São Paulo, Domingo, 26 de Dezembro de 1999


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"Notícias do Planalto" funciona como um mapa do que ainda existe para ser feito

A ruptura do pacto do silêncio


Marcos Coimbra
especial para a Folha


Fruto de uma primeira leitura das "Notícias do Planalto", estas observações são de três níveis.
Comecemos com uma nota pessoal: para quem, como eu, participou intensamente de vários dos fatos narrados no livro, é fácil ver que se trata de um muito bom "livro de reportagem". De Euclides da Cunha a Truman Capote, essa é uma tradição literária nada pequena, que produziu obras de grande interesse e qualidade. O livro de Mario Sergio Conti cabe perfeitamente na estante ao lado delas.
"Notícias do Planalto" relata com fidedignidade e rigor a imensa maioria dos episódios que conheço e o faz com algo que a boa "literatura de reportagem" possui: a capacidade de nos fazer (re)viver o que descreve.
A segunda observação é que o livro de Mario Sergio Conti precisa ser, logo, seguido por outros. Como tudo o que é feito pela primeira vez, ele acaba sendo um mapa para o que ainda existe por fazer.
"Notícias do Planalto" é, com certeza, o primeiro esforço sério (pelo menos que eu conheça) de discutir o surgimento, o apogeu e a queda de Fernando Collor na política brasileira. É, também, uma discussão pioneira sobre como se estrutura e como funciona a (grande) imprensa no Brasil contemporâneo.

Opção autoral É, pois, natural que ele precise ser complementado. Nossa proximidade com o período, a inevitável reserva com que as fontes consultadas trataram de alguns temas, a opção que o autor tinha que fazer -de se concentrar em determinados assuntos- explicam que restam fatos a descrever e episódios a interpretar. Será, no entanto, a partir do que foi começado e não, como antes, do nada.
Em minha opinião, o mais importante do livro está em um terceiro aspecto: "Notícias do Planalto" é uma muito necessária ruptura com um dos piores traços de nossa cultura política e cívica, o pacto de não falar sobre os "vícios" e "problemas" que cada um sabe que existem em sua própria atividade, profissão, corporação.
Há tempo demais o Brasil vive sob o regime desses pactos de silêncio, frequentemente camuflados por expressões como "ética profissional", "espírito de corpo" e semelhantes. Sob o disfarce de bonitas palavras, o que ocorre, na imensa maioria das vezes, é, apenas, uma cúmplice convivência, que acaba por ser prejudicial a todos.
É claro que tais pactos de silêncio são tanto mais graves quanto de maior impacto público forem as mazelas sobre as quais se cala. Não haveria por que criticá-los, quando são privados ou de escasso interesse coletivo.
Não é, porém, o que ocorre quando um funcionário público, de médio ou baixo escalão, vem a saber sobre a "caixinha", a "conversa", o "caminho" para "resolver" problemas em sua repartição, empresa ou ministério, e nada fala, nada faz, cruzando os braços e se omitindo.
Não é o que ocorre quando, na alta administração, se aceita como inteiramente natural a mais promíscua convivência entre o que é público e o que é privado, encobrindo-a com diversos tipos de "silêncio".
No Congresso, nas Assembléias Legislativas, nas Câmaras de Vereadores, então, o que mais se encontra são pactos de: não ouvir, não ver, não falar. Até, é claro, que estoure, vindo, de fora, algum escândalo, prontamente isolado e demarcado, com novos silêncios cúmplices.
Durante e após a recente CPI do Judiciário a força de pactos desse gênero se mostrou férrea. Primeiro, na tentativa de quase todas as esferas do Poder Judiciário de sustar a CPI; depois, de reduzir sua atuação; agora, de ridicularizar seus resultados.
Enquanto funcionou, pelo menos uma grande pergunta ela suscitou: para onde olhavam, o que ouviam, o que fizeram advogados, magistrados e procuradores em São Paulo, quando, sob suas barbas, a obra do TRT se tornava um formidável monumento, tanto ao desvio de verbas, quanto à solidez do pacto de silêncio que acobertava a corrupção? É contra uma cultura política e cívica que tolera e até incentiva esses pactos que "Notícias do Planalto" trava uma batalha corajosa. Faz isso sem alarde e sem bazófia, calçado em tal riqueza de fatos, detalhes, minúcias e confidências, que poucos conseguem resistir.
Mario Sergio Conti atinge, no coração, um dos pactos de silêncio mais fortes -aquele que a própria imprensa cria em torno de si- e, ao fazê-lo, nos convida a todos a romper os nossos.
Esse convite tácito é mais eloquente por partir de alguém que, de pleno direito, pertence à elite do jornalismo. Não vem, portanto, do ciúme, da inveja ou da frustração daqueles que tentaram (e não conseguiram) pertencer a ela ou nela permanecer.
Em minha área direta de atuação, a pesquisa de opinião, é bem-vindo esse incentivo à ruptura com pactos de silêncio como os apontados. Creio que seria benéfico para todos os envolvidos se as cartas fossem todas postas na mesa, com franqueza e clareza. Não é, certamente, atividade tão relevante como as mencionadas acima, mas tem seu impacto na vida coletiva.
Que saibamos aprender com o livro e o autor!


Marcos Coimbra é diretor do Instituto Vox Populi e foi o coordenador da campanha presidencial de Fernando Collor.







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