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"Notícias do Planalto" funciona como um mapa do que ainda existe para ser feito
A ruptura do pacto do silêncio
Marcos Coimbra
especial para a Folha
Fruto de uma primeira leitura das
"Notícias do Planalto", estas observações são de três níveis.
Comecemos com uma nota pessoal:
para quem, como eu, participou intensamente de vários dos fatos narrados no livro, é fácil ver que se trata de um muito
bom "livro de reportagem". De Euclides
da Cunha a Truman Capote, essa é uma
tradição literária nada pequena, que produziu obras de grande interesse e qualidade. O livro de Mario Sergio Conti cabe
perfeitamente na estante ao lado delas.
"Notícias do Planalto" relata com fidedignidade e rigor a imensa maioria dos
episódios que conheço e o faz com algo
que a boa "literatura de reportagem"
possui: a capacidade de nos fazer (re)viver o que descreve.
A segunda observação é que o livro de
Mario Sergio Conti precisa ser, logo, seguido por outros. Como tudo o que é feito pela primeira vez, ele acaba sendo um
mapa para o que ainda existe por fazer.
"Notícias do Planalto" é, com certeza, o
primeiro esforço sério (pelo menos que
eu conheça) de discutir o surgimento, o
apogeu e a queda de Fernando Collor na
política brasileira. É, também, uma discussão pioneira sobre como se estrutura
e como funciona a (grande) imprensa no
Brasil contemporâneo.
Opção autoral
É, pois, natural que
ele precise ser complementado. Nossa
proximidade com o período, a inevitável
reserva com que as fontes consultadas
trataram de alguns temas, a opção que o
autor tinha que fazer -de se concentrar
em determinados assuntos- explicam
que restam fatos a descrever e episódios
a interpretar. Será, no entanto, a partir
do que foi começado e não, como antes,
do nada.
Em minha opinião, o mais importante
do livro está em um terceiro aspecto:
"Notícias do Planalto" é uma muito necessária ruptura com um dos piores traços de nossa cultura política e cívica, o
pacto de não falar sobre os "vícios" e
"problemas" que cada um sabe que existem em sua própria atividade, profissão,
corporação.
Há tempo demais o Brasil vive sob o regime desses pactos de silêncio, frequentemente camuflados por expressões como "ética profissional", "espírito de corpo" e semelhantes. Sob o disfarce de bonitas palavras, o que ocorre, na imensa
maioria das vezes, é, apenas, uma cúmplice convivência, que acaba por ser prejudicial a todos.
É claro que tais pactos de silêncio são
tanto mais graves quanto de maior impacto público forem as mazelas sobre as
quais se cala. Não haveria por que criticá-los, quando são privados ou de escasso
interesse coletivo.
Não é, porém, o que ocorre quando um
funcionário público, de médio ou baixo
escalão, vem a saber sobre a "caixinha", a
"conversa", o "caminho" para "resolver"
problemas em sua repartição, empresa
ou ministério, e nada fala, nada faz, cruzando os braços e se omitindo.
Não é o que ocorre quando, na alta administração, se aceita como inteiramente natural a mais promíscua convivência
entre o que é público e o que é privado,
encobrindo-a com diversos tipos de "silêncio".
No Congresso, nas Assembléias Legislativas, nas Câmaras de Vereadores, então, o que mais se encontra são pactos de: não ouvir, não ver, não falar. Até,
é claro, que estoure, vindo, de fora, algum escândalo, prontamente isolado e demarcado, com novos silêncios cúmplices.
Durante e após a recente
CPI do Judiciário a força
de pactos desse gênero se
mostrou férrea. Primeiro,
na tentativa de quase todas as esferas do Poder Judiciário de sustar a CPI;
depois, de reduzir sua
atuação; agora, de ridicularizar seus resultados.
Enquanto funcionou,
pelo menos uma grande
pergunta ela suscitou: para onde olhavam, o que
ouviam, o que fizeram advogados, magistrados e
procuradores em São
Paulo, quando, sob suas
barbas, a obra do TRT se
tornava um formidável
monumento, tanto ao
desvio de verbas, quanto à solidez do
pacto de silêncio que acobertava a corrupção? É contra uma cultura política e
cívica que tolera e até incentiva esses pactos que "Notícias do Planalto" trava uma
batalha corajosa. Faz isso sem alarde e
sem bazófia, calçado em tal riqueza de fatos, detalhes, minúcias e confidências,
que poucos conseguem resistir.
Mario Sergio Conti atinge, no coração,
um dos pactos de silêncio mais fortes
-aquele que a própria imprensa cria em
torno de si- e, ao fazê-lo, nos convida a
todos a romper os nossos.
Esse convite tácito é mais eloquente
por partir de alguém que, de pleno direito, pertence à elite do jornalismo. Não
vem, portanto, do ciúme, da inveja ou da
frustração daqueles que tentaram (e não
conseguiram) pertencer a ela ou nela
permanecer.
Em minha área direta de atuação, a
pesquisa de opinião, é bem-vindo esse
incentivo à ruptura com pactos de silêncio como os apontados. Creio que seria
benéfico para todos os envolvidos se as
cartas fossem todas postas na mesa, com
franqueza e clareza. Não é, certamente,
atividade tão relevante
como as mencionadas
acima, mas tem seu impacto na vida coletiva.
Que saibamos aprender
com o livro e o autor!
Marcos Coimbra é diretor do Instituto Vox Populi e foi o coordenador da campanha presidencial de
Fernando Collor.
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