagerado hoje no Brasil de
um dos autores que Batista Jr. gosta de
citar em seus artigos para a Folha: Nelson Rodrigues (1912-1980), a quem se deve também o título do livro (o teatrólogo
manteve uma coluna chamada "A Vida
Como Ela É..."). Minha birra deve ser
despeito de paulista.
No conjunto, "A Economia Como Ela
É..." constitui uma amostra útil e importante do pensamento de um economista
de oposição que é referência no debate
brasileiro contemporâneo.
Texto Anterior: Revolta escavada no pó Próximo Texto: A retórica da moeda Índice
|