São Paulo, Domingo, 26 de Dezembro de 1999


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PONTO DE FUGA

Um galope na noite

Jorge Coli
especial para a Folha



Há personagens que nasceram na literatura e passaram, de filme em filme, para o imaginário coletivo por meio de aventuras variadas. Eles se distanciaram dos originais para adquirir uma vida própria e autônoma. Ultimamente, um certo rigor levou alguns diretores a retornarem às raízes, proclamando fidelidade desde o título: "Drácula de Bram Stoker", "Frankenstein de Mary Shelley". Tim Burton faz, agora, um caminho contrário -e não menos sofisticado. Parte de um conto levemente irônico de Washington Irving e o trata com uma liberdade de outros tempos. Vai buscar, nas antigas produções da Hammer e nos magníficos Corman dos anos 60, sua fonte de inspiração. Tudo isso resulta num filme de autoria indisfarçável.
Tim Burton é um cineasta cuja força estilística original se nutre sempre do passado e de outras obras; cujo mundo de artifícios evoca sempre cenários e acessórios de teatro. "Sleepy Hollow" é talvez sua obra-prima, nele a beleza irreal equilibra-se entre o humor, os efeitos de suspense e o horror. Transforma a história de Irving num enredo meio gótico, meio policial. Ichabod Crane, o ingênuo protagonista, já possuía grande presença no conto, mais tarde visualmente reforçada graças ao retrato criado por Norman Rockwell. Tim Burton toma seu ator favorito, Johnny Deep, para dele fazer uma mistura gozada de pretensioso pedante, de intelectual sedutor e de anti-herói frágil, que deve enfrentar um desagradável cavaleiro sem cabeça.

Sanguínea - A Frick Collection, em NY, expõe desenhos de Watteau (1684-1721). São pequenos formatos, páginas de caderno, folhas soltas para estudos, na facilidade rápida do lápis. São mundos inteiros, em que o traço hábil é contido numa elegância melancólica. Por vezes, Watteau copia alguns rostos, algumas poses de Rubens. É fascinante ver, então, a grande retórica barroca atenuar-se, adquirindo formas e atitudes mais suaves e delicadas.
Em outros momentos, os papéis multiplicam cabeças, braços, mãos, que se modificam quase imperceptivelmente, na busca da posição mais aristocrática. Um revela a inclinação para intimidades sem pudores, própria ao século 18: nua, pura e bela no traço, uma jovem prepara-se para receber enorme seringa de lavagem intestinal.
Há ainda as imagens realistas, de trabalhadores, atentas e sem sentimentalismos -são sobretudo os limpadores de chaminés, que vinham da Savóia para Paris no começo do inverno. É como se anunciassem um certo Goya, menos a energia dramática, mais esse modo silencioso, desarmado e atônito de estar no mundo, que Watteau levaria ao apogeu no seu célebre "Gilles".

Nuvens - Minimalismo sensível é o espírito de algumas mostras propostas pela Frick Collection. Elas reúnem apenas dois quadros, como agora, as duas versões da "Salisbury Cathedral", de Constable. Telas quase idênticas, mas, numa, a luz torna aéreos os volumes do edifício, em que a caligrafia meticulosa traduz cada detalhe. Na outra, o céu escurece, as formas impõem sua presença na espessura das sombras, na densidade nova das folhagens.
Não há melhor caminho do que a comparação, para chegar mais perto das obras de arte.

Pernapau - Leitores escreveram sobre a espinhosa escolha: Pernalonga? Pica-Pau? Muitos hesitaram, ficaram com os dois. Outros preferiram Pernalonga. A maioria decidiu pela "loucura paranóica e sádica" do Pica-Pau, como formulou uma das mensagens. Houve várias análises, apaixonadas e finas. O título "Pernapau" vem de um leitor que não quer saber nem de um nem de outro: para ele, bom mesmo é Yu Yu Hakusho, herói de uma complicada saga japonesa.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com


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