São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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Ponto de fuga

A roda da pintura

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

À margem do Tâmisa, em Londres, ergue-se, há cem anos, um antigo edifício administrativo. Sua fachada é curva, côncava, ordenada por colunas enormes e escadaria solene. Dentro, há largos corredores e salas confortáveis: os barnabés ingleses tinham direito a tacos no chão e lareira. Foi para esse prédio, desativado, que Charles Saatchi decidiu transferir sua coleção de arte. É um lugar estratégico, junto da imensa roda-gigante do milênio, "London Eye" (O Olho de Londres), que se tornou um ponto focal na paisagem londrina. Situa-se a meio caminho da velha e da nova Tate, ligadas por um barco especial que faz uma parada ali.
Saatchi sempre estimulou os jovens artistas ingleses, e a exposição "Sensation", que organizou em 1999, revelou personalidades notáveis: os irmãos Chapman, Tracey Emin, Marc Quinn, Chris Ofili, Damien Hirst, entre tantos. A sensibilidade era mórbida, inquietante, mas muito particular e original.
A galeria proclama agora, alto e forte, "O Triunfo da Pintura", título da atual mostra. Mais que à pintura, trata-se de um retorno à figuração, presente na grande maioria das telas. Menos que um triunfo, a exposição parece derivar de uma escolha imposta. Mesmo considerando a qualidade de alguns artistas, como Immendorff ou Kippenberger, dela não emana impressão de energia criadora. Falta seiva e o entusiasmo de novos impulsos. Este sentimento de anemia é, na verdade, o que percorre toda a criação contemporânea. Talvez a pintura triunfe no futuro, mas quem pode dizer o que será a arte de amanhã?

Pinceladas
A praça Fustemberg é pequena, tem quatro árvores e um lampadário no meio. Fica atrás da igreja de Saint Germain des Près, em Paris.
Paira nela uma atmosfera de poesia, feita de quase nada. No número seis morou Delacroix. Sua casa e seu atelier são agora um museu que lhe é consagrado. Não está longe da igreja de Saint Sulpice. Ali, numa capela, Delacroix pintou sua grande obra final. Impôs a si mesmo um horário rígido, pois estava doente e tinha medo de não poder concluir a tarefa. Morreu pouco depois, em 1863, o ano da "Olímpia" de Manet e do Salão dos Recusados, quando despontavam as grandes transformações da arte moderna.
A capela dos Santos Anjos, como é conhecida, é a última verdadeira manifestação da pintura do Ocidente, tal como foi inventada por Giotto há 700 anos: grandes superfícies narrativas destinadas a recobrir paredes vastas, em que a invenção se renova pelo modo de compor e de contar.
O Museu do Louvre abriu as portas da Galeria de Apolo, que foi restaurada agora e cujo projeto decorativo data do século 17. Dele participou Lebrun, pintor do rei Luís 14. Só 200 anos mais tarde é que se concluiu. Delacroix criou, para ele, uma extraordinária visão do carro de Apolo na parte central do teto.
A continuidade e a perfeita integração entre a arte de Lebrun e de Delacroix salta aos olhos. Depois de Delacroix, não haveria mais pintores capazes de prolongar, com força criadora autêntica, uma herança dessa ordem. A pintura se tornara, então, outra coisa.
Ferrugem
A destruição, em 1974, do mercado de Paris, as "halles", concebido nos anos de 1850 pelo arquiteto Baltard, foi um atentado maior contra o patrimônio arquitetural. Eram maravilhosas estruturas metálicas. Terminaram derrubadas e substituídas por uma inóspita galeria de comércio. Um novo projeto, tímido, propõe-se agora a atenuar as deficiências do local. Ao contrário, em Londres, o velho mercado de Covent Garden, renovado, cheio de lojinhas engraçadas, tornou-se um centro vivo e festivo.

Cores
Em 1985, a 18ª Bienal de São Paulo inventou "a grande tela", que associava obras de artistas muito diferentes numa seqüência vibrante. Não era o triunfo da pintura, era o triunfo do olhar. A curadora foi Sheila Lerner, que hoje divide sua vida entre Paris e a Bretanha e mantém um blog irresistível: "Quando, como e onde"
(http://sheilaleirner.blogspot.com/).


Jorge Coli é historiador da arte.
e-mail: jorgecoli@uol.com.br


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