São Paulo, domingo, 27 de maio de 2007

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Brooklyn sem pai nem mãe

Badalado autor da nova geração dos EUA, Jonathan Lethem escreve um romance pouco criativo em "A Fortaleza da Solidão"

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Jonathan Lethem precisava de um editor corajoso. Alguém que tivesse dito a ele que o Brooklyn não necessita de mais um livro que "trate o bairro quase como personagem", que já existem infinitos "painéis" sobre as transformações na vida de comunidades de classe média baixa americana e outros infinitos romances a respeito da "amizade que dura décadas" entre o menino branco e o menino negro, que usar a história da música dos anos 70, 80 e 90 como uma espécie de "acompanhamento" à narração já virou um recurso gasto, que o século 21 sobreviverá tranqüilamente sem mais uma reinvenção de Balzac e, os leitores, sem mais um volume de mais de 600 páginas.

História em quadrinhos
Acima de tudo, esse editor corajoso poderia ter sugerido que Lethem deixasse para lá metade do que escreveu e se concentrasse na boa idéia que atravessa este seu "A Fortaleza da Solidão": a referência, a priori infantil, ao universo dos super-heróis dos quadrinhos (o título da obra remete ao castelo gelado do Super-Homem), materializada por um anel de poder que dá a quem o utiliza, em primeiro lugar, a capacidade de voar e, depois, de se tornar invisível.
São as cenas em que ele aparece e modifica a lógica do real que têm "força" no enredo e dão inventividade a esta ficção que busca uma abrangência totalizante e definitivamente cômoda, ao invés de aceitar os riscos que ela mesma consegue vislumbrar.

Novos velhos amigos
O protagonista é Dylan Ebdus, o menino branco de quem acompanhamos o crescimento e os modos com que lida com os conflitos de viver numa região de população majoritariamente negra.
Abandonado pela mãe, mora com o pai, artista que atravessa os anos pintando imagens quase idênticas em fotogramas para criar um filme. Seu eventual protetor e amigo é o grafiteiro Mingus Rude, filho de um cantor importante que agora se dedica a drogas variadas.
Na primeira parte do livro, o leitor acompanha ano a ano as aventuras dos dois companheiros; na segunda, ambos já estão adultos: Dylan se transforma em crítico de música e Mingus, após cometer um crime, vai para a prisão. Ambos se afastam.
Aí a obra acompanha o movimento de reaproximação de dois homens marcados por uma história complicada.
Houve, na imprensa dos EUA, quem comparasse Dylan Ebdus e "A Fortaleza da Solidão" a Holden Caulfield e "O Apanhador no Campo de Centeio", de J.D. Salinger. O livro de Lethem tem suas qualidades, mas bastou reler algumas páginas de "O Apanhador", esquecido na estante havia tantos anos, para lembrar que a comparação não tem nenhum cabimento.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.


A FORTALEZA DA SOLIDÃO
Autor:
Jonathan Lethem
Tradução: Sonia Moreira
Editora: Companhia das Letras
(tel. 0/xx/11/3707-3500)
Quanto: R$ 66 (616 págs.)



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