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Ponto de fuga
A roda da pintura
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
À margem do Tâmisa, em Londres,
ergue-se, há cem anos, um antigo
edifício administrativo. Sua fachada é curva, côncava, ordenada por
colunas enormes e escadaria solene. Dentro, há largos corredores e salas confortáveis: os barnabés ingleses tinham direito a
tacos no chão e lareira. Foi para esse prédio,
desativado, que Charles Saatchi decidiu
transferir sua coleção de arte. É um lugar
estratégico, junto da imensa roda-gigante
do milênio, "London Eye" (O Olho de Londres), que se tornou um ponto focal na paisagem londrina. Situa-se a meio caminho
da velha e da nova Tate, ligadas por um barco especial que faz uma parada ali.
Saatchi sempre estimulou os jovens artistas ingleses, e a exposição "Sensation", que
organizou em 1999, revelou personalidades
notáveis: os irmãos Chapman, Tracey
Emin, Marc Quinn, Chris Ofili, Damien
Hirst, entre tantos. A sensibilidade era
mórbida, inquietante, mas muito particular e original.
A galeria proclama agora, alto e forte, "O
Triunfo da Pintura", título da atual mostra.
Mais que à pintura, trata-se de um retorno
à figuração, presente na grande maioria das
telas. Menos que um triunfo, a exposição
parece derivar de uma escolha imposta.
Mesmo considerando a qualidade de alguns artistas, como Immendorff ou Kippenberger, dela não emana impressão de
energia criadora. Falta seiva e o entusiasmo
de novos impulsos. Este sentimento de
anemia é, na verdade, o que percorre toda a
criação contemporânea. Talvez a pintura
triunfe no futuro, mas quem pode dizer o
que será a arte de amanhã?
Pinceladas
A praça Fustemberg é pequena, tem quatro árvores e um lampadário no meio. Fica
atrás da igreja de Saint Germain des Près,
em Paris.
Paira nela uma atmosfera de poesia, feita
de quase nada. No número seis morou Delacroix. Sua casa e seu atelier são agora um
museu que lhe é consagrado. Não está longe da igreja de Saint Sulpice. Ali, numa capela, Delacroix pintou sua grande obra final. Impôs a si mesmo um horário rígido,
pois estava doente e tinha medo de não poder concluir a tarefa. Morreu pouco depois,
em 1863, o ano da "Olímpia" de Manet e do
Salão dos Recusados, quando despontavam as grandes transformações da arte
moderna.
A capela dos Santos Anjos, como é conhecida, é a última verdadeira manifestação da pintura do Ocidente, tal como foi inventada por Giotto há 700 anos: grandes
superfícies narrativas destinadas a recobrir
paredes vastas, em que a invenção se renova pelo modo de compor e de contar.
O Museu do Louvre abriu as portas da
Galeria de Apolo, que foi restaurada agora e
cujo projeto decorativo data do século 17.
Dele participou Lebrun, pintor do rei Luís
14. Só 200 anos mais tarde é que se concluiu. Delacroix criou, para ele, uma extraordinária visão do carro de Apolo na
parte central do teto.
A continuidade e a perfeita integração entre a arte de Lebrun e de Delacroix salta aos
olhos. Depois de Delacroix, não haveria
mais pintores capazes de prolongar, com
força criadora autêntica, uma herança dessa ordem. A pintura se tornara, então, outra coisa.
Ferrugem
A destruição, em 1974, do mercado de Paris, as "halles", concebido nos anos de 1850
pelo arquiteto Baltard, foi um atentado
maior contra o patrimônio arquitetural.
Eram maravilhosas estruturas metálicas.
Terminaram derrubadas e substituídas por
uma inóspita galeria de comércio. Um novo projeto, tímido, propõe-se agora a atenuar as deficiências do local. Ao contrário,
em Londres, o velho mercado de Covent
Garden, renovado, cheio de lojinhas engraçadas, tornou-se um centro vivo e festivo.
Cores
Em 1985, a 18ª Bienal de São Paulo inventou "a grande tela", que associava obras de
artistas muito diferentes numa seqüência
vibrante. Não era o triunfo da pintura, era o
triunfo do olhar. A curadora foi Sheila Lerner, que hoje divide sua vida entre Paris e a
Bretanha e mantém um blog irresistível:
"Quando, como e onde"
(http://sheilaleirner.blogspot.com/).
Jorge Coli é historiador da arte.
e-mail: jorgecoli@uol.com.br
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