São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2000 |
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Revolta escavada no pó
Viviana Bosi especial para a Folha
A polêmica se instaura tão logo começamos a leitura do terceiro
volume de poemas de Frederico
Barbosa, pois o título, "Contracorrente", já anuncia a posição aguerrida, reforçada imediatamente pela orelha,
do próprio poeta, e pelo posfácio, de Antonio Risério. Ambos advogam para este
livro a descendência, mais rigorosa, da
vertente estética cabralina e dos experimentos vanguardistas de Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos e se colocam em atitude de recusa a correntes
poéticas diversas da herança concretista.
"Negatividade" e "áspero inconformismo" são algumas das marcas que Antonio Candido lhe atribui, na contracapa.
Todos esses comentários suscitam
uma impressão inicial que inclina o leitor a penetrar no livro despertado previamente para uma atitude de disputa ou
adesão, dependendo de seu ponto de vista (se é que hoje tais questões ainda carregam um potencial combativo).
A diagramação cuidada, em letras capitais destacadas em negrito, visíveis como um
cartaz futurista, proclama
a vocação para o bramido
que vários poemas portam. Desde a dedicatória e
a epígrafe, o livro enfatiza
o protesto: "EXISTIR! RESISTIR!".
O caráter de manifesto
aparece já no primeiro, "Poesia e Porrada", que insiste, veemente, no enfrentamento agressivo do tédio e do bom-mocismo correto da poesia contemporânea,
que considera parnasiana e comportada.
Em vez do versinho de "pé no gesso/ regrado", prefere "chutes feridas/ de pé
descalço// Arrisco sem meta/ Ou metro
estimado". A força do poema advém da
ira e do ressentimento, agora potenciados pela linguagem contundente e rítmica: "Eu/ insulto/ Revolto o gesto.// Solto
minha rocha em versos/ Pedras-de-raio".
Energia concentrada explode em "I,
The Tempest":
"VIVER INTEMPESTIVO
ESTRONDO RAIO RISCO
SEM ENSAIO ARRISCO//
VIVOVIVOVIVOVIVO".
Será que esse poema de carnadura
"verbivocovisual" não afirma, contradizendo-se, que a melhor maneira de exprimir a vitalidade estaria na realização
do impulso do instante, "sem ensaio",
contra as simetrias formais que ele mesmo realiza? Por que diz expurgar de sua
poética os lampejos "intempestivos" dos
anos 70, como se os riscos da liberdade
fossem necessariamente sinônimos de
negligência? Os cortes e assepsias exigidos pela perfeição lúcida e autocrítica
podem levar, no extremo, ao mero trocadilho intelecto-sonoro.
Viviana Bosi é professora de teoria literária na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autora de "John Ashbery - Um Módulo para o Vento" (Edusp). Texto Anterior: + livros: A frivolidade de um apóstolo da desilusão Próximo Texto: A cortina de fumaça da globalização Índice |
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