São Paulo, Domingo, 26 de Dezembro de 1999


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+ 3 questões Sobre o clichê

1. "Globalização" ainda quer dizer alguma coisa?
2. O que é preciso "deletar" com o "bug do milênio"?
3. O Brasil é "o país do futuro"?

Marta Suplicy responde

1.
Neste final de 1999 a globalização tem um sentido bastante diferente daquele que já foi motivo de euforia para aqueles que a defendem e que se espelham na cartilha do neoliberalismo. A globalização ainda deve ser vista como um processo excludente, em que os países pobres estão de portas abertas para os países mais ricos, enquanto estas nações se comportam de forma protecionista quando poderiam negociar os produtos dos países emergentes.
No entanto o mais interessante são trabalhos recentes mostrando a possibilidade de países em desenvolvimento poderem se inserir na globalização trabalhando ao mesmo tempo com a distribuição de renda -como faz o Estado de Querala, na Índia.
Infelizmente o processo de globalização no nosso país está sendo de submissão aos interesses dos países ricos e do conformismo do presidente em aceitar que parte da população brasileira viverá a exclusão inexoravelmente.

2.
O Maluf, o Collor, os vereadores corruptos...

3.
Pode ser, mas não com os caminhos escolhidos por FHC, e sim em 2002, quando o povo brasileiro der voz e voto a outro tipo de política econômica e inserção no mundo. Essa nova política deve ter algumas premissas básicas, como a distribuição de renda, educação e saúde para todos e a construção de cidadania sem exclusão e sem discriminação de qualquer natureza.
Para o Brasil ser um país do futuro, será preciso construir um pacto social e que todos estejam comprometidos com esse processo. Desde os mais ricos, que precisam assumir sua parcela de responsabilidade social, quanto os mais pobres, que devem ter mais voz nas esferas de poder do Brasil. Afinal, não basta colocar o voto na urna. Tem de participar e cobrar esse direito de cidadania.

João Ubaldo Ribeiro responde

1.
Esta pergunta toma como premissa a suposição de que eu sei o que quer dizer "globalização". Eu não sei. Ninguém sabe, aliás, porque não sou burro, leio bastante e não entendi nada dos que já tentaram definir a globalização. Pelo que percebo, no que acredito ser acompanhado pela maioria dos compatriotas, globalização são as empresas americanas mandando na gente. A cada dia, essa globalização avança e se solidifica e não vejo limites para sua expansão. Resta o consolo do brocardo latino "quod abundat non nocet", que se traduz por "o que abunda não faz mal", afirmação quase sempre verdadeira, mas que, no caso da globalização, deve ser entendida como "quando a bunda não é nossa".

2.
Não quero deletar nada. Apesar de abominar, por exemplo, a violência e a corrupção, acho-as consequência de nossos atos, pelos quais somos, em medidas diversas, responsáveis. Então não deleto nem isso, prefiro que o fenômeno siga seu curso e produza os efeitos que deve produzir em toda a sociedade, sem que eu clique em nenhum botãozinho de "delete". Meu amigo Benebê, em Itaparica, sempre me diz, em impecável sotaque do Recôncavo, que "o mundo é perfetcho". E, de fato, o mundo é perfeito. Quem tem de plasmá-lo somos nós. E já pensaram se as coisas fossem como cada um quer? Não, o mundo é perfetcho e não há como mudar isso, a não ser eliminando nosso livre-arbítrio.

3.
Já se disse isso de não sei quantas formas: é impossível existir sem esperança. A falta absoluta de esperança, mesmo que não consumada pelo suicídio físico, equivale à morte. Portanto não vamos poder passar sem esperança para nós, que afinal constituímos o Brasil, nem que seja para o Brasil dos nossos bisnetos. Sim, apesar de tudo o de ruim que está acontecendo e temos praticamente certeza de que vai acontecer, o Brasil, como na minha já tão longínqua infância, continua sendo o país do futuro. Só que no passado o futuro era bem melhor.

Quem são

João Ubaldo Ribeiro é romancista, membro da Academia Brasileira de Letras, autor de, entre outros, "Sargento Getúlio" e "Viva o Povo Brasileiro". Seu último livro, "A Casa dos Budas Ditosos", esteve entre os mais vendidos deste ano.

Marta Suplicy é candidata à Prefeitura de São Paulo pelo PT. Ex-deputada federal, concorreu ao governo do Estado nas eleições de 1998. No momento ela encabeça as intenções de voto, segundo os institutos de pesquisa.


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